Professor responsável pela disciplina do golpe de 2016, intimado a depôr, diz que “universidade é espaço de crítica”

Atualizado em 11 de março de 2018 às 17:33

Publicado no rfi

POR PALOMA VARÓN

O professor da UFBA, Carlos Zacarias, responsável pela disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”. Foto: Arquivo Pessoal

Carlos Zacarias é professor do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e responsável pelo curso “O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, ministrado por 23 docentes de várias áreas e que começa no dia 5 de abril.

O docente resolveu levar aos alunos da UFBA esta disciplina como um ato de solidariedade ao colega professor Luís Felipe Miguel, que inaugurou o curso na UnB, e de afirmação da autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal. O curso, com a mesma ementa, está sendo oferecido em diversas universidades de todo o país.

“O curso está sendo oferecido no âmbito da UFBA, na disciplina Tópicos Especiais em História, sob a minha responsabilidade, inspirado na disciplina homônima oferecida na UnB pelo professor Luís Felipe Miguel. A ideia do curso surgiu em função de um ato de solidariedade ao professor Luís Felipe Miguel, que foi ameaçado pelo ministro da Educação, o sr. Mendonça Filho, quando da oferta do curso. O ministro do governo Temer disse que ia acionar os órgãos controladores para verificar se não existiriam improbidade administrativa, mau uso do dinheiro público. Na compreensão de Mendonça Filho, a universidade não tem o direito de oferecer um curso falando do golpe de 2016”, conta.

Para Zacarias, a tentativa de proibição deste curso reforça a necessidade de se discutir a democracia na universidade. “Esta atitude de Mendonça Filho demonstra a necessidade de discutir a democracia, o futuro da democracia e de pensar os riscos que estamos correndo quando um governo que assumiu o Brasil em 2016, na compreensão da maioria das pessoas que integram a universidade, a partir de um golpe, caminha para um momento de muita tensão, de muita preocupação dos setores democráticos da sociedade. Já são mais de duas dezenas de universidades que resolveram oferecer o curso, com o mesmo título, a mesma ementa e quase todos têm o mesmo programa”, disse.

Militantes versus intelectuais

Sobre as críticas de que estes cursos sobre o golpe de 2016 preparam militantes e não intelectuais e de que a universidade brasileira carece de diversidade ideológica, ele se posiciona:

“Esta crítica não faz nenhum sentido. Se a universidade fosse composta pela quantidade de militantes que ela é acusada de ser composta, a gente não estava vivendo esta situação. A universidade é formada por pesquisadores, por cientistas, por intelectuais, por gente que fez concurso público, e precisa ter aquilo que está disposto no artigo 207 da Constituição, que diz que ela goza autonomia didático-científica e pedagógica para desenvolver as suas funções. Então não tem nenhum sentido dizer que é um curso formado por militantes”, rebate.

“Eu pergunto a quem faz esta crítica: quando poderemos falar do golpe de 2016? Quando este governo acabar? Se só pudermos falar quando este governo acabar, significará que este governo impõe, é autoritário, tem disposições autoritárias que impedem a gente de discutir aquilo que é compreensão nossa. Já há uma literatura razoável, que foi produzida desde o golpe de 2016, e já há um razoável consenso”, afirma.

Não há unanimidade

“Dizer que há este razoável consenso não quer dizer que haja unanimidade. Nas ciências humanas, na história, nas ciências políticas, na sociologia não há unanimidade sobre absolutamente nada, mas há um razoável consenso sobre o que se constituiu no golpe de 2016 e sobre os riscos qua a democracia vem correndo no país. Nós estamos neste momento com um dos principais Estados do país com Intervenção Federal e a presença de tropas das Forças Armadas nas ruas. Então isso é um elemento de preocupação e também se conjuga à necessidade de oferta do curso”, defende.

O professor do Departamento de História da UFBA diz que o curso é optativo e conta com 120 vagas, sendo 70 para alunos matriculados na UFBA e 50 para alunos de extensão universitária.

“Este curso é optativo, ninguém é obrigado a pegar. Ele é um tópico especial em história, como lá na UnB é um tópico em ciências politicas. Na maioria das universidades onde que eu puder ver são disciplinas optativas. Eu tinha pensado em montar um curso sobre o golpe de 1964 e a ditadura que se seguiu, até 1985, só que diante da repercussão dos fatos em Brasília e da minha indignação e destes outros professores todos, eu montei um curso sobre o golpe de 2016”, disse.

“Nós não sabemos se o curso vai voltar a ser ofertado no semestre seguinte; em princípio o curso tem esta preocupação de ser um curso que se compromete com a solidariedade, que se compromete com a defesa da autonomia da universidade e que também está engajado de pensar o golpe de 2016 numa perspectiva do que a ciência produziu até aqui, do que a intelectualidade refletiu até aqui e o futuro da democracia. Então não está definido se o curso será oferecido nos semestres subsequentes, mas também não esta descartada a possibilidade”, avisa.

Realidade local

Sobre a diversidade de docentes, vindos das mais diversas áreas, incluindo Direito, Química, Psicologia e Educação, ele conta que os professores mostraram interesse quando ele estava montando o curso e a ideia é adaptá-lo à realidade local.

“Quando eu sugeri a ideia do curso, a partir do meu departamento, outros professores vieram se juntar à equipe. São 23 docentes de diversas áreas. A gente já teve uma primeira reunião e está adaptando alguns elementos originais do programa do professor Luís Felipe Miguel para a nossa própria realidade, para as nossas próprias capacidades”, afirma.

“Os professores que se associaram a esta proposta são professores altamente qualificados, são todos doutores, com produção científica, com artigos, com livros publicados, são professores que de alguma maneira refletem sobre o assunto, ainda que de perspectivas diversas. Nossa disposição é abrigar toda a diversidade, todas as possibilidades de pensar o golpe, com várias abordagens”, disse.

Direito de crítica

Apoiado no princípio de autonomia universitária, Zacarias defende a universidade como o espaço ideal para o pensamento crítico.

“Entre os próprios professores há pontos de vista inteiramente distintos sobre o que foi o golpe, sobre quando ele se desencadeia, quais foram os primeiros momentos. Com boa parte dos professores eu tive a oportunidade de debater, de divergir sobre muitas coisas. Se entre nós há muitas divergências, como não haveria entre aqueles que vão assistir ao curso? A universidade é um espaço democrático onde é assegurado o direito de crítica, o direito de divergir, o direito de expor sua divergência da maneira adequada”, conclui.