Quem é a togada e tatuada que Crivella tentou desqualificar com linguagem cafajeste. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 7 de outubro de 2019 às 17:14
Mirela em dois momentos, que ela compartilhou no facebook

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, usou uma linguagem cafajeste para se referiu à juíza Mirela Erbisti, da  3ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro.

“A juíza tem seus 40 anos, e ela é muuuuito bonita. Tem uma beleza de parar o trânsito”, disse ele num evento público.

Se tivesse parado nessa observação, Crivella teria agradado Mirela que, como se vê pelas fotos e vídeos postados na rede social, é também extremamente vaidosa.

Mas Crivella, ao que parece, não queria elogiar, mas atacar.

O prefeito do Rio de Janeiro parece irritado com o fechamento determinado pela magistrada da avenida Niemeyer, uma das mais importantes da cidade, que liga os bairros de São Conrado e Leblon.

A via foi interditada depois que um desabamento da encosta provocou mortes, e o Ministério Público pediu seu fechamento.

Por conta dessa decisão, o trânsito na cidade está ainda mais caótico nos horários de pico.

A prefeitura pediu à juíza que autorizasse a abertura da via em dias de sol. Mas ela não concordou.

A prefeitura recorreu da decisão, mas o tribunal ainda não concluiu o julgamento.

Dois dos três desembargadores concordaram com a prefeitura. Falta votar um magistrado, que pediu vistas do processo, mesmo sendo já voto vencido no caso de decidir dar razão à juíza.

É na interpretação desse pedido de vista que Crivella partiu para a baixaria.

Ele sugere que a decisão do desembargador está associada à beleza da magistrada.

Depois de dizer que Mirela é capaz de parar o trânsito — não no sentido do que fez com a Niemeyer —, ele afirmou:

“Mas não precisa praticar, né, pessoal?”. Depois dos risos da platéia, ele ainda repetiu:

“Não precisa praticar… Passam todos os dias 35 mil carros na Niemeyer…”

Em seguida, mostrou seu lado machista, coerente com a doutrina do chefe da igreja a que pertence, a Universal do Reino de Deus, segundo a qual mulher não deve estudar muito porque, nesse caso, não seria submissa ao marido.

“É difícil encontrar mulher teimosa, isso é raro… Normalmente elas concordam….Normalmente.”

E arrematou:

“Muito bem, Jesus é maravilhoso”

Jesus não tem nada a ver com a misoginia do prefeito — sim, misoginia, porque, se a decisão de fechar a avenida tivesse partido de um juiz homem, Crivella certamente não usaria argumentos de gênero para tentar desqualificar a decisão.

Mirela, no entanto, não deve estar de todo chateada com o bispo que administra a cidade. A exemplo do que aconteceu com a venda do gibi que ele tentou censurar, o acesso à rede social da magistrada disparou desde quinta-feira, quando ele fez o comentário.

“Depois de “vender” todos os gibis com a censura a um beijo gay na Bienal do Livro, ele voltou a atacar, fazendo declarações sobre a juíza Mirela Erbisti, que agora bomba nas redes, recebendo declarações de apoio”, escreveu a colunista social Lu Lacerda.

Crivella hoje pediu desculpas e culpou o espírito carioca pelas declarações que fez. Injustiça com os cariocas, que não são conhecidos pela misoginia — pelo contrário.

De qualquer forma, mais exposição à Mirela, que atua intensamente na rede social

Quem acessa a página da juíza saberá que ela tem tatuagens e dá entrevista sobre isso. Seus argumentos são convincentes.

A tatuagem é produto da liberdade de expressão, diz ela, e não pode ser censurada, mesmo em concurso público para a magistratura.

A exceção são tatuagens que atentem contra a direitos e garantias constitucionais. “Um juiz não pode ter a tatuagem de uma suástica, por exemplo”, comentou.

Pelo seu Instagram e facebook, é possível saber que ela foi ao Rock in Rio vestindo um short curto e assistiu ao show de Bon Jovi.

No Rock in Rio

A juíza também tem um canal no YouTube, o Justo Eu, em que, juntamente com outra magistrada, a Tula Mello, também tatuada, discorre sobre questões de direito, com uma vinheta de abertura que parece o de programas como o reality show Mulheres Ricas ou a coluna social de Amaury Júnior, com a frase Justo Eu cravada de brilhantes.

Mirela expõe sua vida pessoal além do que seria recomendado mesmo para pessoas que não tenham a responsabilidade dos juízes, com revelações sobre seus filhos, pai e sua rotina. É possível saber, por exemplo, que há dois meses ela estava em Bali, de onde postou fotos e vídeos de qualidade profissional.

Parece uma celebridade.

Mirela também postou foto de Jair Bolsonaro com a esposa, a Michelle, no dia 1o de janeiro, com uma mensagem de apoio ao presidente. Não se pode dizer que seja bolsonarista, mas que faz o tipo isentona.

“Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, disse ela, repetindo o slogan de Bolsonaro. “Que haja democracia, inclusão, respeito, paz social, desenvolvimento e amor. O país segue sob nova direção levando cada um de nós. Estamos todos no mesmo barco. Rememos juntos”, acrescentou, com dois emojis, um coração vermelho e a bandeira do Brasil.

Em 2013, Mirela absolveu o jornalista Paulo Henrique Amorim em um processo movido pelo banqueiro Daniel Dantas, com uma sentença que destacou a importância da liberdade de imprensa.

Ela escreveu que “calar pura e simplesmente a voz da imprensa, impedindo-a de fazer considerações acerca da notícia, é esvaziar um dos pilares do Estado Democrático de Direito e impor censura retrógrada e perigosa que o Poder Judiciário não pode tolerar”. 

Lembrou que “o grau de acidez dos comentários ou de doçura dos elogios a que a pessoa pública se submete também vai depender muito da forma de exposição que ela faz de si mesma”.

E mostrou que conhecia o trabalho e estilo de Paulo Henrique Amorim:

”O réu (Paulo Henrique Amorim) nada mais fez do que expressar sua visão acerca dos diversos fatos que lhe foram expostos. Em se tratando de Paulo Henrique Amorim, não se poderia esperar acanhamento, visto que o estilo que o mesmo adota no exercício de sua profissão é diametralmente oposto. A forma com que tais manifestações foram apresentadas, se duras ou ásperas, revela mais do perfil jornalístico do entrevistado do que do noticiado”.

Quando fez o comentário, Crivella deveria saber que a magistrada não chama a atenção apenas por sua beleza física e tatuagens. Ela é uma pessoa preparada.

Talvez, por dever de ofício e obediência ao Código de Ética da Magistratura, que recomenda um grau de exposição menor do que o da média da população, devesse se reservar mais.

Mas, se o que quer é se tornar mais conhecida, com postagens na rede social, a juíza ganhou um impulso e tanto.

Afinal, ela conseguiu o que toda celebridade ou candidata à celebridade hoje mais quer: uma crítica ou censura de Marcelo Crivella”

Em uma postagem no facebook, antes da crítica do prefeito, ela publicou a letra de uma canção de Bon Jovi, que se encaixa perfeitamente situação vivida por ela:

Por que queres dizer-me como viver a minha vida?
Quem, você é para me dizer se é preto ou branco?

.x.x.x.

Abaixo, o vídeo da juíza em Bali, na Indonésia: