Assédio, calotes, abusos, ameaças…: ex-integrantes do PCO denunciam as práticas do partido

Atualizado em 28 de dezembro de 2021 às 16:03
Veja os ex-integrantes do PCO
Mikke [Michel] Nienow de Barros e Kevin Drummond (acima), Natália Campos e Diego Rabelo (abaixo): ex-PCO abrem o jogo sobre o partido

O Diário do Centro do Mundo (DCM) publicou em 7 de dezembro uma reportagem que continua reprodução de diálogos de Skype entre os filhos de Rui Costa Pimenta, fundador e líder inconteste do PCO, e ex-integrantes da sigla.

São processos na Justiça e uma verdadeira rotina de calotes e golpes em funcionários. Filha de Rui, Natália Pimenta afirmava que tinha “pós em enrolar pagamentos”. Um militante implorava pelo salário enquanto a mãe estava internada em uma UTI.

Enquanto atrasavam os salários, Rui Costa Pimenta e família viajavam pela Europa fazendo, oficialmente, “palestras”. Pimenta alegou, num canal amigo, que estava “denunciando o golpe”. Carlos Henrique Caproni, um dos filhos, se orgulhava nas redes de passar 50 dias em lugares como Portugal, Itália e Alemanha.

Agora um grupo de jovens saídos do PCO resolveu contar suas histórias e mostrar seu rosto.

Não foi uma decisão fácil. Muitos que fizeram parte dos quadros do partido têm medo de falar publicamente por causa das represálias.

Nas redes sociais, coordenadores do PCO e militantes fazem ataques organizados contra aqueles que consideram “traidores”. 

Confira os principais depoimentos.

“Clima de policiamento constante” e “tortura psicológica”

Veja Mikke [Michel] Nienow de Barros
Mikke [Michel] Nienow de Barros, ex-PCO. Foto: Reprodução

Mikke [Michel] Nienow de Barros, de 30 anos, entrou no partido em setembro de 2017. “Gostava do discurso radical e o aparente trabalho de base que se diferenciava do PT, partido ao qual estava filiado antes de mudar para o PCO”, explica.

“Presenciei vários abusos. Um dos primeiros de que me recordo foi quando um miltante de Pernambuco, Rafael Brito, usou as redes sociais para denunciar o PCO”. 

O caso mostrou para Barros como funciona a lógica de redes do partido.

Diz ele: “Quando vi, decidi ir atrás pra entender o que estava acontecendo, e ele não me contou tudo. Explicou alguns abusos relacionados a finanças. Um ou dois dias depois, recebemos pelo grupo do PCO no Skype a orientação de ‘defender o partido’ no post do Facebook dele e, quando entrei nos comentários, os dirigentes e outros militantes já estavam lá numa verdadeira esculhambação, fazendo uma série de graves acusações e difamando o rapaz”. 

“Naquele momento eu não sabia que muitos ali eram dirigentes. Concluí que era um comportamento errático dos militantes, coisa que futuramente entendi que era exatamente o que a direção queria”, completa.

Barros também relata uma viagem paga que acabou com xingamentos e humilhações, incluindo acusações de uso de drogas.

“Foi o completo descaso com todos na chamada ‘universidade de férias’ em São Paulo [segundo o próprio partido, essa universidade é usada para formação ‘teórica marxista’ desde 1997] . Quando chegamos na capital, nos alojaram sem nenhum aviso em um motel porque haviam mudado a cidade do evento de Jundiaí para a capital”. 

“O que até então seria uma experiência sem custos adicionais começou a virar um pesadelo. O café da manhã não rendia pra todos e quem quisesse comer mais precisava pagar”, relata.

“O almoço também era por nossa conta, a única comida incluída era o jantar, que era servido depois da meia noite. Até lá, se você sentisse fome, tinha que pagar. Um dia, um grupo de adolescentes da periferia estava participando da atividade. Sem nenhum motivo claro, Dantas, que é genro do Rui [Costa Pimenta], proferiu uma série de xingamentos e humilhações contra dois dos rapazes, acusando os meninos de serem drogados”. 

“Havia um clima de policiamento constante sobre quem não estivesse ‘alinhado’ com a direção e sessões de tortura psicológica para forçar o militante a concordar com as exigências ou pular fora mediante pressão. Uma relação abusiva, daquele tipo que quem está próximo a você percebe melhor o buraco em que você se enfiou”, afirma.

A saída de Mikke Nienow de Barros do PCO não foi fácil: “Decidi esperar para sair oficialmente pois já conhecia as práticas de perseguição”.

Ele prossegue, relatando o ano de 2020: “A coisa realmente pegou quando o Flávio Amaral, de Florianópolis, decidiu questionar todas as incongruências do partido em um documento que eu também assinei. Após esse acontecimento, um militante do PCO chamado Matheus apareceu em sua casa fazendo ameaças”. 

Flávio Amaral foi candidato a vice-governador de Santa Catarina pelo PCO em 2018 e deixou a legenda após dois anos.

No mesmo dia, outros dois militantes, chamados Juliano e Dantas, saíram de São Paulo e foram para Florianópolis para ‘conversar’ com Flávio. Ele [Flávio Amaral] expôs a visita no Facebook assim que apareceram e denunciou o que ele considerou uma ameaça de morte. 

Horas mais tarde, no mesmo dia, sem avisar, os três militantes [Matheus, Juliano e Dantas] viajaram mais de 300km e apareceram na frente da minha casa querendo ‘conversar’. Intimidado, eu nem os atendi e pedi para minha mãe avisar que não iria atender”. 

Barros conclui: “Naquele momento eu vi que a coisa já tinha ido longe demais e decidi expor no Facebook para deixar o registro público caso tentassem algo naquele ou em outro dia”. 

Proibido de ver a filha, “pago pelo imperialismo” e perseguido com a mulher

Veja Kevin Drummond
Kevin Drummond, ex-PCO. Foto: Reprodução

 

“Primeiro comecei a assistir a análise política do Rui Costa Pimenta [no Youtube]. Passei uma temporada assistindo as análises até que comecei  assistir ao vivo no auditório deles. Comecei a comprar o jornal [Diário da Causa Operária] e a acompanhar a política do PCO”, diz Kevin Drummond, de 32 anos.

“Eles foram se aproximando de mim de forma muito amigável”.

O clima de amizade acabou quando o dinheiro entrou nessa relação.

“Começaram a me escalar para fazer atividades do partido. Comprei aquela camiseta do PCO e aquelas porcarias que eles colocam os militantes feito zumbis pra vender. Tinha que vender, sim, camiseta, jornal, livro, caneca, broche e outros itens. É proibido para o militante receber a camisa ou qualquer material sem pagar. Você pode fazer uma conta lá para se endividar à vontade, mas é cobrado”.

Drummond cita mais exemplos:

“Quando você participa das atividades no auditório deles, o militante se surpreende com o ingresso de 100 reais, almoço de 40 reais e aparece alguém que te convence a dar mais 20 para o couvert da banda mequetrefe do filho do Rui [Costa Pimenta]. Depois eu vi outro militante com dívidas de outro estado. Ele tenta vender a rifa de alguma porcaria para ir até São Paulo ver a família que lidera o PCO. A não ser que você seja o Emílio Surita da Jovem Pan, ninguém ganha nem um broche de graça dentro do Partido da Causa Operária”.

As brigas e as acusações sem pé na realidade separaram Drummond do partido. E ele diz que passou por treinamentos dentro da legenda, em que não é permitido discordar de Rui Costa Pimenta e sua família.

“Para ingressar oficialmente passei por uma série de reuniões e leituras de manuais para o controle dos militantes maquiados de manual revolucionário secreto. E eu tive muitos conflitos no PCO por discordar da direção. A argumentação contra mim caminhou para a ideia de que eu deveria deixar de pegar minha filha aos finais de semana para poder fazer as atividades que eu estava em falta”, relata.

“Fui muito pressionado para não pegar minha filha e também pra sair da minha casa pra morar na república do PCO. Era para gastar menos com aluguel e contribuir mais com a família Pimenta. Diziam que morar numa casa com duas salas, dois quartos, cozinha, banheiro e pegar minha filha eram valores pequeno burgueses. Esse conflito me fez fugir de lá e não atender mais telefone. Fui perseguido pelo WhatsApp, celular, recebendo ligação o dia inteiro, e bateram na minha porta para me ameaçar”.

E veio a acusação final contra Kevin Drummond: “Os militantes ficaram todos contra mim.  Fui acusado de estar sendo pago pelo ‘imperialismo americano’, entre outros absurdos megalomaníacos que o Rui [Costa Pimenta] enfia na nossa cabeça dia após dia”.

“Fizeram perfil fake pra tentar desestabilizar meu casamento e me atacaram na minha página profissional, em que atuo como professor de piano”, diz.

Drummond diz que é testemunha em ação trabalhista de ex-funcionários que estavam sem receber, vítimas de calote, e comunicou sua saída pelo Facebook.

Os militantes do partido ameaçaram “trazer o PCO inteiro” na casa dele. 

Veja Natália Campos
Natália Campos, ex-PCO. Foto: Reprodução

 

A mulher de Kevin Drummond, Natália Campos, também teve uma experiência traumática com o PCO. E conta mais detalhes.

“Entrei no PCO porque buscava uma alternativa mais radical quanto ao posicionamento da esquerda que, no meu entender, dava muita margem para a direita se espalhar”, explica ela.

“Percebi que a arrecadação mobilizada pelo partido era incongruente com sua real atuação. As contribuições eram revertidas para outros fins, que não necessariamente os fins de luta partidária”.

Natália diz que não sofreu tanto porque tinha controle de suas finanças trabalhando com vendas.

O problema foi o momento em que ela decidiu se desligar.

“A saída foi conturbada. Meu marido também estava nesse movimento de ruptura com o PCO. Por isso sofremos ataques pelas redes sociais com ‘fakes’ obviamente criados por pessoas do partido na intenção de desestabilizar a relação com ‘cantadinhas’ e insinuações descabidas”, declara. 

“Além de militantes identificados me acusarem de ser ‘caça-casamento’ em postagens. Pelo simples fato de ter conhecido meu marido na militância”.

Ela prossegue: “Como eu e meu marido saímos na mesma época, por muito tempo sofremos represálias em redes sociais. Foi atribuída a nós a criação de uma página no Facebook que denunciava em tom de piada as arbitrariedades do partido. Por conta dessa associação absurda, recebemos a visita de um integrante do partido em nossa portaria, exigindo a extinção de tal página”.

“O PCO colecionou desavenças no campo da esquerda”, conta. “E a ‘conversa’ daquele militante se tornou agressiva ao ponto de nos informarem, naquela ocasião, que, se não tirássemos a página do ar, ‘o PCO inteiro iria baixar em nossa casa para resolver’. Disseram exatamente isso”.

Ex-PCO que passou fome fala de “suposto ataque hacker”

Veja Diego Rabelo
Diego Rabelo, ex-PCO. Foto: Reprodução

 

Diego Rabelo tem 37 anos e entrou no PCO em 2003. Ele se envolveu no Jornal da Causa Operária [que se tornaria o Diário da Causa Operária, o DCO], o veículo do partido que os militantes dizem que são obrigados a vender para arrecadar dinheiro.

“A sede dos caras ficava em frente à minha escola, que foi o mesmo lugar onde iniciei a faculdade. Eu fui lá. Tinha um cara muito bacana chamado Antonio Eduardo ‘Duda’, que infelizmente faleceu este ano. Duda era professor substituto da UFBA e já havia sido candidato a prefeito pelo PCO em Salvador. Relativamente conhecido na cidade por isso”, diz.

Rabelo explica como entrou: “Conversávamos bastante e iniciei uma militância ali. Podíamos contar nos dedos, éramos uns três [militantes] orgânicos durante os quase dois anos. Mas os caras eram muito incompetentes, nunca conseguiram me filiar de fato”.

“Vendi minha bicicleta e os pertences de valor que eu tinha, comprei uma passagem e fui para São Paulo”, recorda. 

Veja Rui Costa Pimenta
Rui Costa Pimenta no Pânico da bolsonarista Jovem Pan

“Imagina, um moleque de 19 anos, baiano, no inverno paulista, sem grana, mas eu estava acreditando na revolução socialista. Hoje é engraçado lembrar. Na época veio a fome e o frio e todos os abusos físicos e psicológicos que você possa imaginar naquele evento”, relata.

“Eu iria ficar em São Paulo para fazer uma espécie de estágio na redação dos caras [do Jornal da Casa Operária]. Era um ambiente terrível, altamente policialesco, e parece que você é vigiado o tempo todo. Para ilustrar, lembro que uma vez eu estava pesquisando um site que tinha uma foto de Stalin. Um cara chamado Rafael Dantas [que é genro de Rui Costa Pimenta] me atacou porque eu estava vendo um site que tinha uma foto de Stalin. Cheguei à conclusão que esse pessoal é estimulado pela família Pimenta a pressionar psicologicamente qualquer pessoa para que ela não tenha contato com nada fora do partido”, afirma.

Ele saiu em meados de 2005, após uma discussão sobre futebol que acabou com Rui berrando xingamentos contra ele no meio da rua. Filiou-se ao PT e foi dirigente da UNE. 

Diego conta que ia “ao supermercado comprar biscoitinhos amanteigados para o Rui Costa Pimenta. Lavávamos pratos, tomava conta dos filhos do patrão, entre outras atividades”.

Segundo ele, o PCO fraudou um famoso “ataque hacker” em que sumiram matérias contra o PT, associando Lula ao mensalão. 

“Eles venderam isso para a imprensa”, afirma. 

Veja matéria do PCO
Exemplo de texto do PCO, crítico ao PT, que não está mais no ar. Foto: Reprodução

O caso ocorreu em junho de 2020. Cerca de 4 mil textos teriam sido supostamente apagados por “hackeamento”.

Não estão mais nos sites do PCO, mas há prints deles. Fiel ao estilo picareta conspiratório, Rui Costa Pimenta chama Lula de “chefe da quadrilha de mensalões” e o acusa de “não ter feito nada pelos trabalhadores”.

Lula estava por trás de um “complô” e uma “conspiração”, escreve Pimenta. Outro artigo, de 2010, cravava: “Lula, pior que FHC”.

Veja o Jornal da Causa Operária
Jornal da Causa Operária quando era crítico ao PT. Foto: Reprodução

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