Quem é Adílson Primo, o ex-executivo da Siemens que está no centro do escândalo

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:00

Em agosto passado, o DCM localizou Adílson Primo, o ex-presidente da Siemens que hoje está no centro do escândalo das propinas do metrô. Abaixo, o perfil que traçamos dele:

Adilson sela acordo com o tucano Anastasia
Adilson (à esquerda) sela acordo com o governador tucano Anastasia

Em 2009, o então presidente da Siemens, Adílson Antônio Primo, assumiu o Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo e, na condição de um dos maiores líderes empresariais do Brasil, disse em uma entrevista que as práticas de gestão de sua empresa eram “benchmarking”, isto é, deveriam ser copiadas por concorrentes para atingir melhores resultados. Era o auge de uma carreira de 35 anos na Siemens. Numa entrevista para um programa de TV no auditório do Ibmec em São Paulo, ele foi apresentado como o CEO que não fez MBA e que nunca foi demitido. Por quê? “Eu acho que a trajetória profissional acaba definindo os rumos que você toma dentro da empresa. Até agora, parece que não foi o rumo errado”, respondeu ele.

Dois anos depois, Primo foi demitido porque, segundo comunicado divulgado pela matriz na Alemanha, “foi descoberta uma grave contravenção das diretivas da Siemens na sede nacional, ocorrida antes de 2007.” A empresa nunca explicou o que quis dizer com “grave contravenção”, mas deixou vazar a informação de que Primo teve seu nome envolvido em um suposto desvio de dinheiro, ocorrido entre 2005 e 2006, que lhe teria rendido 6,5 milhões de euros. É uma história sem comprovação e foi recebida com ceticismo por experientes agentes do mercado. Especula-se que Primo tinha, entre salários e bônus, um rendimento legal superior a 1 milhão de euros por ano. Por que se envolveria num desvio proporcionalmente pequeno?

Fato é que, em 2008, três anos antes da demissão de Primo, a Siemens rebebeu um dossiê com documentos que supostamente comprovariam o pagamento de propina de sua filial no Brasil a autoridades do governo do Estado de São Paulo para o fornecimento de equipamentos e serviços em diferentes áreas, principalmente o Metrô e a CPTM. O dossiê cita também o pagamento de propina ao governo do Distrito Federal, na época comandado por José Roberto Arruda, do DEM. Além da alemã Siemens, os documentos mencionam a francesa Alstom. Por que a Siemens demorou tanto a agir?

Talvez seja em razão do fato de que se pode acusar Adílson Antônio Primo de qualquer coisa, menos o de não trabalhar com empenho. Sob sua gestão, a Siemens cresceu no Brasil mais do que em qualquer outro país e, em 2010, seu faturamento local foi três vezes maior que a taxa de elevação do PIB brasileiro. O jeito de Primo tocar o negócio chamava a atenção. Em 2007, já no governo de José Serra, ele participava pessoalmente das reuniões para definir as empresas que forneceriam equipamentos e serviços para o Estado, conforme atas publicadas no Diário Oficial do Estado. Normalmente, as empresas enviam procuradores, não seu presidente.

Como CEO da Siemens, Adílson Primo também frequentava os eventos políticos e sociais. Não faltava aos encontros com autoridades, como ocorreu em julho de 2011, quando ele e governador tucano Antonio Anastasia, de Minas Gerais, selaram com as mãos colocadas umas sobre as outras, como fazem os jogadores de futebol antes de entrar em campo, o acordo para a construção de uma fábrica da Siemens em Itajubá, no sul do estado.

Há cinco meses, já sem a presença de Primo no comando da Siemens, a empresa anunciou a desistência do projeto. O motivo seria a crise europeia. Mas Adílson Primo foi para lá. Depois de dizer que estudava abrir uma consultoria ou tocar um negócio próprio – talvez a ABR Participações S.A., que ele criou com sede em Barueri quando ainda era presidente da Siemens –, Primo assumiu a Secretaria de Coordenação Geral e Gestão da cidade, que tem um orçamento vinte vezes menor que o faturamento anual da Siemens.

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Localizar Primo no seu novo endereço não foi difícil. Em 2008, ele foi processado pela professora do Instituto de Física da USP Luisa Maria Scolfaro Leite por causa da negociação de uma casa. A advogada dele no processo é Marcela Souza Vitti, que trabalha no departamento jurídico da Siemens, com telefone no cadastro da OAB. Ao localizá-la, perguntei sobre o processo, mas ela não sabia detalhes. Disse que tinha prestado um favor a Adílson Primo, na época presidente da empresa. Questionada sobre como eu poderia encontrar seu cliente, afirmou: “Não tenho a menor ideia”. Mas insisti, e ela respondeu: “Acho que em Itajubá”.

Na cidade, que tem menos de 100 mil habitantes, só há o registro de um Adílson Antônio Primo, e ele é famoso no município por ocupar uma nova secretaria, encarregada entre outras atividades de conduzir a elaboração do novo Plano Diretor. Sua secretária, que se apresentou como Gisela, disse por telefone que Primo estava em viagem fora do município, não quis passar o celular e anotou um recado. Até às 23 horas de sexta-feira, dia 9 de agosto de 2013, quando concluo esta reportagem, ele não retornou.

No YouTube, há um vídeo de uma entrevista de 24 minutos que Primo concedeu há seis meses a um programa da Panorama FM, a principal emissora local. O radialista Octávio Scofano quis saber o que faz a Secretaria de Coordenação Geral e Gestão. Primo informou que o objetivo da pasta é aplicar em Itajubá um choque de gestão, nos moldes do que fez o tucano Aécio Neves no governo do Estado.

Com a camisa com dois botões abertos, bem diferente do terno e gravata que usava no tempo da Siemens, e com o cabelo pintado, o ex-CEO tentou fazer um discurso técnico, mas a entrevista terminou com os ouvintes fazendo perguntas sobre ruas de terra e outros temas do cotidiano de uma cidade que não é grande. Nélson, do bairro Santo Antônio, perguntou sobre um dos maiores problemas de Itajubá, que é o excesso de animais que fazem suas necessidades na calçada e na rua, sem que ninguém se responsabilize pela limpeza. O secretário de Coordenação Geral e Gestão de Itajubá lamentou que isso ocorra e falou da possibilidade de uso de fraldões pelos cavalos, que “fazem muita sujeira na rua, temos que caminhar olhando para o chão”.

Como se nota pela entrevista, Primo anda de cabeça erguida por Itajubá, sem que ninguém o questione sobre o que pode ser um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. A estimativa é que, com o superfaturamento nos equipamentos vendidos e os serviços prestados ao governo desde 1995, a partir da gestão de Mário Covas, o Estado de São Paulo teve um prejuízo superior a 500 milhões de reais. Só em propina, teriam sido pagos mais de 100 milhões de reais. A alemã Siemens, a francesa Alstom e a espanhola CAF são gigantes no ramo em que operam, mas formam um grupo pequeno. Como timoneiro de um desses titãs, Adílson Primo não é, com certeza, o que se pode chamar de a bolota do cavalo do bandido. No mínimo, é o cavalo. Mas ele, e talvez só ele, tem motivos para dizer quem o montou e depois o deixou na rua, abandonado como os animais de Itajubá.