Quem era o escravizado que receberá uma estátua no Dia da Consciência Negra

Atualizado em 30 de outubro de 2020 às 8:45
Tebas em representação artística

A torre da antiga igreja matriz da Sé, a ornamentação das fachadas das igrejas do mosteiro de São Bento, da Ordem 3ª do Seráfico São Francisco e do mosteiro do Carmo, são alguns cartões postais da cidade de São Paulo.

O que poucos sabem é que essas obras são de autoria de Joaquim Pinto de Oliveira, um escravo conhecido pelo apelido de Tebas. A alcunha significa “pessoa de grande habilidade” em um idioma de Angola chamado quimbundo.

Pois Tebas irá se transformar em estátua no próximo dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Num ano em que estátuas de colonizadores, proprietários e traficantes de escravos foram derrubadas ao redor do mundo durante protestos antirracistas após a morte de George Floyd nos EUA, um ex-escravo será homenageado com um monumento, finalmente. E em plena cidade bajuladora dos cruéis bandeirantes.

“Propriedade” do português Bento de Oliveira Lima, que também era mestre de obras, Tebas logo ficou conhecido – e seu trabalho disputado – pela igreja católica para a construção de templos e fachadas. Foram dezenas ao longo do século XVIII.

A primeira fonte da cidade, o Chafariz da Misericórdia, foi construído por ele entre 1766 e 1798. O local servia como ponto de encontro entre diversos escravos que ali buscavam água (atualmente a fonte não existe mais, ficava no entroncamento das ruas Quintino Bocaiúva, Direita e Álvares Penteado).

O trabalho de Tebas era tido como refinado, de grande precisão e competência, características que irão chocar a elite branca que acredita apenas na existência de europeus na assinatura de grandes obras desde o Brasil colonial. E não era uma exceção.

“Os africanos trazidos para as Américas trouxeram muitos conhecimentos, principalmente sobre o trabalho com pedras e metais”, disse o jornalista Abílio Ferreira, organizador de um livro sobre o escravo Tebas.

Em 1779, com 58 anos, Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, conseguiu comprar sua alforria com o dinheiro ganho com seu trabalho e seu talento. Trabalhou até o ano de sua morte, em 1811 aos 90 anos de idade, vítima de uma gangrena na perna em consequência de um acidente de trabalho.

Com base em documentos oficiais reunidos no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2018 o Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo reconheceu Tebas como arquiteto.

Antiga matriz da Sé em 1860, trabalho de Tebas

A estátua de aço, inox, ferro e concreto será instalada na praça Clóvis Bevilácqua, entre as igrejas da Sé e do Carmo, duas das principais obras que receberam intervenções do arquiteto Tebas.

De autoria de Francine Moura (arquiteta) e Lumumba Afroindígena (artista plástico), a estátua foi bancada pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Nada mais que obrigação, afinal há uma reparação histórica gigante a ser feita. A ausência de figuras simbólicas negras que tiveram (e ainda têm) papel fundamental na construção e desenvolvimento do país colabora para a perpetuação da escravidão em suas novas configurações atuais.

De cada dez pessoas mortas pela polícia em 2019, oito eram negras segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Umas das razões para tal excrescência é que nenhum negro seria capaz, no imaginário classista e racista, de exercer uma profissão de arquiteto, por exemplo.

Uma estátua não fará o quadro mudar de hoje para amanhã, mas é um começo.