Próximo passo do MP deve ser identificar quem fez os depósitos na conta de Flávio Bolsonaro. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de janeiro de 2019 às 17:06
Jair, Flávio e o caixa eletrônico

Se antes investigar Flávio Bolsonaro era uma possibilidade, agora é uma obrigação dos agentes públicos, e a instituição competente para fazer esse tipo de investigação é o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, não o Supremo Tribunal Federal, como decidiu, liminarmente, o ministro Luiz Fux.

Primeiro caiu Fabrício Queiroz, agora Flávio Bolsonaro. A primeira-dama, Michele Bolsonaro, saiu arranhada, com um depósito suspeito de Queiroz na sua conta.

Pelo indícios revelados, existe uma cadeia sob a batuta de Jair Bolsonaro, que até ontem era um expoente do baixo clero da Câmara dos Deputados.

A investigação pode levar à descoberta de fatos que confirmarão o que alguns já sabiam ou suspeitavam e outros achavam absurdo: o combate de Bolsonaro à corrupção é só da boca para fora.

Se o objetivo agora é buscar a verdade, o primeiro do Ministério Público é identificar quem fez os depósitos em dinheiro na conta de Flávio. Ao contrário do que informou o Coaf, é possível.

Os depósitos foram feitos entre junho e julho de 2017, e uma lei estadual do Rio de Janeiro, a 7.209/16, determina que os bancos guardem por pelo menos dois anos os registros de suas câmeras de monitoramento.

Segundo o relatório do Coaf, divulgado pelo Jornal Nacional, depósitos de 2.000 reais — que totalizaram 96 mil reais — foram feitos na conta de Flávio, num período de cinco dias, no caixa eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A pedido do Ministério Público, a justiça pode determinar a entrega de cópias das gravações feitas nesses equipamentos. É simples, mas tem que agir rápido, já que, daqui a cinco ou seis meses, as gravações não estarão mais disponíveis.

Outro passo importante na investigação é quebrar o sigilo bancário do senador eleito, para descobrir outros depósitos e, principalmente, para verificar para onde foi o dinheiro.

O ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, quando era juiz e realizava palestras no Brasil e no exterior, deu, certa vez, uma orientação para investigações sobre corrupção e lavagem de dinheiro.

“O velho conselho norte-americano: siga o dinheiro e você descobre quem é o chefe, quem é o responsável pelo crime”, afirmou.

Também é de Moro a descrição sobre movimentos que caracterizam lavagem de dinheiro. O texto está em um livro publicado em 2010 pela Saraiva — Crime de Lavagem de Dinheiro. Sua descrição encaixa-se perfeitamente na movimentação de Flávio Bolsonaro informada ao Coaf.

Falando sobre um caso concreto, em que atuou como juiz, Moro contou:

“Foram apreendidos em operação policial dezesseis cheques emitidos na mesma data, pelo mesmo emitente, tendo sempre o mesmo beneficiário, e com valores que variavam de quatro mil e quinhentos a quatro mil e novecentos. Aparentemente, os cheques seriam utilizados para a realização de um saque em espécie do valor somado de todos. Todos os cheques tinham, portanto, valores inferiores a dez mil reais, e ainda a sua soma era inferior a cem mil reais. Condutas dessa espécie visam evitar que as operações sejam comunicadas ao COAF”.

É que depósitos ou saques realizados acima de determinada quantia precisam ser, necessariamente, comunicados. O cliente é obrigado até a assinar uma declaração para informar a que se destina aquele dinheiro.

Com o relatório do Coaf divulgado, entende-se por que Flávio Bolsonaro recorreu ao Supremo Tribunal Federal, durante o plantão de um ministro que mantém relações pessoais com o grupo de Bolsonaro — a filha de Luiz Fux é amiga do ministro Gustavo Bebianno, chefe da Secretaria de Governo, por sua vez amigo muito próximo de Paulo Marinho, primeiro suplente do senador Flávio Bolsonaro.

O senador eleito não pediu apenas a suspensão temporária da investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Ele quer também a anulação das provas — em outras palavras, o relatório do Coaf.

Flávio Bolsonaro está, nitidamente, tentando resolver politicamente uma questão que é criminal. Foi por isso que bateu nas portas do STF, depois de se recusar a depor do Ministério Público Estadual.

Disse que não teve acessos aos autos, mas teve, e sabe do peso das provas — daí querer anulá-las.

Não fosse assim, não teria procurado o refúgio do foro por prerrogativa de função, um privilégio que o pai dele afirmou rejeitar.

Com seu comportamento, o filho do capitão deixou seguidores perplexos, alguns indignados, outros em silêncio e os mais sinceros, revoltados.

Mas ele ganhou dois apoios. Um é do senador Renan Calheiros, que é candidato à presidência do Senado.

“Ele não pode ser investigado nem no Rio de Janeiro nem no Senado. A investigação no Senado só acontece em circunstâncias especialíssimas”, afirmou Renan.

O vice-presidente, general Hamílton Mourão, também saiu em seu socorro e deu um jeito de enfiar o PT na história.

“São várias pessoas investigadas nessa operação, na Furna da Onça. As quantias que estavam ligadas ao Flávio eram as menores. As maiores, se não me engano, eram ligadas a um deputado do Partido dos Trabalhadores. E ninguém está falando nisso. Eu acho que está havendo algum sensacionalismo e direcionamento nesse troço. Por causa do sobrenome. Não pela imprensa, que revela o que chega às mãos dela. O Ministério Público tem de ter mais foco nessa investigação”, disse ele.

Dezenove dias depois da posse de Bolsonaro, essa nova turma que chegou ao poder já tem fisionomia e cheiro de coisa velha.