Publicado originalmente no site Medium
POR MARCELO BAMONTE
O jornalismo brasileiro está em festa. Aliás, quando despontam mínimas centelhas para expôr seu preconceito contra povos orientais, os grandes editoriais não falham em acertar. O país da vez, obviamente, é a maior potência global, e que continua a se expandir: a China.
Batizada de “jornalista cidadã” (em uma época em que diplomas em jornalismo parecem tornar-se insignificantes), Zhang Zhan, 37, foi condenada a quatro anos de prisão pelas autoridades chinesas por causar confusões e espalhar desinformação a respeito das ações do governo para combater a pandemia de Covid-19. Sob a caracterização de combate a um suposto “autoritarismo chinês” para conter o vírus, muitos dos veículos jornalísticos brasileiros voltaram seus olhares à personagem, expondo que ela estaria sendo vítima de uma perseguição do Partido Comunista da China.
O portal IstoÉ fez questão de refrisar que a cidadã estava frágil em sua cadeira de rodas, respondendo com o silêncio a seus acusadores, sozinha, ou praticamente isolada, na Justiça chinesa. Segundo o veículo, esta foi a maneira da cidadã de defender a cobertura que fez da quarentena de Wuhan, contra um regime que impõe a própria interpretação da epidemia. A CNN Brasil optou por uma tentativa sutil de demonização do Partido, ressaltando que o crime é comumente atribuído pelo governo chinês a dissidentes e ativistas de direitos humanos, presumindo uma inocência à figura, ligando-a a movimentos que prezam pela integridade humana. Já o Estadão, fez questão de enfatizar que os julgamentos ocorrem no país quando grande parte do restante do mundo está distraído.
As primeiras apurações sobre o caso, em sua maior parte, vieram de três principais fontes, sendo duas delas agências europeias de notícias (AFP, na França, e Reuters, em Londres) e a última, curiosamente, da própria advogada da acusada. A cobertura que veio a seguir se pautava apenas nos veículos e fontes citadas, sendo replicadas e meramente traduzidas para seus próprios portais. O resto do material, em mandarim, pouco foi explorado ou sequer traduzido.
No Jornal Nacional, a serviço de lembrar seus espectadores, foi reforçada, em uma matéria especial, a imagem do médico Li Wenliang, figura que tornou-se holofote da mídia ocidental por ter “avisado sobre o coronavírus”, mas que acabou “perseguido” e punido pelas autoridades chinesas. O oftalmologista, para relembrarmos, notificou no início do ano uma espécie de “nova pneumonia”, mas a informação de que teria sido perseguido e morto pelo Partido é simplesmente mentirosa. Aliás, o médico era membro do próprio PCCh, tendo que apenas assinar uma notificação judicial após informar as autoridades sobre o que havia descoberto. Wenliang, no final das contas, passou informações imprecisas, e reforçou este fato em entrevista à CNN quando estava vivo. Como reforça o jornalista Pedro Marin, “Também é simplesmente mentiroso que o governo chinês teria reprimido Li para “esconder a realidade sobre o coronavírus”; exatamente no mesmo dia em que Li fez seu post, a Comissão Municipal de Saúde de Wuhan emitiu documentos internos para hospitais orientando no combate ao que nessa altura ainda era uma pneumonia desconhecida”.
Inocente?
Zhang Zan desrespeitava os regulamentos de segurança impostos pelo governo para a proteção de sua população, causando tumultos em hospitais, filmando pacientes e não cumprindo os protocolos. A advogada, na verdade, já havia sido presa muitas vezes, de dez a 65 dias desde 2019. O seu primeiro aviso oficial da justiça chegou muito antes, em 2018.
Dotada de uma enorme fé cristã, Zhan, quando presa anteriormente, realizava greves de fome com intenção até de martírio, onde foi caracterizada como uma pessoa “muito devotada à sua religião”, sem medo de praticá-la em sua expressão máxima. Por conta de seu comportamento, ela recebeu diversos atendimentos psiquiátricos durante sua detenção, onde continuou reforçando seus pontos sobre Jesus, a Bíblia e Deus em si.
Os pontos se conectam com seus próprios vídeos no Youtube. Em um deles, falando devagar, Zhang admite que, em conversa com uma paciente da doença, havia pregado o evangelho para ela, dizendo que “a cruz de Jesus Cristo carrega os pecados de todos, a salvação é encontrada em ninguém mais, mas em Jesus”. Completou, como é possível escutar no vídeo, dizendo: “na verdade, eu prefiro pregar o evangelho para aqueles policiais e pessoas que a colocaram em quarentena”.
Em um de seus artigos condenando o governo do país, inclusive dizendo que os mesmos tinham delírios messiânicos, Zhan utilizou a palavra “Deus” 62 vezes. Além disso, no escrito, ela se autoproclama uma escolhida de Deus para realizar sua missão. Curiosamente nos relembra uma das principais fontes do jornalismo ocidental para falar sobre a China, Adrian Zenz, líder religioso que fabricou o mito de campos de concentração para muçulmanos e povos minoritários no país, e que também se autoproclama um escolhido de Deus para atuar contra a China.
Em outros vídeos, Zhang ataca o materialismo histórico dialético, método que o Partido utiliza tanto no campo teórico quanto prático. Segundo ela, “se o COVID é um vírus que ameaça nossa vida, o mecanismo social do materialismo que perseguimos também não é um vírus fatal”?. Tirando o espectro religioso, Zhan tampouco fora jornalista antes de chegar a Wuhan para realizar seus trabalhos criminosos de difamação e desinformação. Em um de seus próprios vídeos, Zhang é perguntada por um policial se cumpre o ofício do jornalismo, respondendo que “já havia dito a ele que não é uma jornalista”.
Além disso, sob a alcunha de agente da informação, Zhang Zhan tentou atacar pontos de tratamento da Covid, tentando “libertar” as pessoas do lockdown. As autoridades, como vemos nos vídeos publicados por ela própria, tentam contê-la enquanto a mesma derruba grades e tenta interferir no trabalho dos médicos. Por fim, Zhang, em outro vídeo, expressa que a pneumonia do Corona deveria se chamar “pneumonia do socialismo”, já que engloba diversas características que se equivalem a um regime socialista.
Fica claro que, com o mínimo de apuração, tarefa básica de qualquer jornalista sério, pode-se provar que Zhang não passa de uma baderneira que, motivada por interesses próprios, busca atacar a China para desestabilizar a organização do Partido que se mostrou efetiva, sendo uma das melhores em combater o vírus ao redor do mundo. O respaldo do jornalismo ocidental é claro, em busca da falsa defesa da democracia e condenação do regime que soube lidar com a vida de sua população de forma mais organizada. Nada mais é do que uma tentativa de aumentar a hegemonia e monopólio da informação, caindo nos vícios e contradições intrínsecas à sua própria prática farsante. Com a população que ultrapassa um bilhão de cidadãos, apenas 4,634 mortes foram registradas. Já os países estandartes da democracia e liberdade, cumprindo seus anseios narcísicos e delírios de governo, acumulam mortes e mais mortes. A União Europeia, que passou por uma segunda onda, exigiu a liberação imediata da jornalista, mostrando mais uma vez que pensa poder influenciar e estender seus tentáculos por todos os cantos do globo.
Novamente ponderando um escrito de agosto do jornalista Pedro Marin, “Se o encontro de nosso povo com a morte pela doença fosse o mesmo que tiveram os chineses, seriam 694 mortes”, fazendo a comparação também com a Venezuela, Vietnã, Argentina e Cuba. Em todos os casos, esses infernos na terra tinham menos mortos que nós. No Brasil, “sem pressa” para resolver a situação, acumulamos caixões e pilhas de cinza em crematórios, enquanto o presidente joga futebol, despreocupado com o cargo que exerce. O Brasil se torna oficialmente um dos países que se orgulha em perder de 47×0. Aliás, esse é o número de nações que já começaram a se vacinar.