Quem é a trans que está sendo ameaçada por dizer que vai expor bolsominions com quem saiu. Por Donato

Atualizado em 15 de setembro de 2018 às 7:55
Lara (foto Matheus Maviega)

Lara Pertille é jornalista, autora de um livro de poesias e toca sua própria lanchonete na cidade de Paulínia (SP).

Inconformada com a onda fascista que ronda o país, Lara reagiu a uma postagem de um ex-namorado que reverenciava Bolsonaro, o candidato homofóbico.

“Oi, vamos relembrar nosso passado?”, escreveu ela. Lara é trans e gravou um vídeo no qual prometia expor outros simpatizantes e defensores de Bolsonaro com quem já havia saído.

“É incoerente sair com trans e defender um candidato que prevê o extermínio da minha classe”, afirmou. O vídeo viralizou e Lara passou a receber ameaças de morte.

Ela conversou com o DCM.

Qual o grau das ameaças que você está recebendo?

Primeiro acho importante ressaltar que no vídeo eu nem falo o nome do candidato. As pessoas fazem a associação porque sabem que ele corresponde aos adjetivos. As ameaças são do tipo ‘vai aparecer com a boca cheia de formiga’, ‘tem que matar’, ‘Bolsonaro… (Lara faz uma pausa e depois comenta: “Nem gosto de falar o nome dele”) tem que ganhar para exterminar essa raça’. São coisas pesadas, ameaças de morte, que estão chegando a mim através dos comentários no vídeo.

Não tem medo? Temos o caso Marielle Franco como exemplo de que matar não é simples retórica para determinados segmentos.

Sei do que eles são capazes, mas de toda essa história quem é marginalizada sou eu, então sei me defender.

Você cita a frase ‘Meu corpo é político’. O que significa?

Desde que me assumi trans sempre soube que teria que lidar com agressões. Não falo apenas de agressão física. São as agressões diárias de um olhar, de entrar numa loja e ver uma pessoa cutucar a outra. Então quando digo que meu corpo é político é porque uso meu corpo para libertar outros corpos. Eu não teria nenhum problema em usar meu corpo de qualquer forma se souber que isso vai ajudar a libertar outras pessoas. Uso meu corpo, esse corpo que é tão visto e que as pessoas rejeitam durante o dia, mas que procuram de noite.

Esse corpo que as pessoas criminalizam, eu uso transitando pela sociedade para que as pessoas questionem a minha existência. E quando elas comentam é a hora que eu entro, para reafirmar que não somos marginais, que não somos objetos, que necessitamos empatia e respeito. Meu corpo é político como forma de chocar outras pessoas. Toda travesti transexual é militante quando coloca a cara no sol, por assumir um corpo diferente daquilo considerado normal pela sociedade.

O que uma gestão Bolsonaro poderia trazer de negativo?

Ele limita direitos. Acho criminoso a justiça eleitoral permitir um candidato a presidente que solta frases como ‘filho meio gayzinho é só dar um couro que ele muda o comportamento’, ‘vizinho gay desvaloriza imóvel’, entre outras falas pesadíssimas. Isso é absurdo num país democrático. Acho incrível pessoas se sentirem representadas por isso. Acho que ele representa todas as opressões que eu sofro.

Ele perpetua isso. E ainda tem um general como vice, os militares são os mais truculentos com a classe trans. Ele representa retrocesso e o fascismo que está na sociedade. Ele diz que faz o que faz pelo Brasil, pelo bem de ‘todos’, mas temos que lembrar que não somos todos iguais. Eu sofro um preconceito diferente do seu. Acho que todo mundo sofre algum tipo de preconceito, mas sofremos opressões diferentes.

Existe alguma candidatura ou partido que tenha uma plataforma que você considere como representante legítimo da pauta LGBT?

Nunca me filiei a partido nenhum, mas há tempos entendi que meu lugar de fala só seria possível em políticas de esquerda. No entanto, antes que me chamem de esquerdopata, eu vejo que nem direita nem esquerda ainda estão preparadas para dar visibilidade às trans. Os dois lados ainda têm medo. Por isso nessa eleição tenho candidatos que estão tanto na direita como na esquerda. Toda candidatura trans é um progresso para mostrar que não somos apenas um corpo ali na esquina. Que somos pensantes, que sabemos e queremos discutir políticas públicas. Queremos uma sociedade mais justa por estarmos cansadas de apanhar. Por isso não podemos deixar que o fascismo leve a melhor porque o país vai sofrer.

Por que não atua no jornalismo e de que trata seu livro?

Decidi fazer o livro, mas todas editoras me fecharam a porta. Então me auto publiquei. Chama-se “Desabafo” e é minha história contada de forma poética, desde antes da minha transição. Sempre gostei de jornalismo, mas depois que concluí a faculdade sabia que teria que criar meus próprios espaços porque um grande jornal, qualquer jornal, qualquer rede de comunicação, não iria dar emprego para uma pessoa trans, que é tão marginalizada na sociedade. Como nada cai do céu para mim e sempre tive que criar meus espaços, queria fazer algo que pudesse ajudar também outras pessoas. Assim comecei minha militância. Apresento há dois anos a parada LGBT aqui na minha região.

Minha luta é para que outras pessoas consigam ser livres, que possam transitar na sociedade sofrendo menos agressão, menos transfobia. Luto por uma sociedade mais justa e igualitária. Acredito em políticas de inclusão. Ainda acredito no Brasil, não tenho síndrome de vira-lata. E espero que meu legado seja o de uma trans que lutou para libertar os corpos de outras pessoas, uma trans que sabia seu papel e sua representatividade e que não usou isso de forma marginalizada. Que fez parte da sociedade acreditando no próximo.