Quando o real é fake. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 23 de fevereiro de 2019 às 16:58
Imagem de ônibus em chamas foi amplamente divulgada pela mídia (Foto: Reprodução)

QUANDO O REAL É FAKE

A foto abaixo está na capa do UOL e de vários sites internacionais. A legenda é “Manifestantes incendeiam ônibus na cidade de Ureña, na Venezuela”. A impressão imediata suscitada pela imagem é de caos e violência. Sobre isso, vale uma pequena história.

Em agosto de 2004, fui à Venezuela, como observador internacional do referendo revogatório que a oposição conseguira – mediante coleta de assinaturas – convocar para decidir a continuidade ou não do mandato do ex-presidente Hugo Chávez. Um mecanismo constitucional absolutamente democrático. Estive em Caracas e Barquisimeto, no estado de Lara, acompanhando as votações e as apurações.

No início da tarde, dois dias antes da consulta popular, passo pela carcaça de um ônibus ainda fumegante, no centro da capital. Pegara fogo horas antes. Perguntei a algumas pessoas em volta o que acontecera. A resposta: logo cedo, passaram dois rapazes de moto, um deles atirara um coquetel molotov em direção ao coletivo vazio e estacionado. O fogo o consumira em poucos minutos e logo chegaram os bombeiros. As chamas foram rapidamente apagadas e ninguém se ferira.

Um ato violento, mas sem maiores consequências. Continuei a marcha até o hotel, de onde mandaria uma reportagem recém-apurada para o site Carta Maior. Não havia smartphones e nem wi-fi. Fui para o quarto redigir a matéria. Quando ligo o laptop, surpresa!

A imagem do ônibus pelo qual eu acabara de passar estava nas capas da maioria dos portais informativos internacionais. Foco fechado, labaredas altas e a sensação de que o inferno chegara. As legendas eram mais ou menos no tom “Caracas tem dia de confrontos às vésperas do referendo”. Não me parece despropositado afirmar que o veículo fora queimado para se produzir a foto.

A expressão “fake news” não era utilizada à larga, como hoje. Mas estava ali escancarada a lorota: criava-se internacionalmente uma ilusão de ótica para mostrar um país conflagrado e descontrolado. Um clima que caia como luva ao noticiário enviesado que pintava Chávez como o demônio na terra.

Tudo indica que a mesma métrica é utilizada na imagem de hoje…