Quem é o arcebispo que pede a renúncia do papa Francisco

Atualizado em 27 de agosto de 2018 às 16:59
O arcebispo Carlo Maria Viganò

Publicado no IHU

O testemunho do arcebispo Carlo Maria Viganò prova uma coisa: o ex-núncio do Vaticano nos Estados Unidos está para a crise de abusos sexuais do clero como Oliver Stone está para o assassinato do presidente John Kennedy, um traficante de teorias conspiratórias que mistura fato, ficção e veneno para produzir algo explosivo, mas também suspeito. Quando você terminar de ler este testemunho, como no final do filme de 1991 de Stone, “JFK”, você pode apenas concluir que o produto nos fala mais sobre o autor do que sobre o assunto.

A reportagem é de Michael Sean Winters, jornalista, publicado por National Catholic Reporter, 26-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Viganò está certamente correto em dizer que o cardeal Angelo Sodano, durante muito tempo secretário de estado do papa João Paulo II, era patrono do ex-cardeal Theodore McCarrick. Stone reconheceu que o assassinato ocorreu em Dallas. Mas por que Viganò não menciona o papel fundamental desempenhado pelo cardeal Stanislaus Dsiwisz na proteção de McCarrick?

Viganò alega que o papa Francisco suspendeu as sanções contra McCarrick que foram impostas pelo papa Bento XVI. De fato, a manchete da história de Edward Pentin que deu a notícia desse testemunho diz: “O ex-núncio acusa o papa Francisco de não agir contra o abuso de McCarrick”. Mas, Francisco agiu sim. Ele é quem removeu McCarrick do ministério em junho. O foco central deste testemunho é a afirmação de que Bento XVI impôs sanções contra McCarrick: “o cardeal deveria deixar o seminário onde ele estava morando, estava proibido de celebrar [a missa] em público, de participar de reuniões públicas, de dar palestras, viajar, com a obrigação de se dedicar a uma vida de oração e penitência”, escreve Viganò.

Durante o papado de Bento XVI, com meus próprios olhos, testemunhei McCarrickcelebrando a missa em público, participando de reuniões, viagens, etc. Mais importante ainda, o mesmo aconteceu com o papa Bento XVI! Se Bento impôs essas penalidades, ele certamente não as aplicou. Ele continuou a receber McCarrick com o resto da Fundação Papal, continuou a permitir que ele celebrasse a missa publicamente no Vaticano, até mesmo concelebrando com Bento XVI em eventos como consistórios. Mas, como Viganò conta, é tudo culpa do papa Francisco.

Viganò é mais do que um pouco obcecado com a homossexualidade e cita o nome de prelados que ele acusa de apoiar os esforços de “subverter a doutrina católica sobre a homossexualidade”. O cineasta Stone estava obcecado com uma colina coberta por grama. Nos meus dias de seminário, quando um dos seminaristas dava sinais desse tipo de obsessão, fazendo declarações exaltadas sobre a homossexualidade, suas fontes e seus efeitos, ignorando os dados científicos e psicológicos emergentes, o resto de nós olhava um para o outro e alguém dizia algo como: “Eu gostaria de saber com quem ela gostaria de dançar”.

Algo semelhante está acontecendo durante todo esse verão. Bispos e arcebispos falam sobre pessoas gays com tanto ódio, que você se pergunta como um ministro do Evangelho poderia falar tão maldosamente sobre outros seres humanos, mas então passa por sua cabeça: eles não estão falando sobre outros seres humanos. E você tem que se perguntar se o que você está vendo é uma manifestação de auto-ódio.

Infelizmente, a rede de desinformação de Viganò deixará sua marca. No meio de um tumulto de eventos, ninguém vai parar para fazer perguntas básicas e até mesmo os jornalistas podem esquecer-se de realizar tarefas básicas, como buscar por confirmação ou analisar as perguntas que surgem de um texto como o de Viganò. Aqui estão algumas das minhas perguntas:

Viganò diz que ele deve desabafar sua consciência agora. Porque agora? Se ele se sentia tão perturbado pela imundície quanto afirma, por que ele não disse nada publicamente ou, pelo menos, à conferência dos bispos? Lembro-me de alguns anos atrás, em uma reunião da conferência dos bispos, sentado do lado de fora do salão de festas em Baltimore conversando com um monsenhor da nunciatura. Ele estava esperando por Viganò, que estava na sessão executiva da reunião dos bispos. Por que ele não disse nada naquele momento?

Se, como ele afirma, McCarrick teve uma influência tão grande em Francisco, como ele explica as brigas de McCarrick com os bispos argentinos sobre o padre Carlos Buela e o Instituto do Verbo Encarnado? Quando os bispos argentinos, sob a liderança do então cardeal Bergoglio, se recusaram a ordenar os seminaristas do Verbo Encarnado, McCarrick interveio para fazê-lo.

McCarrick não teve nada a ver com a escolha do bispo Blase Cupich para se tornar arcebispo de Chicago, nem com o arcebispo Joseph Tobin indo para Newark. É verdade que essas principais sedes foram preenchidas sem o consentimento ou opinião do núncio, o que diz apenas que Francisco conseguiu reconhecer o quão doente ele era antes que o resto de nós o reconhecesse. Meu cachorro, Ambrose, tem mais influência sobre o papa Francisco do que McCarrick teve.

Viganò chega até a recrutar o falecido padre jesuíta Bob Drinan para sua conspiração, bem como os signatários da declaração da Land O’Lakes de 1967 sobre o ensino superior católico. Sério? Lembro-me de uma velha piada de Joan Rivers sobre o fato de que um OVNI nunca aterrissou em Harvard, Yale ou Stanford. São sempre três broncos em uma pick-up bebendo cerveja: “Eu vi! Estava ali!”. Church Militant, Cardinal Newman Society, LifeSiteNews, esses são os bêbados da igreja e ficou claro que, por algum tempo, Viganò concordou com esses personagens. Lembram como ele tentou arruinar uma viagem anterior do papa? Foi ele quem, em 2015, levou Kim Davis, a funcionária do condado de Kentucky que se recusou a emitir certidões de casamento para casais do mesmo sexo, a se encontrar com Francisco e falsamente a apresentou como defensora da liberdade religiosa. Na verdade, Davis foi mandada para a prisão porque tentou impor suas opiniões religiosas aos outros.

E, como meu colega Joshua McElwee apontou, sabemos o quanto Viganò se preocupa com as vítimas do abuso sexual do clero. Em Minnesota, Viganò encorajou o bispo auxiliar Lee Piche a destruir documentos relacionados à investigação do arcebispo John Nienstedt.

Viganò é um ex-empregado insatisfeito. Pessoas assim estão sempre com um pouco de raiva. Eles também costumam ser pouco confiáveis. Ele sempre foi um excêntrico. Mas não se engane: este é um ataque coordenado contra o papa Francisco. Uma conspiração está em andamento e se os bispos dos EUA, como um corpo, não defenderem o Santo Padre nas próximas 24 horas, estaremos nos encaminhando para uma cisão muito antes da reunião dos bispos em novembro. Os inimigos de Francisco declararam guerra.

Nota de IHU On-Line: Na viagem de retorno de Dublin, o Papa Francisco se referiu ao testemunho de Viganò, afirmando:

“Li na manhã de hoje esse comunicado de Viganò. Digo sinceramente isto: leiam-no atentamente e tirem suas conclusões pessoais. Não direi nenhuma palavra sobre isto. Creio que o documento fala por si mesmo. Vocês têm a capacidade jornalística suficiente, com sua maturidade profissional, para tirar suas conclusões”.

A íntegra da entrevista do Papa Francisco pode ser vista, em italiano, aqui.