Quem pode levar a sério uma conversa com Trump? – Por Moisés Mendes

Atualizado em 23 de setembro de 2025 às 23:13
O presidente dos EUA, Donald Trump, falando com os braços abertos, sério
O presidente dos EUA, Donald Trump – Reprodução

Lula poderá falar para Janja ou alguém de confiança do impacto que sentiu ao ficar diante de Trump e apertar sua mão inchada. E poderá depois trocar impressões com Putin e Zelensky.

Trump iria acabar com a guerra em encontros com os dois. Parte da esquerda brasileira aliou-se aos mais eufóricos ‘pacifistas’ certos de que um tapete vermelho para Putin seria algo com um grande significado. Trump não iria chamar Putin ao Alaska e estender um tapete vermelho impunemente.

Aconteceu o que todos sabemos. Mesmo que a anunciada conversa com Lula resulte em concessões pontuais, o que importa é que o eixo da relação entre ele e Trump não será alterado.

Trump não fará concessões relevantes a Lula e ao Brasil, porque isso não teria o menor sentido. Trump não pode deixar de ser Trump e Lula não criar um personagem diante do líder do fascismo mundial.

Trump deixaria de ser Trump se corresse o risco de fortalecer Lula internamente e como protagonista do Brics. Ele nunca irá sugerir aos americanos que não se incomoda com a aproximação de Brasil e China.

Trump não aceitaria nada que pudesse representar, não o enfraquecimento de Bolsonaro, que já está morto politicamente, mas da extrema direita que dará sequência ao bolsonarismo sem seu fundador.

Se esse encontro anunciado for apenas uma reunião fracassada, será ruim para Lula mas não será o pior. O desastre acontecerá se, mesmo com toda a precaução de Lula para a armadilha, Trump estiver puxando o brasileiro para uma das suas arapucas.

Se não acontecerem avanços, como não aconteceram depois dos encontros com Putin e Zelensky, se Lula sair derrotado da conversa e se Trump continuar fazendo o jogo do fascismo, ninguém deve se surpreender.

Mas é preciso considerar a hipótese de que, mesmo sem humilhar publicamente Lula, porque esse seria um gesto perigoso, Trump pode usar seu inimigo para mandar o recado de que continua orientando os movimentos de tudo e de todos, na Europa, na Ucrânia, em Israel, na Rússia e no Brasil.

Ao dizer que estava encantado com Lula, Trump mandou a mensagem do mafioso. Ele é quem determina quando e onde conversar, porque está acima de Lula, da ONU e de todo o resto.

A conversa é a concessão de Trump para oferecer espelhinhos a Lula, que não pode nem deve esperar mais. Trump poderá até dizer que entregará os 10 primeiros espelhos e que tem mais 50 numa grande caixa à espera da paz com o Brasil.

Poderá fazer uma lista de produtos que terão redução de tarifas. Economistas que analisarem a lista chegarão à conclusão de que há de fato recuos importantes. Teremos manchetes: Trump revê tarifaço.

Mas o assediador do Brasil, que sabota a economia, ataca o Judiciário e procura jogar Lula num conflito dos Estados Unidos com a Venezuela, não mudará nem depois de três horas de conversa com Lula.

A essência das relações de Trump com Lula e com o Brasil não será alterada, porque não há como desfazer o conjunto de coisas que o incomodam.

Trump não quer salvar Bolsonaro, mas usá-lo para que a extrema direita, sem ele, retorne ao poder. Quer a intensificação da guerra ou dos blefes com o Brics e a China e quer ver Lula encerrando sua vida política no ano que vem.

Imaginemos que, depois do encontro com Lula, Trump cumpra com o roteiro do gesto magnânimo dos gângsteres e anuncie que vai ceder nas tarifas e até na revogação das sanções contra Alexandre de Moraes.

A extrema direita ficará incomodada e parte da esquerda vai comemorar, porque Eduardo e os que ainda o seguem se sentirão traídos. Mas é só isso. Não há diferença entre uma dúzia ou uma centena de espelhinhos.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/