Quem são e que pensam os integralistas, que saíram das sombras com o atentado ao Porta dos Fundos

Atualizado em 4 de setembro de 2020 às 16:53
Eduardo Fauzi Foto: Eduardo Fauzi/Acervo pessoal

Na madrugada de 24 de dezembro do ano passado, três homens jogaram bombas de coquetel molotov na sede do Porta dos Fundos em represália a um um especial de Natal que mostrava um Jesus gay casado com Satanás.

A Polícia Civil identificou um dos autores, Eduardo Fauzi, apresentado na página da Frente Integralista Brasileira (FIB) como presidente estadual no Rio de Janeiro.

Defendido por pessoas como Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, ele teve a prisão temporária decretada por tentativa de homicídio, já que havia um guarda na produtora, e por dano ao patrimônio, além de atentar contra o princípio constitucional da liberdade de expressão.

Decorridos quatro meses do atentado, Fauzi continua foragido, aparentemente na Rússia, e teve seu nome lançado na lista de procurados da Interpol. O Itamaraty até agora não pediu a sua extradição.

A 10a. Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro tem um inquérito aberto.

Fauzi conseguiu a façanha de jogar holofotes sobre um movimento de direita que se julgava extinto no país, o Integralismo.

Por conta disso, o repórter Walter Niyama procurou dirigentes da Frente Integralista Brasileira para buscar respostas. E as obteve junto a dirigentes de São Paulo. Sua reportagem, dividida em quatro partes, começa a ser publicada hoje com exclusividade pelo DCM.

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No final de 2019, as pessoas passaram a perceber militantes de um movimento que muitos popularmente achavam não existir mais: o integralismo. Tudo por conta do atentado ao Porta dos Fundos, O professor do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro “Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”, Leandro Pereira Gonçalves, explica como o grupo e a ideologia se manteve viva:

Leandro Pereira Gonçalves é professor do departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor do livro “Plínio Salgado: um católico integralista entre Portugal e o Brasil (1895-1975)”. Foto: Reprodução/ Facebook

“O integralismo foi fundado em 1932. Quando falamos de integralismo, nós não restringirmos o período apenas nos anos 1930, o período oficial da AIB até o golpe de 37, pois eles continuaram em atividade. Principalmente porque a síntese do pensamento integralista é o fundador Plínio salgado. Então nós debilitamos até a morte do Plínio em 1985 como um período de atividades integralistas”.

Gonçalves explica ainda que a morte de Plínio Salgado marca na história do integralismo uma mudança em que as atividades deles seriam na realidade o que se classificaria de neointegralismo: um movimento reinventado, com novos líderes, composições políticas e ideológicas.

Dentro dessa perspectiva de neointegralismo há diferentes grupos, sendo o maior, senão o com maior poder de divulgação, a Frente Integralista Brasileira (FIB).

Moises Lima é um dos integrantes da FIB. Foto: Divulgação

FIB

Moises Lima, 29 anos, consultor político e atual secretário de Doutrina da Frente Integralista Brasileira (FIB), conheceu o Integralismo de Plínio Salgado ainda na escola, onde ele disse ter percebido “algo muito errado na narrativa que faziam do movimento”, o que o fez pesquisar por conta própria.

Já Lucas Carvalho, 39 anos, analista de sistemas, conheceu o Integralismo antes mesmo de receber aulas sobre o tema na escola, já que ele é bisneto de João Batista de Carvalho, membro da Ação Integralista Brasileira (AIB) e, segundo ele, toda sua família é adepta do movimento. Hoje ele é o diretor-administrativo da FIB.

O que atrai no Integralismo

“Existe uma ausência de representação das pessoas”, afirma Moises. Para ele, o sistema político brasileiro erra ao “importar” para si modelos externos. E que aqueles que supostamente veem o Integralismo fora de uma “ótica socializante ou liberal” se veem representados por ele.

Perguntado sobre qual seria esse sistema que atrairia as pessoas, ele responde: “É um sistema de visão teocêntrica do homem, que vê a sociedade de forma solidária, municipalista, personalista e não individualista, que leva em consideração os anseios do povo brasileiro”.

“Quando meu bisavô viu a notícia sobre a AIB em 1933, falou: ‘É disso que eu venho falando’. As pessoas reconhecem no Integralismo algo que está oculto e que não estava organizado em uma doutrina e agora, com a facilidade da comunicação, as pessoas estão identificando isso novamente”, complementa Lucas.

Militantes da FIB fazem panfletagem no vão livre do MASP em São Paulo. Foto: Wikipedia Commons

Negações

O Integralismo é marcado principalmente por ser um movimento fascista, tanto que muitos, para simplifica-lo, o chamam de “fascismo brasileiro”. Afinal, Salgado se inspirou nas ideias fascistas vigentes na Europa. O movimento ficou marcado não apenas por elementos anticomunistas, mas também antissemitas.

Moises e Lucas negam as afirmações de que o movimento seja antissemita ou mesmo fascista: “Plínio foi um dos primeiros a condenar o ‘fascismo de importação’ em seu livro ‘O Estrangeiro’, nós não temos um nacionalismo xenófobo, mas um nacionalismo cristão, que valoriza o que temos de bom e o que os outros povos contribuem”.

O secretário de Doutrina da FIB diz ainda que há uma confusão sobre a estrutura hierárquica baseada na autoridade. Ele diz que não se trata de uma autoridade repressiva, mas moral: “A autoridade emana da lei natural, da lei revelada, do costume, cultura e tradições”. 

Lucas Carvalho afirma ainda que a “má explicação” sobre o movimento deles ocorre pelo fato do Integralismo ter combatido a doutrina liberal e a marxista e vencido os comunistas. Afirmando ainda que a “esquerda” monopolizou a narrativa na academia no que seria uma “vingança”. Discurso semelhante visto, por exemplo, entre os simpatizantes do projeto Escola Sem Partido.

Além disso, prestigiosos acadêmicos desde os anos 1970, quando o movimento era visto como um objeto da ciência politica, antes de passar para área de história, estudaram e publicaram trabalhos sobre o integralismo. Estudiosos consagrados, com trabalhos no mundo inteiro, como explica o professor Leandro Pereira Gonçalves.

O professor também é categórico ao classificar o integralista como um movimento fascista: “O propósito central eram os preceitos nacionalistas antiliberais, anticomunistas, com o propósito de fundamentar sua política e difundir o seu ideal salvacionista, objetivando o ponto principal que era o estado integral”.

Integralistas fazem a característica saudação acompanhada com o termo “anauê”. Foto: Arquivo/CPDOC

Integralistas fazem a característica saudação acompanhada com o termo “anauê”. Foto: Arquivo/CPDOC.

Ele explica que, no principio do século XX, foi elaborada a teoria do corporativismo moderno, uma doutrina conservadora e reacionária que se apresentou na ocasião como uma solução de terceira via de um estado forte. Mesmo que, para isso, o viés autoritário tivesse que ser estabelecido. O principal ideólogo dela foi Mihail Manoilescu. As variantes do corporativismo iriam inspirar partidos conservadores radicais de direita fascista. 

“Mussolini tinha a frase “tudo no estado, nada fora do estado”, ou seja, o estado como controlador de todas as atividades da sociedade. Porque a ideia do corporativismo é que a sociedade fosse organizada em unidades orgânicas, a família, poderes locais, instituições de interesse, que vão ser submetidos ao modelo eleitoral centrando o individuo nessa representação dentro do estado”, disse o professor.

Plínio Salgado, líder do integralismo, ao centro. Foto: Reprodução/FIB

Ele explica então a ideia de democracia orgânica, defendida pelos integralistas e usada como um dos motivos pelos quais eles seriam “democratas”: “A democracia integralista utiliza o nome “democracia”, mas nada tem de democrático. A democracia orgânica, democracia corporativista, é dentro do nosso olhar de uma sociedade liberal, uma ação autoritária. Porque foi justamente esse modelo que inspirou Mussolini na Itália”. 

Gonçalves destaca ainda que Plínio Salgado era um admirador do fascismo e que existem textos mostrando sua admiração com a grandeza da Itália, o desenvolvimento, e principalmente com o próprio Mussolini e a política na Itália que estava sendo feita naquela ocasião. Plínio chegou a se encontrar com o líder fascista italiano.

“Todas as atividade por trás do integralismo são atividades que estão associadas à proposta fascista europeia, semelhantes não apenas na sua identidade, no conceitual, mas ainda nos aspectos simbólicos”, diz ainda o professor.