Que tal atores e atrizes no lugar de reis e rainhas?

Atualizado em 1 de maio de 2013 às 14:47

Uma coisa é certa: isso tornaria as monarquias menos caras para os contribuintes.

 

No dia 30 de abril, a rainha Beatriz da Holanda abdicou em favor do seu filho

A rainha Beatriz, que abdicou em favor do filho casado com uma argentina
A rainha Beatriz, que abdicou em favor do filho casado com uma argentina

. Uma vez que a monarquia não tem poder político e custa muito dinheiro, o autor Arnon Grunberg propõe que a família real seja substituída por atores profissionais, que farão o mesmo trabalho pesando muito menos no dinheiro dos contribuintes. Este texto foi publicado originalmente no New York Times.

 

Em 30 de abril de 1980, a rainha Juliana da Holanda foi substituída pela filha Beatriz. Esse dia ficou marcado por violentos tumultos em Amesterdã.  Sob o lema “Geen woning, geen kroning” (Não há teto sobre as nossas cabeças, não há coroa sobre as vossas), sem-teto e anarquistas manifestaram-se contra a nova rainha e a escassez de casas no país.

Eu tinha nove anos e passei o dia vendo televisão com a minha mãe. As bombas de fumaça e a polícia de choque impressionaram-me muito mais do que a própria coroação.

O meu pai deixou-se impressionar muito pouco tanto pelos sem-teto como pela rainha e passou o dia mergulhado na sua coleção de selos.

Os meus pais, judeus alemães que fugiram para a Holanda na década de 1930, não eram exatamente aquilo a que se chama monarquistas.

Mas a minha mãe tinha uma certa queda para as famílias reais, sobretudo, para os escândalos que andam sempre lado a lado com as monarquias.

E no que diz respeito à rainha Juliana, a minha mãe teve a sua quota de escândalos. O marido de Juliana, o príncipe Bernhard, era um conhecido mulherengo que teve vários filhos ilegítimos e que, na década de 1970, foi acusado de aceitar subornos da Lockheed, o que o obrigou a abrir mão do seu cargo de inspetor-geral das forças armadas holandesas.

Os 33 anos de reinado de Beatriz estiveram relativamente livres de escândalos. A nódoa mais significativa na reputação real apareceu quando o seu filho mais velho, Willem-Alexander, que na próxima terça-feira sucederá a Beatriz, casou com a filha de Jorge Zorreguieta, que foi vice-ministro da Agricultura da Argentina durante o período em que o país viveu sob ditadura militar e, com toda a probabilidade, estava a par dos sistemáticos desaparecimentos durante a “guerra suja”.

Outro dos filhos de Beatriz, Friso — em coma depois de ter tido um acidente de esqui na Áustria — casou com Mabel Visse Smit, uma antiga íntima do traficante Klaas Bruinsma, assassinado em 1991 em frente ao Hilton de Amesterdã.

Festa, em Amsterdã, pelo novo rei
Festa, em Amsterdã, pelo novo rei

Beatriz, por seu lado, manteve-se irrepreensível. E o marido, o príncipe Claus, foi sempre visto como um farol moral. Em 1998, deixou uma profunda impressão no público holandês, durante a entrega de prêmios a três estilistas africanos, ao apelar aos “trabalhadores do mundo” para que quebrassem os seus “grilhões”, “as serpentes enroladas em volta dos seus pescoços”— uma referência às gravatas.

E acrescentou que Nelson Mandela era o homem mais bem vestido que conhecia.

Durante a coroação deste ano é muito pouco provável que tenham lugar tumultos como os de 1980. Por estes dias, os sem-teto de Amesterdã são poucos e estão longe e os progressistas de 1980 vêm manifestando  crescente apreço pela casa real.

Isso se deve, em grande parte, ao desdém de Beatriz pelo Partido pela Liberdade, o partido de extrema-direita liderado pelo quase esquecido político Geert Wilders. Beatriz tinha pouca utilidade para o pensamento racista e islamofóbico do senhor Wilders.

Mas, para além das expressões de reprovação pública, o único verdadeiro poder político que a rainha ainda tinha — o direito de indicar a pessoa que, como primeiro-ministro, formaria um novo governo — foi-lhe recentemente tirado por decreto parlamentar; assim, não desempenhou qualquer papel na formação do último gabinete holandês.

Quando o NRC Handelsblad, um importante jornal holandês, descreveu recentemente a casa real como “teatro de Estado”, estava sendo literal. De fato, nos dias de hoje, a monarquia corresponde a pouco mais do que uma obrigação constitucional de arte de representar.

No mesmo jornal, uma famosa decana do teatro holandês revelou que alguns dos seus colegas tinham sido discretamente abordados com um pedido para darem lições de representação à família real. Infelizmente, esses atores não serão pagos pelos serviços prestados; o trabalho que vão fazer, afinal de contas, é uma honra.

Hoje, são relativamente poucos os que defendem o fim da monarquia. O Partido Socialista é demasiado pequeno para poder exercer uma verdadeira influência e a Sociedade Republicana Holandesa passa uma impressão sonolenta e geralmente desastrada.

Esta última observação dificilmente é uma surpresa: afinal, porque haveria alguém de se esforçar seriamente para se opor à arte de representar?

Talvez porque a remuneração por essa arte performativa é um pouco fora do vulgar. O futuro rei da Holanda, Willem-Alexander, vai receber um salário líquido anual de um milhão de dólares, bem como um subsídio de 5,7 milhões de dólares “em ajudas de custo e despesas materiais”.

A mulher, Máxima, também recebe um salário líquido anual de 425 mil dólares e um suplemento de 750 mil dólares, mais ou menos, em ajudas de custo.

São quantias um pouco exageradas numa altura em que a Holanda está impondo cortes drásticos nos subsídios governamentais a outras formas de teatro. Parece um tanto antiquado que a família real esteja tentando escapar aos mecanismos de mercado e da meritocracia.

Numa época em que teatros, óperas e museus não conseguem existir sem patrocinadores, talvez esteja na altura dos holandeses se resignarem a ter uma família real que, durante as visitas de Estado e ocasiões oficiais, deixe sutilmente cair a mensagem de que a visita foi gentilmente levada até si pela Royal Dutch Shell. Ou pela Pfizer, tanto faz.

Nestes tempos de globalização a família real da Holanda não tem, necessariamente, que ser patrocinada por empresas holandesas.

E não seria bom se, a partir de agora, houvesse audições para os papéis de rei e rainha? Provavelmente, encontraríamos candidatos com mais aptidão para representar do que a atual família real e que estariam dispostos a representar por uma pequena parte do salário que os atuais recebem.