Quatro anos após golpe contra Dilma, plano que retirou milhões da pobreza é reduzido a um aplicativo

Atualizado em 1 de setembro de 2020 às 14:16

Publicado na Rede Brasil Atual

Dilma durante evento de anúncio de ampliação do Bolsa Família em 2013 (Foto: Roberto Stuckert Filho / Presidência)

Quando a chamada “pedalada fiscal” já não bastava para justificar o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, seus opositores começaram a recorrer ao argumento de que o afastamento teria sido necessário pelo “conjunto da obra”. A tese foi central para, em 31 de agosto de 2016, o Senado decidir tirar Dilma definitivamente do poder, por 61 votos favoráveis ao golpe parlamentar, contra 20.

Quatro anos depois, a economista e ex-ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, não tem dúvida de que o “conjunto da obra” que despertou a ira dos conservadores e neoliberais, na verdade, foi o programa Brasil Sem Miséria. Um conjunto de ações “que colocava o pobre no orçamento”, como a própria ex-ministra mesma define.

Em debate on-line promovido pelo Comitê Volta Dilma, do Rio Janeiro, nesta segunda (31), Tereza lembrou o trabalho pela construção de um país “em que as pessoas comiam e atingiam a dignidade”. País, porém, que foi derrotado por interesses “conservadores, misóginos, racistas, homofóbicos. E com a ideia de vender a Amazônia e destruir as empresas e bancos públicos”, advertidos no pronunciamento dado por Dilma logo após aquela votação no Senado que decidiu pelo impeachment.

Em suas palavras, o país que “mostrava ao mundo que era possível enfrentar a pobreza e a extrema pobreza”, hoje, apenas “retrocede” a cada dia. “Haviam 34,5 milhões de brasileiros em situação de pobreza no início do governo do Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Chegou a quase 42 milhões em 2003 (primeiro ano do governo Lula). Fernando Henrique fez uma gestão também neoliberal, marcada por privatizações que diziam que o Brasil ia melhorar, mas só piorou”, observou a ex-ministra que esteve à frente da condução do Brasil Sem Miséria.

Projeto de nação

“Esse número (de pobres) cai durante todo o governo Lula e Dilma. E chega a 14,1 milhões em 2014, portanto, antes do golpe. Eu considero 2015 o ‘ano do golpe’, com a presidenta sendo boicotada o tempo todo. Nada do que ela tentou fazer foi autorizado. Não autorizaram o Orçamento, nenhuma mudança legal, nem a reforma tributária. Mas a gente sai de 42 milhões para 14,1 milhões de pessoas em condição de pobreza. Continua tendo pobreza no Brasil, mas é a primeira vez na história que essa redução acontece. Depois do golpe, esse número vai para 20,7 milhões em 2019. Voltamos à situação de 2008”, comparou.

Apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e reconhecido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o “Brasil Sem Miséria” era o foco principal da gestão de Dilma.

Tereza ainda se lembra da primeira reunião ministerial, no dia 6 de janeiro de 2011, logo após a posse, quando a presidenta anunciou ao conjunto de ministros que aquele programa seria o projeto de todo o seu futuro governo. “O Brasil Sem Miséria era um projeto muito ousado. Eram ao todo 120 ações, de 18 ministérios diferentes, articuladas num grande plano. A ideia não era só tirar as pessoas da pobreza. Nosso objetivo era aumentar as capacidades, gerar oportunidades, elevar a renda e as condições de bem estar. Olhávamos para três áreas: a renda – com inclusividade produtiva urbana e rural –; como garantir que as pessoas tivessem acesso às oportunidades; e, em terceiro, o acesso aos serviços públicos”.

O desmonte por Bolsonaro

É nesse contexto que, naqueles primeiros dias de novo mandato de Dilma, foi estabelecido um conjunto de programas, como a continuidade do Bolsa Família, os programas Cisternas e Brasil Alfabetizado, e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “Essas ações se somaram para que a gente pudesse realmente superar a situação de pobreza do ponto de vista multidimensional”, expliou a economista.

Um projeto “muito diferente” do que agora aposta o governo Bolsonaro, ao anunciar o Renda Brasil, ainda em gestação. O plano que deve substituir o Bolsa Família e agrupar os programas sociais do PT em torno de um único nome, desconsidera as estratégias e políticas por trás da concessão dos benefícios.

“Eu lembro da Ana Fonseca, que coordenou a construção do Bolsa Família no Brasil, falando que quem é pobre de renda, é pobre também de água, de educação. Você tem outras desproteções e a gente tem que olhar esse conjunto de desproteções. E isso está sendo desconsiderado por esse governo golpista e fascista do presidente Bolsonaro”, criticou Tereza.

“Estamos falando de dois projetos completamente diferentes. Do que você tinha antes (com Dilma) e para o que tem agora (com Bolsonaro). Mesmo as pessoas falando que tem o auxílio emergencial que, diga-se de passagem, o governo Bolsonaro era contra. Foi o Congresso que aprovou e ele começou a dar. Depois, percebeu que aumentou sua popularidade e agora fica parecendo que ele é o defensor incondicional dos pobres. Nós nunca defendemos que fosse só renda ou um aplicativo. No Brasil Sem Miséria não bastava só o dinheiro. A gente queria tirar o pobre da miséria do ponto de vista integral, olhando ele como um cidadão de direitos, de direitos à saúde, a água, à educação”, ressaltou.

Reparação histórica

Para Tereza Campello, completados exatos quatro anos do golpe do impeachment contra Dilma, o país do presidente que repete o lema “Pátria Amada Brasil” está longe de superar os diferentes e graves problemas sociais da nação. “Agora nós temos o oposto, uma ampliação multidimensional da tragédia, é tragédia para tudo o que é lado”, lamenta a ex-ministra.

Nesse país distante daquele que seria o “Brasil do Futuro”, a expectativa da economista é que se faça ao menos as pazes com seu passado. “A História precisa reconhecer a grandeza do governo Dilma e a injustiça que foi cometida contra a nossa primeira mulher presidenta. Não podemos deixar essa história ser contada por uma mentira”, finalizou.

#DiaDilma 

Nesta segunda, 31 de agosto, o Comitê Volta Dilma realiza uma programação com 13 horas de lives para refletir sobre o país pós-golpe de 2016 e a luta pela reparação histórica e anulação do processo de impeachment de Dilma. Às 16h, a ex-presidenta participa ao vivo do evento, que conta também com outros ex-ministros, parlamentares, militantes e representantes jurídicos.