“Quem não foi, perdeu”: Gilmarpalooza deu palco a 64 empresas e entidades privadas

Atualizado em 7 de julho de 2025 às 13:08
Gilmar Mendes na 13ª edição, o Fórum Jurídico de Lisboa, apelidado de “Gilmarpalooza”. Foto: reprodução

Por Alice Maciel, publicado na Agência Pública

Em sua 13ª edição, o Fórum Jurídico de Lisboa, apelidado de “Gilmarpalooza”, por ter o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, como principal anfitrião, consolidou-se como um espaço privilegiado para o lobby empresarial. Ao longo de três dias, o evento reuniu a cúpula do Judiciário, Executivo e Legislativo brasileiros lado a lado com advogados e dirigentes dos setores mais poderosos da economia, como bancos, mineração, energia, agronegócio, tecnologia, seguros e saúde privada.

O encontro, que este ano teve como tema “O mundo em transformação: Direito, Democracia e Sustentabilidade na era Inteligente”, terminou na sexta-feira (4/7) com um saldo de 360 palestrantes, entre eles 39 executivos de grandes empresas e 25 representantes de entidades ligadas a interesses privados.

Idealizado pelo ministro do STF Gilmar Mendes, o fórum, que já se firmou no calendário político brasileiro, apesar de acontecer em Portugal, é organizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), que tem o ministro como proprietário.

Entre os dias 2 e 4 de julho, subiram ao palco na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Fdul), os CEOs de gigantes como iFood, Light, Âmbar Energia (que pertence ao grupo J&F) e SulAmérica, além de diretores da Meta, Bradesco Seguros, Vale, BRF e JBS – empresas com ações tramitando no STF, que contou com cinco ministros no encontro.

Só o BTG Pactual, emplacou cinco representantes no evento, incluindo o sócio sênior do banco, André Esteves. Ele participou de uma das mesas principais na quinta-feira, ao lado do ex-secretário de Estado do governo Donald Trump, Mike Pompeo, e do anfitrião do fórum, Gilmar Mendes. O tema do painel foi “Geopolítica em reconstrução: implicações socioeconômicas”.

Além da participação oficial, o BTG também promoveu, na quinta-feira, um jantar reservado para autoridades e empresários no luxuoso restaurante SUD Lisboa — um encontro fora da agenda oficial, que já se tornou tradição. Conforme mostrou O Estado de S. Paulo no ano passado, o coquetel também ocorreu na edição anterior do fórum, com a intenção de oferecer aos convidados mais privacidade.

O Estado de S. Paulo mostrou ainda que a Associação Latinoamericana de Internet (ALAI), que representa as big techs como Google, Meta, X, Amazon e Tiktok, promoveu um almoço na última quarta-feira (2/7) em Lisboa para poucos convidados. O diretor da Alai, Raúl Echeberría, também foi um dos palestrantes do evento, em um painel sobre “economia de dados e regulação de mercados digitais”.

Almoços, jantares e coqueteis, regados a interesses privados, fazem parte da agenda do Fórum de Lisboa. “O ambiente que Gilmar Mendes criou em Lisboa é favorável ao lobby, à articulação. O Gilmarpalooza virou um espaço de articulação tão privilegiado, que quem não foi, perdeu. A república inteira vai para lá, tem coisas que as pessoas só conseguem tratar lá”, observou um servidor público que já participou de várias edições do evento, e que pediu anonimato.

Ele contou que já ouviu de um ministro do STF em tom de brincadeira sobre o Fórum ser em Lisboa: “as pessoas atravessam o oceano, dá uma sensação de que os problemas ficaram para trás”.

O ministro do STF Gilmar Mendes falando na mesa de abertura do XIII Fórum de Lisboa. Foto: Paulo Barros/InfoMoney

Quem defende o interesse público?

Também foram convidados a falar no evento promovido por Gilmar Mendes, presidentes e diretores de poderosas entidades empresariais, como a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) – que representa as Bets – do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT).

O presidente da Aprosoja-MT, Lucas Costa Beber, foi citado no relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas como um dos financiadores dos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro. Ele subiu ao palco do Fórum de Lisboa para falar no painel “Agronegócio e Segurança Alimentar Global: desafios para a cooperação”, ao lado do governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil-MT).

A Aprosoja é parte interessada na ação sobre a tese do marco temporal, em tramitação no STF, na qual o ministro Gilmar Mendes é relator. Como mostrou reportagem da Agência Pública em 2021, o escritório do advogado Rodrigo Mudrovich, que pertence ao círculo próximo de Gilmar Mendes e atuou em seu nome, já representou a Aprosoja nesta mesma ação. Mudrovich, hoje juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, também participou de um painel no Fórum de Lisboa.