Qual o mistério de Renato Russo?

Atualizado em 21 de maio de 2013 às 22:34

17 anos depois de sua morte, ele continua vendendo discos, enchendo cinemas e falando com milhões de adolescentes.

Ele não morreu
Ele não morreu

O filme Somos Tão Jovens, sobre os anos de formação de Renato Russo em Brasília, já levou mais de 1 milhão de pessoas ao cinema. Um sucesso merecido. Não é um panegírico. O cantor que aparece na tela é um tipo solitário, melancólico, talentoso e chato. Grava conversas dos amigos sem avisá-los, dá pitis, bebe demais e se acha um iluminado.

É um filme para fãs, mas que funciona para não convertidos. Não é um bolo fofo como o que fizeram com Cazuza. A história se concentra no período entre 1976 e 1982, quando ele criou o grupo punk Aborto Elétrico. Apesar de um ou outro diálogo absolutamente inverossímil para encaixar uma letra ou um título de música na trama, é talvez a melhor cinebiografia de rock do Brasil.

A Legião é um fenômeno. É a terceira banda da gravadora EMI que mais vende álbuns de catálogo – no mundo. São mais de 20 milhões de discos, e contando. As pessoas continuam ouvindo Legião Urbana e enchendo os cinemarks para ver o ídolo, interpretado brilhantemente por Thiago Mendonça, que tem a mesma voz, os mesmos trejeitos e a mesma cara de RR.

O que explica o apelo perene de Renato Russo, 17 anos depois de sua morte?

Suas letras eram carregadas da chamada teenage angst e de uma sinceridade atroz. Que adolescente não se identifica com um verso como “feche a porta do seu quarto, vê se toca o telefone, pode ser alguém com quem você quer falar por horas e horas e horas”? Conversava abertamente sobre sua homossexualidade, seu alcoolismo, o uso de drogas.

As apresentações tinham um caráter de culto religioso. RR era um líder carismático. Movia-se no palco com espasmos, fazia discursos messiânicos (o título original de Somos Tão Jovens era Religião Urbana, vetado pela família). Em Brasília, em 1988, no estádio Mané Garrincha, a histeria fugiu ao controle e terminou em pancadaria. Um fã agarrou Russo. Eles não voltaram mais à capital.

Thiago Mendonça no filme
Thiago Mendonça no filme

(Eu vi a Legião duas vezes. A primeira foi num show em que eles tocavam covers. Depois de se atrapalharem com Come Together, dos Beatles, e com mais algumas canções, Renato avisou que eles desistiriam e partiriam para o repertório próprio. A plateia veio abaixo – não de alegria pelo fim das versões meia boca, mas porque queria mesmo Eduardo e Mônica, Eu Sei, Será, Angra dos Reis, Que País É Este? e mais alguns dos 300 hits.

Na segunda vez, levei meu sobrinho a um show no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. Lotado, a mesma sensação de fervor. Ele me diz que se lembra de tudo, especialmente das flores entregues ao público no final, enquanto subia a fumaça de gelo seco. Mas o impacto mais genuíno com a força do grupo foi num festival de rock em 1991. Fui para ver o Prince. Enquanto me encaminhava para mais perto do palco, os alto falantes começaram a tocar Pais & Filhos. A pista inteira do Maracanã cantou a letra enorme, baixinho, do início ao fim. Tudo, numa espécie de transe. Não estou falando do refrão. Tudo, repito.)

Ao morrer precocemente em 1996, aos 36 anos, por causa da Aids, Renato foi alçado ao status de mártir, santo e gênio por seus adoradores. Virou o que há de mais próximo de um Jim Morrison brasileiro – um de seus grandes ídolos, aliás. Suas odes e protestos juvenis são ouvidos com amor e devoção por novas gerações. Suas frases estão na internet, juntamente com as de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Seus herdeiros e ex-parceiros de grupo ainda ganharão dinheiro por muito tempo. Se o mito sobreviveu a um tributo com um patético Wagner Moura, sobrevive a qualquer coisa.

E a máquina segue girando: neste mês deve estrear o filme Faroeste Caboclo, adaptado da interminável canção homônima (Caetano Velos chamava suas letras de “anacondas”). Renato Russo conseguiu se transformar num clichê, no bom sentido, do rock’n’roll.

Era, provavelmente, o que ele queria.