Propina em emendas Pix: mensagens expõem cobrança por códigos; veja prints

Atualizado em 31 de outubro de 2025 às 12:08
Félix Mendonça Júnior, deputado federal. Foto: reprodução

A Polícia Federal obteve mensagens no âmbito da Operação Overclean que mostram como funcionava o esquema de desvio de recursos públicos por meio das chamadas emendas Pix, transferências parlamentares que, até decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), podiam ser usadas livremente por estados e prefeituras, sem necessidade de projeto específico.

Segundo o Uol, os investigadores informaram que o modelo permitia que parlamentares enviassem recursos diretamente a municípios de sua escolha, onde prefeitos e empresários aliados simulavam licitações para desviar parte do dinheiro.

A PF identificou repasses de verbas públicas a empresas de fachada, muitas registradas em nome de laranjas, e movimentações financeiras que teriam resultado no pagamento de propina a prefeitos, empresários e deputados.

A sexta fase da Overclean, deflagrada no fim de junho, teve como alvo um suposto esquema de propina ligado ao gabinete do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA). Por ordem do STF, os prefeitos de Boquira e Ibipitanga, na Bahia, chegaram a ser afastados dos cargos, mas já retornaram às funções.

As conversas obtidas pela PF são entre o empresário Evandro Baldino do Nascimento, apontado como membro do grupo criminoso, e Marcelo Chaves Gomes, assessor do deputado.

Nos diálogos, os dois usavam códigos como “caloi”, “platitas”, “laplatina”, “garfo”, “soldas”, “garrotes” e “praguinhas” para se referir a dinheiro e pagamentos. Em várias mensagens, há menções a repasses feitos por Evandro a Marcelo em troca da liberação de emendas destinadas às prefeituras investigadas.

A defesa de Marcelo afirmou que o caso tramita sob segredo de Justiça e, por isso, não pode comentar os detalhes. “A defesa reitera, de forma veemente, a total e absoluta inocência do seu constituinte, afirmando que as suspeitas levantadas são improcedentes e serão categoricamente refutadas no momento oportuno”.

O deputado Félix Mendonça negou envolvimento. “Nunca tratei de emendas com Evandro e não enviei dinheiro para empresas dele”, afirmou. A reportagem procurou a defesa do empresário, mas não obteve resposta.

A Operação Overclean é conduzida pelo ministro Nunes Marques, do STF, que assumiu o caso no início do ano, quando surgiram indícios da participação do deputado Elmar Nascimento (União-BA).

Humberto Rodrigues de Oliveira (PT), prefeito de Ibipitanga, Alan Machado França (PSB), de Boquira, e Marcel José Carneiro de Carvalho (PT), de Paratinga, prefeitos afastados pela operação Overclean. Foto: reprodução

Outro parlamentar, Dal Barreto (União-BA), também é investigado. As emendas Pix estão sob análise do Supremo após decisão do ministro Flávio Dino, que determinou que os repasses só podem ser feitos mediante plano de trabalho aprovado pelos ministérios.

A PF identificou ainda possíveis indícios de que Félix Mendonça tinha conhecimento das movimentações. As mensagens mostram que a namorada de Evandro, Patrícia Porfírio, foi contratada como assessora do gabinete do deputado com salário de R$ 8.100.

A PF considera que o cargo era fantasma. Em conversa com Marcelo, Evandro reclamou que o deputado não teria cumprido o acordo. “Sabia que Félix descumpria compromissos de política, mas os compromissos de negócio não rs”, escreveu.

Marcelo tentou acalmar o empresário, afirmando que o cargo era “um bom negócio”, com 40 meses de duração. “48 x 8.100 = 388.800,00. Não tem aplicação no mundo que dê isso”, respondeu o assessor.

Os investigadores também encontraram conversas sobre uma reunião em Salvador, em novembro de 2020, entre Félix, Evandro e o então prefeito eleito de Ibipitanga, Beto (PT).

No diálogo posterior, Marcelo pergunta: “Teve lá?”. Evandro confirma. “Foi boa a conversa?”. “Foi boa”. “Vamos colocar emendas lá (em Ibipitanga)”. “Isso”. “Para a Impacto construir”, diz Marcelo, referindo-se a uma das empresas ligadas a Evandro.

Após o encontro, Félix enviou R$ 9,1 milhões em emendas para o município, incluindo R$ 4,1 milhões em transferências especiais, as emendas Pix.

O deputado afirmou que “nunca procurou saber quem executa as obras com as emendas” e negou qualquer retorno financeiro. “Não sou o ‘amigo’. Com emendas, meu intuito é ter retorno político. Nunca recebi nenhum retorno financeiro, não sou bandido”.

As mensagens também revelam pedidos de dinheiro durante o período eleitoral de 2024. Marcelo chegou a cobrar um Pix de R$ 20 mil de Evandro e, em outra conversa, usou uma referência a um antigo comercial de bicicletas: “Não esquece da Caloi”.

O empresário respondeu que o dinheiro em espécie estava escasso. “O papel sumiu. Os caras estão pagando caro a quem tiver papel na mão. Esses 28 dias aí (da eleição) vai ser uma loucura por papel”, escreveu.

Veja os prints das conversas:

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.