Punk Rock e Política no Brasil pós-Lula

Atualizado em 6 de agosto de 2014 às 16:54

ratos-porao-30-anos_f_014

Li no sábado a entrevista do Ratos de Porão sobre o lançamento do seu novo disco “Século sinistro”. No domingo, vi os Titãs na TV e lembrei do último disco lançado pela banda, agora em 2014, o rude “Nheengatu”. Em comum entre as duas obras: o espírito punk para abordar temas políticos nas músicas.

Nheengatu é um retorno a um rock mais cru, com produção do Rafael Ramos, que é de uma geração posterior a do grupo, o que sugere disposição para se movimentar artisticamente. O disco do RDP é a comemoração dos 30 anos de carreira.

Os dois grupos têm história relevante na cena do rock pesado e do punk nacionais. O Ratos completa 3 décadas de underground fazendo punk-thrash-hardcore e resiste vivão. Os Titãs criaram alguns ótimos momentos do rock pesado brasileiro, com os álbuns “Cabeça dinossauro”, “Õ Blesq Bloom” e “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”, entre outros. Compuseram, inclusive, alguns importantes rock-punks políticos das últimas décadas, como “Estado violência”, “Igreja”, “Porrada” (“Porrada, porrada, pros caras que não fazem nada!”) e o hino-dinamite “Polícia”.

No entanto, as coisas mudaram e o Brasil de hoje é diferente daquele descrito nas músicas dos anos 80 ou 90. Os tempos são outros e o país vem passando por transformações sociais importantes. E o desafio agora é construir uma visão crítica rock-punk levando em conta os processos que alteraram a paisagem nacional na última década. Não dá mais pra dizer as mesmas coisas que se dizia no final da ditadura ou no retorno à democracia representativa.

Ignorar os novos contornos da realidade brasileira tem um risco: reproduzir a agenda liberal-conservadora de esvaziamento da luta política. E, assim, apenas reafirmar os midiáticos clichês abstratos anticorrupção, com seus “ladrões de gravata e políticos safados”, denunciando Estados opressores em plena pós-modernidade liberalizante- individualista-hedonista. Uma postura visceralmente punk nos tempos atuais precisa enfrentar temas realmente hardcore, como a brutalidade da desigualdade de acessos ainda existente no país, a irresponsabilidade do mercado financeiro ou ainda, a disposição para a conquista de espaços de poder que diversos grupos e movimentos do país demonstraram recentemente.

Ainda atuantes neste novo momento, as duas bandas estão vivas e lutam para se manter distantes da caricatura regressiva do rebelde rockeiro de ontem transformado em coroa careta. Mas sempre vale uma conferida em “Diversão”, “Comida”, “Lugar nenhum”, “Saia de mim”, “Cabeça dinossauro”, dos Titãs (e mais “Dead Fish”, “Dead Kennedys”, “RDP”, “Bad Religion”, entre outros) para reacender o espírito punk-porradaria e combater certezas cristalizadas ao longo do tempo.

Sobre o autor: Gabriel Gutierrez é cientista político e músico.