Protestos nos EUA mostram unidade de jovens contra o racismo, diz historiador

Atualizado em 2 de junho de 2020 às 19:53

Publicado originalmente no Tutaméia

Por Eleonora e Rodolfo Lucena

“Nem quando houve a morte de Martin Luther King houve tanta manifestação. É uma coisa inédita, indica uma frustração profunda da comunidade afrodescendente, afroamericana, com a falta de possibilidade de ter justiça. Isso é muito maior [do que ocorreu em 1968]. Está nas ruas, em todos os lugares. É uma unidade de uma nova geração de jovens que foram criados contra essa ideia de racismo. Eles estão nas ruas revoltados contra esse vídeo, que foi chocante. O que é notável nas manifestações é que não são somente negros, não são somente afro-americanos. É uma congregação de todos os tipos de pessoa que você pode imaginar. Muitos jovens, brancos, latinos, asiáticos nas manifestações, que são por isso muito diversas, muito democráticas”.

A avaliação é do historiador norte-americano James Green ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Brasilianista, professor na Universidade de Brown (EUA), ele é também um histórico ativista pelos direitos humanos nos Estados Unidos e no Brasil e acompanha em detalhe a conjuntura brasileira, liderando ações internacionais pela democracia.

“Não quero fazer paralelos, porque cada país, cada situação tem sua dinâmica. Mas acho que a situação no Brasil está na beira de explodir também. Acho que esses processos nos Estados Unidos já estão dando ideias para as pessoas, de como agir nessa situação. Como em 1968, quando as informações sobre protestos e agitações circularam pela mídia do mundo todo, as pessoas tinham referências internacionais, enquanto as manifestações no Brasil tinham muito a ver com a situação nacional. Isso pode acontecer”, afirma. E segue:
“No Brasil, com a política de Lula e Dilma, de abrir as universidades, há uma nova geração de jovens, de origem pobre, a maioria afrodescendente ou pessoas de cor, como se fala nos Estados Unidos, que têm uma consciência além da consciência cotidiana, que têm uma elaboração uma teoria, já participaram de coletivos ou em bates, em fóruns sobre essas questões. Então, quando surge um movimento unificado contra Bolsonaro, e eu acredito que as pessoas estão cada vez mais dado a essas questões da diáspora africana, dos descendentes de pessoas escravizados, esses têm um olhar internacional e têm uma preocupação e acho que vão responder. As questões que estão sendo levantadas aqui são muito familiares aos brasileiros: violência policial, pobreza, miséria, falta de perspectiva, desemprego, o vírus que está matando sem uma resposta correta do governo, uma liderança louca no Palácio do Planalto, que promove remédios que não funcionam, enfim, é uma situação muito parecida nesse momento”.

Sobre os Estados Unidos, avalia Green:
“A situação aqui está muito complicada, porque nós temos a crise econômica, temos a crise do vírus e temos essa situação em que milhares de pessoas, talvez milhões, estão saindo às ruas para protestar contra a repressão policial, e ainda um presidente que não tem o menor interesse em resolver o problema. Ao contrário, ele está interessado em reforçar a sua base, com simbolismos, com gestos, ações, para fortalecer a possibilidade de ele ser reeleito nas eleições de novembro. Ele anunciou que vai reviver lei de 1807 contra insurreições, que permite mandar tropas federais contra manifestações nos Estados”.

Para o historiador, os saques ocorridos ao final de manifestações “pacíficas em 90% dos casos”, são uma combinação da ultradireita, do setor anarquista da esquerda e de grupos de pessoas que estão se aproveitando”. Para ele, essas ações ajudam a criar um “clima de paranoia, de preocupação, que Trump vai usar na campanha eleitoral, tentando usar o racismo que está muito embutida na cultura norte-americana, para se reeleger. Há pessoas da direita racista que estão entrando nessas manifestações para criar caos e fortalecer suas visões sobre a sociedade norte-americana. De noite, quando é evidente que não há controle policial, outras pessoas estão se aproveitando da situação”.

Green ressalta: “É claro, você tem de entender: a taxa real de desemprego nos Estados Unidos é de 25%, que é uma coisa que não existia desde 1931, 1932. As pessoas já estão há dois, três meses na quarentena, então há uma certa frustração. Somente na semana passada alguns Estados começaram a liberar. Isso também é um elemento que impulsiona uma certa explosão. Durante o dia, em geral, está sendo muito pacífico. Mas a violência e os saques estão sendo utilizados e vão ser utilizados por Trump para fortalecer sua base”.
E quais as chances de Trump? Para o historiador, a reeleição não está garantida só com a base leal ao presidente. “Ele precisa ainda outros dois setores fundamentais. Primeiro as pessoas com mais de 65 anos, que neste momento, em sua maioria, estão apoiando Biden. Então, Trump precisa reconquistar esse segmento. Segundo, ele também precisa reconquistar mulheres brancas de formação universitária que vivem nos subúrbios, onde mora a classe média alta. Este último segmento migrou, nas últimas eleições, de Trump para os democratas. Por isso os democratas fizeram a maioria no Congresso. Mas é um segmento vacilante, que pode voltar para Trump. Duas semanas atrás eu diria que Biden iria ganhar as eleições. Porque Trump não é pior do que Bolsonaro, nada é pior do que Bolsonaro, ele realmente ganha o prêmio. Mas Trump tem feito tantos erros nos Estados Unidos na questão da pandemia que as pessoas maiores de 65 anos estão desiludidas com ele, e passaram a apoiar Biden, considerado um cara são, moderado, tranquilo. Mas essa situação é muito fluida, não dá para saber o que acontecer”.

Segundo ele, uma derrota de Trump teria reflexo importante no Brasil: “Acho que na questão imediata, a melhor coisa para interferir na situação brasileira é a derrota de Trump nas eleições, porque Bolsonaro fica isolado. E a derrota de Trump é um exemplo”.

Ao TUTAMÉIA, Green lembra de outros momentos no século 20 em que eclodiram revoltas nos EUA e a situação dramática de hoje. “Não é a primeira vez, mas acho que foi a gota d`água. A maioria das pessoas que estão morrendo do vírus são pessoas maiores de 65 anos, pessoas afrodescendentes, pessoas latino-americanas e trabalhadores em frigoríficos, muitos latinos mas também pessoas da Ásia. Muitos negros têm sido mortos pelo vírus. Imagina a tensão em casa, quando não há dinheiro para comer, não há dinheiro para pagar aluguel, as pessoas não têm plano de saúde, de repente o avô morre, há problemas em tudo quando é lugar, de repente isso acontece, é a gota d`água”.

Ao final da entrevista, Green deixou o seu recado:

“Vou falar em nome das pessoas, não somente dos ativistas, dos brasilianistas, brasileiras e brasileiros que estão aqui, em solidariedade com o Brasil. Amamos vocês, queremos fazer todo o possível para ajudar neste momento difícil.

Mas é bom saber, mesmo sem muita informação sobre o Brasil, que o Bolsonaro tem feito um marketing tão ruim, que o Brasil está taxado, em dois anos, como um país dirigido por um louco, uma pessoa muito perigosa. A opinião pública internacional está contra Bolsonaro e a favor da democracia no Brasil. Não são pessoas que têm uma compreensão da complexidade da democracia Brasil, que são capazes de fazer alguma coisa, mas eles já sabem, porque a mídia internacional tem feito uma cobertura excelente, criticando a situação no Brasil. Existe, não somente nos Estados Unidos, mas no mundo afora, uma compreensão vaga, não consolidada, mas real, de que o Brasil está passando uma crise muito grande, o vírus está muito perigoso no Brasil. As pessoas têm uma empatia com o país e acreditam, espero, que os movimentos sociais vão forjar uma frente única contra esse governo para garantir eleições livre e, espero, um governo da esquerda”.