Quem paga a conta do mimo de Fux? Por Miguel Enriquez

Atualizado em 27 de novembro de 2018 às 18:54
“Ô, da poltrona”

POR MIGUEL ENRIQUEZ

Sancionado praticamente na undécima hora pelo presidente Michel Temer, às vésperas do vencimento do prazo legal, o aumento salarial de 16,38% concedido pelo Senado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), está sendo visto como um escárnio diante da situação de dificuldades pela qual atravessa o País, provocando a justa ira da população.

A indignação é maior quando se prenuncia um arrocho sem precedentes em desfavor dos assalariados, seja pelas ameaças em relação aos reajustes do salário mínimo, seja pela prometida reforma da Previdência, anunciadas pelo próximo governo.

O aumento, que terá um efeito cascata sobre a remuneração de todo o funcionalismo público, deverá produzir um impacto calculado em nada menos de R$ 4,1 bilhões anuais nos cofres da União e dos Estados, foi questionado pelo próprio futuro presidente, Jair Bolsonaro.

“Complica, quando fala em fazer reforma da Previdência, tirar dos mais pobres e aceitar um reajuste como esse”, afirmou em seu linguajar claudicante Bolsonaro, que defendeu que Temer vetasse a iniciativa.

Numa demonstração de fisiologismo, de retomada da velha prática do toma lá, dá cá, por parte de Temer e dos ministros Dias Tofolli, presidente do STF e seu colega Luiz Fux, com a preciosa participação dos presidentes da Câmara e do Senado, foi acertada também a revogação do escandaloso auxílio moradia, concedido monocraticamente em liminar pelo topetudo em 2014, que estendeu o benefício a todos os integrantes da Judiciário e do Ministério Público, em âmbitos federal e estadual.

Ou seja, concedeu-se um aumento salarial inoportuno e impopular, em troca do cancelamento de uma vantagem indevida, que simplesmente não poderia ter sido criada, ainda mais pela decisão unilateral de um magistrado.

Patrocinador da farra do boi, Fux, que continua defendendo sua decisão anterior, justifica a revogação do auxílio moradia como motivada pela situação fiscal do país, que provocou um novo contexto “com amazônica repercussão.”

Contexto esse, diga-se, que contou com a bilionária contribuição de Fux, um juiz conhecido por se dizer capaz de “matar no peito” as situações mais complicadas e obrar em favor de interesses corporativistas.

Segundo a ONG Contas Abertas, o penduricalho universalizado, que favoreceu inclusive magistrados e procuradores proprietários de moradias nas localidades onde atuam, ocasionou gastos extras de R$ 5 bilhões, entre setembro de 2014 e fevereiro deste ano.

Na relação dos beneficiados pelo mimo, sobre o qual não incide tributação, estendido a 17 mil juízes, figuravam, além de uma filha de Fux, Mariana, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e dona de dois apartamentos no bairro nobre do Leblon, estrelas da Lava Jato, como os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas, cuja mulher também recebe o auxílio de R$ 4.300 mensais.

Moro, inclusive, chegou a classificar essa verba como compensação pelo atraso nos reajustes da magistratura, que estava desde 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, sem correção. Como se fosse um supremo RH do Judiciário, Fux corrigiu por conta própria essa anomalia há quatro anos.

Tanta generosidade leva a uma indagação. Até que ponto a decisão de um único ministro do STF, capaz de causar uma sangria de recursos públicos dessa envergadura, em favor de uma categoria de funcionários, pode ser relevada, resolvida com um simples “foi mal”, sem nenhuma penalidade?

A gravidade do que se poderia definir como um caso de gestão temerária no âmbito do Judiciário é preocupante, sobretudo quando se sabe que Fux sentou em cima das liminares que discutiam o auxílio moradia e só as liberou no final do ano passado. Reconhecidamente lerdo nessas questões, o STF nem sequer marcou data para seu julgamento no plenário.

E não se pense que o assunto auxílio moradia foi soterrado pelo polêmico reajuste salarial sancionado por Temer. Ledo engano. Já desde a primeira hora, entidades como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) saíram a campo criticando a decisão do “parça” Fux.

Essas entidades sustentam que o auxilio moradia é um direito legal, tese também defendida por Fux, que recuou por razões táticas, para viabilizar o aumento dos salários.

Na verdade, não sem antes determinar que a suspensão do seu pagamento só deverá ocorrer quando os contracheques de suas excelências registrarem o reajuste aprovado pelo Congresso, ele remeteu a decisão final para o Conselho Nacional de Justiça e para o Conselho Nacional do Ministério Público, que deverá definir quem tem direito de receber o auxílio moradia.

Um pirulito para quem acertar o que vai rolar.