Quando os evangélicos vão se pronunciar a respeito de Eduardo Cunha? Por Kiko Nogueira

Atualizado em 20 de julho de 2015 às 16:59
Eles
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A bíblia de alguns evangélicos não é apenas literalista, mas cheia de indignação seletiva. Nenhuma liderança se manifestou sobre as denúncias envolvendo Eduardo Cunha. Aliás, as de sempre apareceram — como se esperava, a favor de Cunha.

O velho e bom Marco Feliciano, num texto nas redes sociais repleto de exclamações, deu seu apoio ao deputado: “Ele tem o meu respeito! Fala como um estadista. É preparado e amedronta os farsantes do PT! Força Cunha!”, escreveu.

Feliciano, cuja carreira se fez com julgamentos e condenações de quem nunca pôde se defender, invocou a “presunção da inocência (ou princípio da não-culpabilidade, segundo parte da doutrina jurídica)”.

Não esqueceu de bajular o chefe. “Minha força é pequena mas coloco-a a sua disposição meu presidente (sic)”.

Seus seguidores repetem o blablabla. “O Cunha defende os princípios bíblicos, isto incomoda ladrões, gays, corruptos, ditadores que perseguem cristãos”, escreveu um deles.

MF pediu um afastamento: o do deputado Silvio Costa (PSC-PE), que argumentou que Cunha não tinha condições morais de continuar na presidência da Câmara. Costa estaria agindo de maneira “espetaculosa” e incorrendo em infidelidade partidária.

Silas Malafaia, um pouco mais contido — por enquanto —, declarou que acha estranho que membros do PT mencionados na Lava Jato não fossem igualmente denunciados pelo procurador Janot.

Marisa Lobo, que se apresenta sob a alcunha de “psicóloga cristã”, especialista na “cura gay” e consultora da bancada nesse tema, fez um alerta: “Acorda povo!! A quem interessa a saída de Cunha?”, perguntou. “Se vocês #Esquerdistas e #Ptistas odeiam cunha, então ele é muito bom para o Brasil (sic)”.

Eduardo Cunha tem um salvo conduto desses religiosos para fazer o que bem quiser, desde que contra o que consideram seus inimigos. Sua ficha corrida é extensa e remonta ao tempo em que era o braço direito de PC Farias, mas isso não virá ao caso para eles.

São 22 processos no STF, entre eles três inquéritos que apuram possíveis crimes da época em que foi presidente da  Companhia de Habitação do Estado do Rio de Janeiro (CEHB-RJ), entre 1999 e 2000.

Nada disso importa para os evangélicos. Para além do corporativismo e do protagonismo desempenhado por um fiel da Assembleia de Deus de Madureira, Cunha é também um crente que, segundo Feliciano, “chegou lá”. Ele tem um “passado de lutas e décadas de serviços prestados à Nação, sem nunca ter seu nome manchado nem envolvido em qualquer ato que o desabonasse”.

Noves fora a burrice, isso é também resultado de décadas em que essas igrejas vêm pregando que a prosperidade material não é pecado, com pastores enriquecendo rapidamente (enquanto seus fieis continuam pobres).

É o lado mais obscuro do neopentecostalismo. Condena-se veementemente o “gayzismo”, o “abortismo”, o “bolivarianismo” etc, mas não a ganância desmedida.

Manuel Arturo Vasquez, professor de religião da Universidade da Flórida, especialista em seitas pentecostais no Brasil, diz que, quando fica explícita a ligação entre o mundo material e o espiritual, surge enorme espaço para o abuso. “As pessoas usam alguns dos recursos provenientes das congregações para seu próprio lucro”, afirma.

O dinheiro que Cunha ganhou serve a um propósito maior, não importa a maneira como ele o obteve. Nesse momento, somem todos os versículos que costumam ser tirados do bolso para condenar os “esquerdopatas”.

Ninguém nunca verá felicianos e malafaias recitando o sétimo mandamento ou um trecho de Efésios (“O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade”).

Em 2012, Malafaia tratou da questão de corrupção nas igrejas num culto. O vídeo virou hit no YouTube: “Quem é que toca no ungido do Senhor e fica impune? Ungido do Senhor é problema do Senhor, não teu. Teu pastor é ladrão? É pilantra? Você não está gostando? Sai de lá e vai pra outra igreja. Não se mete nisso não, porque não é da tua conta”, berra. “Rapaz, aprenda isso: eu já vi gente morrer por causa disso, meu irmão”.

Cunha é ungido do Senhor. Não se mete nisso. Não está gostando? Muda de país.