“Puta” é o xingamento padrão dos fascistas. Por Nathalí Macedo

Letícia X Abagge
Lembro ainda da primeira vez em que fui chamada de puta. Eu tinha uma idade em que, acreditem, eu (ainda) não poderia ser uma puta.
Um garoto que sentava na última fila da classe disse que queria me beijar na boca. Eu, que andava ainda lendo Monteiro Lobato e me perguntando se as minhas bonecas se mexiam quando eu fechava os olhos, achei absurdo e disse – atrevida, sempre fui – “claro que não, você é horrível.”
O ego masculino dele – ainda em formação, mas já imenso – não aceitou a rejeição. Esperou que quase toda a classe estivesse reunida na saída e gritou: “PUTA”.
Todos me olharam com uma expressão que misturava espanto e hostilidade. Eu pensava, inconformada, como ele poderia ter o poder de fazer com que todos acreditassem que eu, aos dez anos, era uma puta? Por que essa palavra era tão poderosa? Por que a palavra de um garoto era tão poderosa? “Ser chamada de puta é a pior coisa do mundo, minha mãe que disse” – me disse uma amiga, com uma piedade também hostil.
Eu dei de ombros.
Ontem Sabatella também deu de ombros.  Foi filmada sorrindo na delegacia e lamentou que os coxinhas odiassem alguém a quem não conseguem olhar nos olhos.  Não há outra coisa que se possa fazer diante de xingamentos cheios de ódio e vazios de sentido a não ser dar de ombros.
“Puta” é o xingamento padrão dos fascistas/misóginos – petista também é um bom xingamento para eles, mas fica em segundo plano se o alvo for uma mulher, porque, segundo os fascistas e segundo a mãe da minha amiga do ensino fundamental, ser chamada de puta é a pior coisa do mundo (ou então porque é uma palavra curtinha e sonora, um jeito fácil de se auto-afirmar quando não se tem argumentos).
No caso específico de Sabatella, Abagge a chamou de puta porque ele é misógino, é claro, mas principalmente porque não havia como ofendê-la.
Dizer que ela não tem talento? Seria ridículo. Acusá-la de quê? De lutar pela democracia? Bem, isso ainda não é crime. Chamá-la de “petista” como um xingamento? Seria também muito fácil, é claro, mas não teria o peso de um “puta”.
Então, recorrem aos xingamentos padrão, que, no fim das contas, não querem dizer absolutamente nada.
Abagge é mais um ridículo discípulo de Frota – que se vale sempre de xingamentos rasteiros com um sotaque playboy ligeiramente insuportável. Nas ruas, a direita não discute – porque já não pode. Faltam argumentos porque todo o espaço é preenchido pelo ódio.
Aprendi, no ensino fundamental, que quando um homem não sabe como lidar com qualquer desconforto que lhe é causado por uma mulher, ele a chama de puta. Em 2016 – quem diria? – isso não é mais ofensivo. Ofensivo é ser chamado de fascista, adjetivo que jamais se poderá atribuir a Sabatella: uma mulher linda, inteligente, talentosa e politicamente engajada.
Os fascistas, que, ao que parecem, já atravessaram a ponte para o passado de Temer, ainda não entenderam isso: ainda são o garoto do ensino fundamental, parado na saída, esperando que todos ouçam para gritar, inutilmente: PUTA!
Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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