Quem é Kássio Nunes Marques, o desembargador cotado para substituir Celso de Mello no STF

Atualizado em 30 de setembro de 2020 às 12:31
Kássio Nunes Marques, contado para o STF

Cotado para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1a. Região, não tem o perfil típico do bolsonarismo.

Mas, em entrevista, ele já defendeu uma posição que soa como música nos ouvidos de Jair Bolsonaro. Em geral, ele é contra a intervenção do Judiciário em atos do Poder Executivo.

Bolsonaro não engole a liminar de Alexandre de Moraes que impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal. O ato de nomeação para o cargo é privativo da presidência da república.

Mas Moraes aceitou o argumento sugerido por Sergio Moro de que Bolsonaro queria interferir na PF para proteger os filhos e os amigos.

Como desembargador, ele derrubou em 2017 decisões de primeira instância que interferiam no Executivo. Mas, para ele, essa regra não é absoluta. Ele mesmo impediu que um posto do Ibama fosse fechado na Amazônia.

Quando deu entrevista ao Conjur, em novembro de 2018, o desembargador tinha assumido a vice-presidência do TRF 1 e estava prestes a concluir um pós-doutorado.

Kassio Nunes Marques é natural de Teresina e tem 48 anos. Tornou-se bacharel pela Universidade Federal do Piauí e continuou os estudos em universidades na Espanha, em Portugal e na Itália. É representante do quinto constitucional da advocacia no TRF-1, tribunal que integra desde 2011.

A jornalista Mônica Bergamo diz que Bolsonaro já disse a ministros do STF que Kássio Nunes será mesmo indicado por ele para a vaga de Celso de Mello.

Após a indicação, Kássio deverá se submeter à sabatina no Senador e, se aprovado, irá para o STF, onde cumprirá mandato vitalício, só saindo com 75 anos de idade, ou seja, em 2047.

Seguem trechos da entrevista.

ConJur — Em 2017, o tribunal cassou muitas liminares que tinham suspendido decisões do governo. Os juízes de primeira instância não se incomodam por perderem o protagonismo dessas decisões?


Kassio Marques —
 Eu acho justamente o contrário, que o protagonismo vem da primeira instância. O TRF-1 continua firme com a jurisprudência consolidada ao longo de muitos anos; temos um corpo de magistrados com muita experiência, vários ex-presidentes e ex-vice-presidentes do Tribunal que ainda integram o Colegiado e colaboram muito na jurisdição e em vários segmentos da administração do tribunal. Quanto a eventual incômodo, eu não tenho notícia, mas acredito que os colegas de primeiro grau, assim como todos dos magistrados, não se apropriam das decisões como suas, mas as devolvem às partes e à sociedade. Se ocorrer uma posterior reforma ou manutenção da decisão, isso faz parte da sistemática processual de substituição dos títulos judiciais e de revisão das decisões por instâncias superiores. O mesmo ocorre com os tribunais ordinários que também têm seus acórdãos submetidos ao crivo do STJ e ao STF.

ConJur — É possível, a seu ver, prisão após condenação em segunda instância?


Kassio Marques —
 O que o Supremo disse, na minha interpretação, foi o que você asseverou na sua pergunta. É possível? Sim! Não é necessário aguardar o trânsito em julgado para a decretação da prisão. Ao meu sentir, o Supremo autorizou que os tribunais assim procedam, mas não os compeliu a assim proceder. O recolhimento ao cárcere não é um consectário lógico que prescinda de decisão fundamentada e análise das circunstâncias de cada caso. Há a necessidade de a ordem ser, além de expressa, fundamentada. Diante das circunstâncias do caso concreto, os julgadores podem adotar ou não a medida constritiva de liberdade. Podem entender que não seria o caso de recolhimento em um determinado caso, mas não de forma discricionária, e muito menos automática e jamais não revestida da devida fundamentação.

ConJur – Muitas decisões do TRF-1 em 2017 destacaram que estava havendo um avanço do Judiciário sobre as funções do Executivo ou que o Judiciário estava tomando decisões que não eram da sua competência. Qual a sua visão sobre isso?


Kassio Marques —
 O Poder Judiciário pode sindicar os atos do Executivo. Nada foge à apreciação do Poder Judiciário. Mas existem limites para essa aferição, e esse limite tem sido a análise da legalidade do ato. Certa feita, recebi aqui alguns advogados da União, em razão de decisão que proferi mantendo em funcionamento um posto do IBAMA em uma cidade da Região Norte do país. O IBAMA encerrou as atividades e encaminhou os servidores para capitais próximas. Os advogados da União, então, em audiência comigo, asseveraram que eu estaria sendo ativista e invadindo seara guardada à administração. Retruquei e, não admitindo que estaria sendo ativista naquele caso, lhes disse: “não estou determinando a abertura de um posto, incrementado uma política pública ou me substituindo à administração na eleição de critérios de conveniência e oportunidade. Estou de acordo, que, em regra, a abertura de um posto é própria do IBAMA, atividade típica do Poder Executivo. Mas, para abrir este posto, vocês tiveram que elencar justificativas, razões administrativas. No caso, foi a exploração ilegal de madeira e minério, a depredação da fauna, a atuação subsidiária em questões de assentamentos, terras indígenas, entre várias outras motivações. Bem, já que a administração resolveu encerrar as atividades deste posto o Poder Judiciário necessita saber se tais razões ainda estão presentes, ou seja, se os motivos que levaram à administração a efetivar aquela política pública ainda persistem”. Neste exemplo, fica claro que há uma sensível diferença dos casos em que o juiz elege suas razões em lugar daquelas da administração.

ConJur — Mas não foram muitas decisões falando em interferência na competência do Executivo pela primeira instância da 1ª Região?


Kassio Marques —
 Realmente, elas existem; e, por vezes, são necessárias. Muito atual e oportuno o tema. Em diversos casos, seja por omissão do executivo ou do legislativo, seja por falha na implementação de políticas públicas, o Poder Judiciário é convidado a ser protagonista e tem suprido um espaço que, originariamente, não é seu, mas que, nessas hipóteses, a Constituição lhe autoriza a atuar.

ConJur — Como é o seu método de trabalho? O senhor é daqueles magistrados que madrugam no Gabinete e acendem as luzes do Tribunal ou dos que ficam com a equipe até tarde da noite e apagam as luzes?
Kassio Marques —
 O homem é o homem e as suas circunstâncias. Prefiro não levar trabalho para casa. Mas, às vezes, não tem jeito. No geral, eu prefiro ficar no Tribunal até mais tarde e não levar nada para casa. Assim, há tempo livre para outras atividades, uma leitura ou um filme. Gosto mais de filmes, é mais acessível: o que mais me distrai na realidade é ficção científica. Quanto mais mentiroso o filme, melhor para mim (risos).

ConJur — Quais são seus juristas preferidos, os que o senhor cita nos seus votos e decisões?


Kassio Marques —
 Admiro muitos juristas, claro, mas é bem difícil eu fazer menção nos meus julgados a algum deles; me utilizo sempre da jurisprudência. Eu tenho uma atividade acadêmica paralela. Depois que ingressei no Tribunal, eu fiz mestrado, estou na fase de defesa da Tese do doutorado e já cursando o pós-doutorado. Mas evito decisões e votos longos; sou um fã incondicional do poder de síntese. Dificilmente, leio um voto todo em sessão; geralmente explico o caso em dois ou três minutos. Evito o proselitismo jurídico, bem como não sou afeito a produzir decisões judiciais como se fossem artigos científicos. Por isso, aplico feliz e ordeiramente o que já está pacificado no STJ e STF.

Fui advogado por 15 anos e pretendo realizar o que, enquanto advogado, gostaria que um juiz fizesse. Meu compromisso é com a celeridade, sem perder a justeza do acerto na aplicação do Direito. Todavia, em alguns casos pontuais, os votos são necessariamente alongados e com citações de doutrina. Eu me recordo haver feito várias menções doutrinárias nos julgados após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, especialmente em razão das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Mas, via de regra, não utilizo citações de juristas e procuro elaborar decisões objetivas e sem rebuscamentos.

ConJur — Tem algum livro de cabeceira?


Kassio Marques —
 Atualmente, tenho lido apenas livros jurídicos e, ainda assim, de forma pontual e descontinuada, em razão do trabalho e das atividades acadêmicas. Fora da seara jurídica, estou tentando concluir a leitura de “Sapiens” de Yuval Noah Harari. No entanto, capitanear as alterações da rotina e uma completa reestruturação da Vice-Presidência para a assunção de toda a jurisdição que antes era dividida entre o Presidente e o Vice, está sendo um desafio enriquecedor e realizador e, ao mesmo tempo, bastante cansativo. Sobra pouco tempo para as demais atividades.

ConJur — O senhor tem a visão do acadêmico, do pesquisador, do jurista, do julgador, e de quem já atuou como advogado. Há uma preocupação então com o embasamento dos magistrados? Acha que deve haver uma preocupação maior com isso?

Kassio Marques — Sim. Acredito que o magistrado precisa se aperfeiçoar, e buscar experiências novas, na comunidade, no dia a dia do cidadão brasileiro, mas também de outras culturas e sistemas jurídicos. Imagine você, o Brasil é o maior signatário de tratados internacionais e o maior descumpridor. Nós não costumamos utilizar em nossas decisões os tratados internacionais de Direitos Humanos porque não temos uma visão globalizada. Eu tive muitos problemas e fui vencido por muito tempo no caso do sequestro internacional de crianças. O Brasil hoje é referência de recebimento inclusive de mães de outros países. Não são apenas as mães brasileiras que se refugiam aqui. Recentemente, uma mãe dinamarquesa com dois filhos de dois pais diferentes fugiu para o Brasil e, na audiência judicial, ela disse “eu vim para o Brasil porque a jurisprudência brasileira é favorável sempre às mães”. Somos signatários de um tratado que, em regra, orienta que nos casos de uma subtração ilegal, ou seja, retirada do pais da criança sem o consentimento do outro genitor, a jurisdição do país de origem deve ser restabelecida. Logicamente que como toda regra, esta também admite algumas exceções. Nossa jurisdição é voltada para a satisfação da dignidade humana, meio ambiente, habitação, saúde, cultura, vida. Daí a importância do permanente aperfeiçoamento.