Quanto merecem ganhar os superexecutivos?

Atualizado em 27 de junho de 2013 às 5:55
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Quanto merecem ganhar os presidentes de empresas? Esta é uma pergunta cada vez mais feita, sob apaixonada controvérsia, em países como Estados Unidos e Inglaterra. Nos últimos trinta anos, a remuneração executiva entre os americanos e os ingleses – e em menor grau em outras partes — subiu à estratosfera. Em 1980, um presidente de empresa nos Estados Unidos ganhava 42 vezes mais que a média dos funcionários comuns. Em 2010, a diferença passara de 42 para 343. Na Inglaterra, aconteceu um processo parecido – e uma comissão independente de estudar o assunto chamou de “corrosivo” o atual estado das coisas. Segundo a comissão, os ingleses estão por causa disso enfrentando uma situação de desigualdade social não vista desde os tempos vitorianos – na segunda metade do século 19, sob a Rainha Vitória e em plena infância da Revolução Industrial.

A novidade não está nos salários e bônus milionários dos altos executivos – e sim nas circunstâncias que os cercam. Enquanto a economia global ia bem, as recompensas nababescas pareciam fazer parte do cenário do mundo novo. Mas eis que no final da década de 2000 uma crise financeira coloca em recessão boa parte dos países desenvolvidos. Os líderes instam as pessoas a fazer sacrifícios – mas como convencê-las quando uma casta privilegiada continua intocada?

Os supersalários, se inspiravam antes admiração e inveja, passaram a transmitir uma mistura incendiária de raiva e indignação. Foi como se a chamada voz rouca das ruas acordasse para o seguinte ponto: se os executivos são tão bons assim a ponto de receber milhões de dólares por ano, como as empresas que eles comandam não tiveram força suficiente para impedir ou ao menos mitigar a crise econômica?

Em alguns casos, o que se viu foi exatamente o oposto. Um dos mais bem pagos executivos britânicos, o banqueiro Fred Goodwin, por exemplo, com um conjunto de ações desastradas, levou o banco RBS a quebrar sob um buraco de mais de 20 bilhões de libras. O governo britânico salvou o RBS com dinheiro do contribuinte para evitar um trauma ainda maior na economia – enquanto Goodwin saía de cena com uma pensão vitalícia de 700 mil libras por ano.

Foi dentro desse quadro que surgiram os movimentos de protesto que marcaram tão intensamente 2011. O primeiro deles, o “Ocupe Wall Street”, consagraria uma expressão que conquistaria rapidamente repercussão internacional: “Somos os 99%”. Dias atrás, o primeiro ministro britânico, David Cameron, admitiu que o “sangue ferve” quando as pessoas, num cenário de austeridade forçada, vêem o tamanho dos salários dos executivos. O governo de Cameron estuda como coibir o avanço da desigualdade. Uma das medidas cogitadas é estipular um limite na diferença entre a remuneração dos executivos e o ganho médio dos funcionários comuns.

Curiosamente, a mesma desproporção tomou conta do futebol inglês – e isso começa a gerar um debate em torno dos salários dos jogadores. Em 1992, quando foi criada a Premier League, a divisão de elite inglesa, os jogadores mais bem pagos ganhavam cerca de 15 vezes mais que a média dos torcedores. Hoje, este número vai chegando a 200. As estrelas da Premier League, como Wayne Rooney, atacante do Manchester United, ganham por volta de 200 000 libras por semana. (Uma das consequências disso é o estado lastimável das finanças de quase todos os times ingleses.)

Os especialistas concordam em que para resolver o problema é necessária uma mudança de mentalidade na admnistração das corporações. O foco obsessivo no curto prazo que se instalou nas últimas décadas se revelou um veneno. Acima de tudo, levou os executivos a buscar resultados imediatos à base de corte de gastos que geram bônus – mas que não raro sacrificam o futuro ao minar a qualidade.

Compare com o ambiente no Vale do Ruhr, a região que congrega boa parte da pujante indústria da Alemanha – um caso único, entre os países desenvolvidos, de prosperidade em meio ao caos econômico. Lá, as empresas costumam trabalhar em novos projetos com uma perspectiva de quatro ou cinco anos até obter retorno. Como desmontar a cultura do curto prazo é uma questão que mesmeriza hoje o mundo corporativo. Criá-la parece ter sido bem mais fácil do que é, agora, o desafio de destruí-la.

O debate em torno dos salários dos executivos nos Estados Unidos e em parte da Europa está acompanhado de um outro que contém a mesma essência: os ricos estão pagando o imposto que deveriam pagar? A discussão explodiu sensacionalmente quando o magnata americano Warren Buffett escreveu, num artigo publicado no New York Times, que bilionários como ele estavam sendo mimados demais pelo governo americano. “Nossos líderes pedem que compartilhemos o sacrifício”, afirmou ele. “Mas ao fazer o pedido eles me poupam.” Buffett mostrou que, comparativamente, sua secretária paga mais imposto que ele: 36% contra 17,4%. O gesto inusitado de Buffett inspirou outros parecidos. Na França, um grupo de ultrarricos – entre eles a herdeira do grupo L’Oreal, Lilianne Bettencourt –  se dispôs publicamente a contribuir com taxas maiores para os cofres públicos.

Um levantamento da UFE, uma organização americana dedicada à causa de uma “economia justa”, mostra o quanto as empresas americanas têm-se dedicado a influenciar as decisões em Washington. Em 1983, os gastos com lobby alcançavam 200 milhões de dólares. Hoje, eles estão em 3,87 bilhões de dólares. Há 30 anos, a lista com os nomes dos lobistas nos Estados Unidos tinha 531 páginas. Agora, são mais de 2 100. Em 1950, quase um terço da arrecadação do governo americano derivava das corporações. Em 2009, a contribuição já baixara para menos de 7%. Apenas na gestão de George W. Bush, benesses fiscais para as empresas representaram uma perda de receita de 1,8 trilhão de dólares. Quarenta por cento disso, segundo o estudo da UFE, acabaram nas contas bancárias de pessoas que ganham mais de 500 000 dólares por ano – o “1%” feliz das manifestações de protesto.

A redução da desigualdade interna nas corporações tende a se transformar num imperativo para sua sobrevivência. O caminho é longo e pedregoso. Um dos fundadores da administração moderna, Peter Drucker, dizia que a máxima diferença salarial que deveria existir numa empresa estava na casa de 25 para 1. Mais que isso, de acordo com Drucker, fica virtualmente impossível estimular uma atmosfera de time e de cooperação entre as pessoas – uma coisa que é essencial para o sucesso das empresas. Que diria Drucker da Viacom? Em 2010, o presidente da companhia, Philippe Dauman, ganhou 84,5 milhões de dólares – 1 990 vezes mais que um funcionário médio.

Pode funcionar a economia de um país cujas empresas têm tal grau de inequidade? Os números sugerem que não. A crise econômica americana parece se ampliar em vez de diminuir. Não à toa, já foram revistos os prognósticos em torno da data em que a China removerá os Estados Unidos do posto de maior potência econômica do mundo. Agora, a aposta é que isso ocorrerá em 2018. Aos que objetam que a repartição do bolo entre bilhões de chineses torna tudo isso ilusório cabe lembrar que a média salarial americana pode levar a erros de conclusão – como se vê tão claramente no caso da Viacom.