Quatro anos depois, PF reconhece que palestras de Lula ocorreram e foram legais. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de dezembro de 2019 às 20:41

O relatório de 130 páginas assinado pelo delegado da PF Dante Pegoraro Lemos desmonta uma das maiores mentiras contadas pela Lava Jato desde 2014: a de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizava (ou simulava) palestras como meio para dissimular propinas em troca de contratos da Petrobras.

Em 4 de março de 2016, dia em que o ex-presidente foi levado à força para prestar depoimento, o site da revista Veja escreveu:

“O Ministério Público Federal suspeita que as palestras do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no exterior, pelas quais costumava receber cerca de 200.000 dólares de empreiteiras do petrolão, tenham sido uma maneira de ‘dissimular o recebimento de vantagens indevidas’ no esquema de corrupção da Petrobras e compra de apoio político ao governo dele.”

No relatório concluído na última segunda-feira, 23 de dezembro, o delegado afirma, ao tratar da atuação da empresa Telos para realização de palestras em países da América Latina:

“Ainda que se considerasse ter ocorrido uma espécie de interposição ou intermediação para a organização de viagens e contratação de palestras, insta considerar que, ao que foi exposto até o momento, teriam efetivamente ocorrido, como contraprestação de serviços. Nesse sentido não seriam mera ‘fachada’ para o recebimento de recursos por parte de empreiteiras envolvidas no cartel da Petrobrás.”

Esse trecho do relatório está na página 40, mas há vários outros parágrafos de conteúdo semelhante ao tratar da contratação de palestras pela cervejaria Petrópolis e pelas empreiteiras Odebrecht, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, UTC, Queiroz Galvão e OAS.

Na página 46, por exemplo, depois de examinar as palestras contratadas pela Odebrecht, citando o executivo da empresa Alexandrino Alencar, o delegado afirma:

“Quanto a esse tema, portanto, temos que as explicações de ALEXANDRINO se mostram suficientes para o esclarecimento dos fatos. Ademais, com o dito, a se considerar a missão específica das palestras proferidas pelo ex-Presidente da República, não vislumbramos, isoladamente, a configuração de crime.”

Na página 48, o delegado explica que a suspeita de utilização de palestras para encobrir propinas foi publicada na imprensa — com base, óbvio, em informações de fontes da Lava Jato protegidas pelo sigilo:

“Surgiram notícias na imprensa acerca da utilização da empresa CERVEJARIA PETRÓPOLIS, responsável por 5,51% das origens dos valores creditados na empresa LILS PALESTRAS. Foi requisitada perícia para a identificação, entre os investigados cujas quebras de sigilo bancário encontram-se no caso nº 002-PF-002106-29, de todas as movimentações bancárias mantidas com a CERVEJARIA PETRÓPOLIS S/A e com a empresa Y E R PROPAGANDA LTDA. Como resultado, foi elaborado o Laudo nº 1718/2016-SETEC/SR/PF/PR.”

O resultado da perícia está publicado três páginas adiante:

“Enfim, com o dito, considerando a finalidade específica das palestras proferidas pelo ex-Presidente da República, não vislumbramos, isoladamente, a configuração de crime. O mesmo raciocínio se aplica à destinação de recursos por parte da LILS PALESTRAS, entidade particular.”

Na página 65, tratando da Camargo Corrêa, o delegado escreveu:

“Entretanto, não houve, por ora, elementos suficientes para caracterizar a origem ilícita dos recursos utilizados especificamente para as doações ao Instituto Lula, ou seja, se decorrentes de contrapartidas a benefícios conferidos à CAMARGO CORREA no cartel da Petrobrás, em que pese as suspeitas nesse sentido se considerarmos o amplo contexto das investigações da operação Lava Jato. O mesmo se diga quanto à contratação de palestras, as quais consideramos efetivamente ocorridas.”

As citações sobre a legitimidade das palestras de Lula podem ser resumidas no último parágrafo do relatório:

“A essas alturas das investigações, portanto, considerando a natureza dos serviços prestados a título de palestras, os quais se presumem ocorridos, representando assim a própria contraprestação aos pagamentos, não verificamos a prática de crime, ressalvadas apurações específicas que venham eventualmente a demonstrar a ocorrência. Também não consideramos, em princípio, haver elementos suficientes para caracterizar a origem ilícita dos recursos utilizados especificamente para as doações ao Instituto Lula feitas pela CAMARGO CORREA, OAS e ANDRADE GUTIERREZ, ou seja, se decorrentes de contrapartidas a benefícios conferidos a elas no cartel da Petrobrás, em que pese as suspeitas nesse sentido se levarmos em conta o amplo contexto das investigações da operação Lava Jato. Fica ressalvado, por óbvio, que apurações específicas, eventualmente existentes ou futuras (fatos novos), possam a vir demonstrar a configuração de crime. O mesmo concluímos quanto a outros grupos investigados no âmbito da conexão com a operação Lava Jato perante a 13ª Vara Federal em Curitiba/PR, quais sejam a UTC ENGENHARIA S/A (somente uma palestra), Consórcio QUIP S/A (somente uma palestra) e BTG PACTUAL (três palestras e uma doação de R$ 1 milhão ao Instituto Lula). Diante do exposto, entendo por bem encerrar as investigações no âmbito deste inquérito policial.”

É tarde.

Em março 2016, para justificar a condução coercitiva de Lula, o Ministério Público Federal usou o argumento de palestras como fachada de propina:

“Considerando os dados colhidos no âmbito da Operação Lava Jato, há elementos de prova de que Lula tinha ciência do esquema criminoso engendrado em desfavor da Petrobras e também de que recebeu, direta e indiretamente, vantagens indevidas decorrentes dessa estrutura delituosa” (…) Existem indícios consistentes de que o ex-presidente Lula, por meio de pessoas de seu círculo mais íntimo, o familiar, pode ter recebido vantagens indevidas de construtoras envolvidas nos ilícitos perpetrados em desfavor da Petrobras.”

Agora se sabe que eram suspeitas infundadas, mas que ajudaram a contaminar o ambiente político.

Entre a divulgação das primeiras suspeitas sobre as palestras de Lula e o relatório do delegado Dante Pegoraro Lemos, o ex-presidente foi impedido judicialmente de assumir a chefia da Casa Civil de Dilma Rousseff; a presidente caiu; Lula foi denunciado; Lula foi condenado; Lula foi preso; Lula foi impedido de disputar as eleições de 2018; Jair Bolsonaro se elegeu e tomou posse; e chamou o juiz Sergio Moro, que autorizou a condução coercitiva de Lula, para ser um dos seus ministros mais fortes.

É certo que “as palestras de fachada” não foram as únicas acusações contra Lula, mas elas dão a medida do vale tudo empreendido pela Lava Jato, em conluio com Sergio Moro e a mídia, para produzir o ambiente político favorável à ascensão de um político como Jair Bolsonaro.

Restou do trabalho do delegado Dante Pegoraro Lemos o indiciamento de Lula, do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamoto, do ex-ministro Antônio Palocci e do empresário Marcelo Odebrecht, por doações ao Instituto Lula.

São doações idênticas a entidades mantidas por outros ex-presidentes, como Fernando Henrique Cardoso. No caso do Instituto Lula, assim como ocorreu com o Instituto FHC, têm o objetivo de preservar o acervo presidencial da época.

Ao analisar a denúncia do Ministério Público Federal, passo seguinte à conclusão do inquérito, o juiz Luiz Antônio Bonat, sucessor de Sergio Moro, pode restabelecer a verdade também nesse ponto da investigação.

Difícil é que essa acusação se mantenha até o trâmite final do processo, pois o que sustenta o indiciamento são as delações premiadas de Antônio Palocci e Marcelo Odebrecht. E delações, como diz a lei, não podem ser usadas para condenar ninguém.

Até esse dia, no entanto, haverá barulho, como no caso das palestras.

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Alguns trechos do relatório com fotos das palestras:

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Abaixo, a íntegra do relatório: