Quem são os “celibatários involuntários”, os “incels”, que estão ameaçando de morte a antropóloga Débora Diniz

Atualizado em 25 de novembro de 2018 às 9:09
Débora Diniz

A coluna de Ancelmo Gois, no Globo, registra que a antropóloga Débora Diniz, corajosa professora e pesquisadora da UnB, precisou deixar o Brasil, com o marido, por causa de ameaças de morte.

Conhecida pela atuação em defesa dos direitos reprodutivos das mulheres, Débora está sendo perseguida por um grupo antiaborto de extrema direita que atua na deep web chamado “Celibatários Involuntários”.

Em julho, anunciou-se que ela foi incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal. Bolsominions das mais variadas vertentes de canalhice a agridem diariamente.

A BBC Brasil fez um perfil dos tais celibatários involuntários, os “incels”. É assombroso como caminhamos para trás:

Quando o canadense Alek Minassian atropelou um grupo de pedestres com uma van, matando dez pessoas em Toronto, no Canadá, a notícia correu rapidamente em um grupo muito específico na internet: fóruns de discussão dos autodenominados “incels” – homens que não conseguem ter relações sexuais e amorosas e culpam as mulheres e os homens sexualmente ativos por isso.

O termo “incel” é um diminutivo da expressão “involuntary celibates”, ou celibatários involuntários. A notícia de que Minassian se autodeclarava “incel” virou o assunto principal dos fóruns de conversa desses homens na internet.

Pouco antes do ataque, Minassian havia postado em sua página no Facebook um texto em que dizia: “a rebelião ‘incel’ já começou! Vamos derrotar todos os Chads (homens atraentes e sexualmente ativos) e Stacys (mulheres sexualmente ativas). Todos saúdem o cavalheiro supremo Elliot Rodger!”

Em 2014, Elliot Rodger matou seis pessoas a tiros e facadas, na Califórnia, se matando em seguida. Ele tinha várias publicações em redes sociais falando sobre sua frustração por ser rejeitado e pregando ódio às mulheres. Num vídeo que postou no YouTube, Rodger reclamou de ainda ser virgem aos 22 anos e revelou nunca ter ao menos beijado uma menina. Ele disse ainda que era o “ideal e magnífico cavalheiro” e que não compreendia porque as mulheres não queriam ter relações sexuais com ele. (…)

Eles não são um grupo organizado, mas se reúnem em fóruns de discussões na internet, onde falam sobre sua solidão, sua insegurança ou sobre a frustração por não conseguirem se relacionar.

Esses espaços, no entanto, estão longe de serem apenas grupos de apoio para pessoas com problemas parecidos: se tornaram recantos onde o ódio e a misoginia são livremente disseminados – já que os incels costumam colocar a culpa por sua falta de vida sexual nas mulheres, no feminismo, na própria aparência ou inadequação, nos pais, nos homens sexualmente ativos, na tecnologia, na ‘cultura moderna’.

Os “incels” entraram oficialmente para a lista de grupos radicais que disseminam discurso de ódio do Southern Poverty Law Center, uma entidade americana que monitora grupos extreministas. Segundo a organização, os “incels” são uma nova forma de expressão de uma visão de mundo de supremacistas masculinos. (…)

Homens atraentes e sexualmente ativos são chamados de “chads”. Mulheres sexualmente ativas são chamadas de “stacys”. Mulheres em geral, de “femoids” ou “roasties”. Homens de aparência mediana ganham o apelido de “normies”.

Alek Minassian, “incel” que matou dez pessoas no Canadá

Há incitação direta para a prática de estupros e outros tipos de violência. Muitos são agressivos mesmo com quem demonstra empatia ou oferece ajuda. 

(…) Em novembro ano passado, após denúncias sobre o conteúdo violento e misógino, o site Reddit – que reúne grupos de discussão sobre diversos assuntos – baniu o “/r/incel”, principal grupo de discussão dos “celibatários involuntários”.

Mas outros similares continuam a todo vapor. O “/r/braincels” tem cerca de 17 mil inscritos – embora não seja possível saber quantos são membros ativos e quantos apenas acompanham a movimentação da página por curiosidade. O “/r/incel” tinha 40 mil.

O Reddit não é o único espaço onde esse tipo de comunidade se prolifera. Outros cantos – mais obscuros – da internet também abrigam homens solitários que se unem para falar da sua falta de vida sexual e se rotulam como “incels”. Um deles é o fórum r9k, do site 4chan, que começou com um propósito diferente, mas acabou reunindo muitos homens que se descrevem como “celibatários involuntários”. Outro é o site Incels.me.

Os textos costumam ser anônimos, já que não é preciso usar seu nome real nesse tipo de fórum.

Além da misoginia, há racismo e xenofobia. Um “incel” diz que mulheres “asiáticas e indianas são piores do que Hitler”. (…)

Diversos usuários falam do crime de Alek Minassian com condescendência e até aprovação.

“Toda essa atenção da mídia é empoderadora. Não somos mais só uma imagem para os “normies” ridicularizarem, mas uma fonte de medo”, diz um usuário. “Eu não culpo Alek pelo que ele fez. Culpo a sociedade por tratar os homens como lixo”, diz outro.

Embora a discussão nos fóruns seja sempre em inglês, também há pessoas de países não-anglófonos participando – inclusive brasileiros.

Um deles compartilha seu desejo de “não morrer sem ter tido uma experiência sexual”. “Tenho 27 anos e sou virgem. Tenho pensado em fazer sexo com uma prostituta? Sei que ela vai odiar, porque tenho uma aparência de bosta. O que acham?”, pergunta.

Alguns incentivam, outros desencorajam. “Prostitutas não contam como mulheres de verdade”, responde um usuário no “Incels Without Hate”.

Na comunidade em português do Brasil no Reddit, outros brasileiros dizem participar ou ter participado de grupos como esses.

“Chegou num ponto que eu parei porque não aguentava mais a negatividade, mas entendo perfeitamente o que leva as pessoas a terem essa negatividade”, diz um usuário.