Quem é Brian de Mulder, o jovem de origem brasileira que se juntou ao Estado Islâmico

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:59
Brian (ao centro) na Síria
Brian (ao centro) na Síria

Publicado na Time.

 

Como muitos meninos em Antuérpia, Brian De Mulder sonhou em ser um jogador de futebol profissional. Sua equipe favorita era o Barcelona e ele tentava imitar o astro argentino Leo Messi, orgulhosamente vestindo “10” na parte de trás de sua camisa. Ele começou a jogar com a idade de 6 anos e virou um atacante talentoso. Ele planejava uma carreira.

Dois anos atrás, Brian, então com 17 anos, estava entre vários jovens cortados de seu time local. Ele ficou arrasado ao ser marginalizado e perturbado com o que parecia ser o fim de um sonho, sua família disse à Time. Eles não poderiam ter previsto o que aconteceu em seguida.

Brian foi criado como católico e raramente se meteu em problemas. Era alto e magro, com o cabelo desgrenhado escuro. Estava orgulhoso de sua herança mista — a mãe é brasileira — e, muitas vezes, usava uma cruz branca em volta do pescoço, um presente da infância. Um grupo de adolescentes marroquinos convidou-o a jogar. Ele aproveitou a chance.

Em algum momento nos dois meses seguintes, Brian começou a frequentar uma mesquita. Eles o chamaram de Ibrahim, diz sua irmã mais velha, Bruna Rodriguez. Mais tarde, se converteu ao islamismo e mudou seu nome para Abu Qasem Brazili.

Seus pais ficaram chocados com a súbita transformação, mas os liberais De Mulders a toleraram. “Ela pensou que fosse uma fase de um adolescente”, disse Bruna, 25 anos, sobre sua mãe. “’Em seis meses tudo estará acabado”, ela esperava. “Mas tornou-se pior com a idade”.

Ele era um bom aluno, mas as tensões na escola apareceram quando ele disse a outros muçulmanos que eles não eram pios o suficiente; deixou os estudos três meses antes de ganhar seu diploma. Ao completar 18 anos, ele tinha aprendido árabe básico e cairia de joelhos cinco vezes por dia para orar. “Foi mais filosófico naquela época”, sua tia, Ingrid De Mulder, diz. “Ele estava perguntando sobre as coisas, querendo saber sobre Deus. Era mais como aprendizado. Ele não era radical em tudo.”

Naquela época, em meados de 2011, Brian havia começado a esnobar amigos não muçulmanos, até mesmo excluindo-os do Facebook e favorecendo aqueles que eram mais devotos. Um deles, um vizinho no mesmo edifício chamado Mohammed, introduziu Brian nos sermões de rua liderados por Fouad Belkacem, líder da organização salafista local Sharia4Belgium. O grupo se dissolveu no ano passado, mas mantém uma rede subterrânea vibrante.

Belkacem, conhecido como Abu Imran, é um islâmico de origem marroquina, conhecido por suas políticas radicais. Antuérpia, a segunda maior cidade da Bélgica, é célebre pelos seus diamantes e museus, sua arte e sua comida. Mas, como a guerra civil na Síria entrou em uma espiral ao longo de 26 meses, supostamente com mais de 94 mil mortos e 1,5 milhão de refugiados nos países vizinhos, redes extremistas sunitas como Belkacem canalizaram a juventude para lutar contra as forças do presidente sírio Bashar Al-Assad. O regime sírio é nominalmente secular e há tempos defende os interesses da seita minoritária alauíta da Síria, à qual Assad pertence.

Ingrid está convencido de que Belkacem doutrinou Brian, transformando-o de um adolescente normal, com um “coração de ouro”, em “um robô programado” em poucos meses. A família estava tão convencida de que ele estava indo para a jihad que, em junho passado, a mãe de Brian mandou-o junto com a irmã mais nova para Limburg, uma comunidade remota no nordeste. Não funcionou.

Agosto foi uma das últimas vezes em que Ingrid iria ver o sobrinho. Era Ramadã, por isso ele passou dias dentro de casa, dormindo e rezando. “Ele estava explicando o que estava acreditando, mas ainda era Brian como o conhecemos: sorrindente, prestativo, generoso”, diz ela.

Ele lia o Corão, mas, principalmente, as passagens sugeridas por Belkacem. Ao longo dos seis meses seguintes, os seguidores de Belkacem ocasionalmente o tiravam de Limburg. Ele trocava suas roupas de marca por um thawb tradicional branco [vestimenta que cobre o corpo todo] e criticava sua mãe e irmãs por se vestirem muito casualmente.

Uma noite, em meados de janeiro, Brian fugiu de vez. “Eu te amo, mas você nunca mais vai me ver de novo”, disse à sua irmã mais nova. Deixou suas chaves e o celular para trás. A família apresentou queixa de pessoa desaparecida. (Ingrid diz que eles foram notificados de que Brian era um passageiro em um vôo de 23 de janeiro de Düsseldorf para Istambul.)

No final de fevereiro, Bruna Rodriguez procurou no YouTube qualquer vestígio de jihadistas belgas em imagens da Síria. Ela descobriu um vídeo com um grupo de rebeldes orando em um campo aberto com seus fuzis. Reconheceu seu irmão.

É uma história que pouco difere das dezenas de outras de jovens que pegaram em armas e foram para a guerra. O vídeo era a prova de que ele estava vivo, mas também um lembrete assustador de que poderia encontrar a morte a qualquer momento. Calcula-se em até 6 mil o número de estrangeiros na Síria desde março de 2011, segundo os especialistas, sendo a maioria árabes sunitas do Egito, Líbia, Tunísia e Arábia Saudita. Desse valor, não mais do que 10% são do Ocidente.

Um relatório recente do Kings College de Londres afirma que em sua maioria muçulmanos convertidos da Grã-Bretanha, Holanda, França e Bélgica. Aaron Zelin, pesquisador do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo, diz que esta é a mobilização mais velos de estrangeiros (especialmente ocidentais) em um conflito.

A Internet acelerou o processo de recrutamento. “À noite, eles já estão on-line, verificando as coisas, vendo o que está acontecendo, e é uma combinação muito poderosa”, diz Clint Watts, um funcionário da segurança interna na Universidade George Washington.

É o que os De Mulders dizem ter acontecido com Brian. Ele e outros, como Jejoen Bontinck, 18 anos, também de Antuérpia, foram atraídos para o extremismo através da religião. O pai de Jejoen viajou recentemente para Aleppo para encontrar seu filho, mas não teve sorte. Ele parece estar lutando ao lado de Brian com o mesmo objetivo de derrubar Assad e trazer a consciência para o sofrimento dos civis sob cerco. Os críticos dizem que caiu sob o feitiço da Jabhat al-Nusra, o grupo listado como organização terrorista pelo Departamento de Estado dos EUA.

A dupla se ajusta ao tipo clássico de convertido fundamentalista: adolescentes vulneráveis ​​e impressionáveis ​​ou homens em idade de entrar na faculdade que se sentem marginalizados, tem experiência de discriminação ou dificuldades de assimilação na sociedade.

Pouco se sabe sobre a luta de Brian na Síria, mas ocidentais como ele são geralmente considerados espiões após a sua chegada; aqueles considerados de confiança não podem ser ouvidos receber uma arma.

No início de abril, a família De Mulders realizou uma conferência de imprensa com o Vlaams Belang, partido político de extrema-direita, para destacar a ameaça de radicalização muçulmana na Bélgica. Duas semanas depois, a polícia invadiu casas em Antuérpia, Bruxelas e nas proximidades.

Belkacem e outros cinco homens, acusados de empurrar os adolescentes para a Síria, foram detidos. Para a família de Brian, isso trouxe pouco conforto. Amigos e parentes pararam de assistir o noticiário da noite para não saber se ele está morto. Eles o querem de volta, mas outros nem tanto. Oficiais europeus anti-terroristas têm alertado que os jovens que desejam regressar representam uma ameaça à segurança nacional e sua boa acolhida não é garantida.

Os familiares ouviram notícias de De Mulder no final de abril. Ele escreveu uma mensagem privada para sua irmã mais velha no Facebook, uma resposta a vários pedidos dela para que ele voltasse para casa. Ele respondeu que aquela não era mais sua família a não ser que se convertessem e se juntassem a ele. Mais tarde, escreveu para ela novamente sobre as atrocidades que tinha presenciado e da falta de ajuda disponível para os civis. Ela respondeu que ele era “famoso” como Syriëstrijder (“guerreiro da Síria”) e que se ele realmente queria fazer diferença, iria fazê-lo na Bélgica, conversando com ministros. Ele não respondeu.

Em 18 de maio, quatro meses após Brian sumir, a família se reuniu na casa de Ingrid, no sul da Bélgica, para celebrar seu aniversário de 20 anos em sua ausência. Bruna Rodriguez diz que tentou manter o astral alto, rindo e comendo algo de que o irmão gostava: batata frita, bife e bolo de chocolate. Eles esperam por mensagens dele, bem como de mais ajuda para evitar que outros caiam na mesma armadilha, mas não são otimistas. “A cada dia, mais e mais caras como Brian estão indo para a Síria”, diz ela. “Isso tem que parar.”