
A professora Érica Cristina Bispo (45) foi aprovada em primeiro lugar em um concurso para docente na USP (Universidade de São Paulo) e teve a nomeação anulada após um recurso de outros candidatos. Ela concorreu à vaga de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, no edital FFLCH/FLC nº 024/2024, realizado em junho do ano passado.
Segundo o UOL, a docente, única candidata negra entre os participantes, foi considerada apta para assumir o cargo, mas a posse foi suspensa meses depois, sob alegação de irregularidades. O grupo de candidatos recorreu à universidade alegando que Érica seria “amiga íntima” de duas avaliadoras da banca.
A acusação se baseou em fotos tiradas em congressos e encontros acadêmicos. Os recorrentes também questionaram suas publicações científicas e a atribuição das notas. Um dos professores que participou do concurso, mas se recusou a assinar o recurso, contou que o grupo chegou a caçar informações nas redes sociais da docente para justificar a contestação.
Érica, que leciona no Instituto Federal do Rio de Janeiro, disse que viu no episódio traços de racismo e elitismo. “Eu era a pessoa estrangeira ali, de fora da USP. Era a única negra entre nove concorrentes. Foi uma forma de deslegitimar minha trajetória”, afirmou ao UOL.
Segundo outro professor ouvido em condição de anonimato, a resistência a Érica também veio do fato de ela não ser “da casa”, enquanto a maioria dos concorrentes era formada pela própria USP.
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) analisou o caso e concluiu que não havia indícios de irregularidade ou favorecimento. Apesar disso, a USP decidiu anular o concurso em março deste ano, com 59 votos favoráveis e apenas um contrário no Conselho Universitário. No fim de setembro, a universidade publicou novo edital para a mesma vaga, decisão que levou a defesa da professora a acionar a Justiça.

Os advogados de Érica, Raphael de Andrade Naves e Carlos Barbosa Ribeiro, argumentam que a universidade violou o princípio da legalidade ao anular o processo mesmo após o arquivamento do caso pelo MP.
Eles pedem que a Justiça restabeleça o resultado anterior e permita que a professora tome posse. “Enquanto a legalidade de seus atos é questionada, a USP abre um novo concurso para o mesmo cargo”, afirmou um de seus advogados.
A Procuradoria Acadêmica da USP reconheceu apenas uma das alegações do recurso, a suposta relação pessoal entre Érica e duas avaliadoras. O parecer interno indicou “convivência íntima” com base em fotos em eventos e viagens acadêmicas.
Segundo o documento, mesmo que a amizade não tivesse interferido diretamente na nota, a presença das duas professoras na banca violaria a “moralidade administrativa”. A universidade considerou retirar apenas os votos delas, mas decidiu pela anulação total do certame.
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas informou que o concurso foi reaberto e que as inscrições seguem abertas. Em nota, a direção afirmou esperar que Érica participe novamente, embora admita que a decisão final depende da Justiça. “A FFLCH não tem como reverter uma decisão do Conselho Universitário”, disse a instituição.