Quem são os ministros de Alberto Fernández responsáveis pela missão de tirar 40% dos argentinos da pobreza

Atualizado em 15 de dezembro de 2019 às 13:54
Fernández restituiu pastas da Saúde, Cultura, Trabalho, Ciência e Tecnologia, e Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e criou três novos / Frente por Todos

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR NARA LACERDA

O grupo de ministros e ministras que assume o comando da Argentina na nova gestão de Alberto Fernández e Cristina Kirchner tem pela frente tarefas tão urgentes quanto diversas.

Fernández iniciou a gestão com uma estrutura de vinte ministérios e quatro secretarias e escolheu nomes jovens, técnicos, mas também velhos aliados. Além disso, criou novas pastas e trouxe de volta estruturas que foram extintas pelo ex-presidente Mauricio Macri, numa tentativa de contenção de gastos, que acabou não gerando muitos resultados.

As atenções estão voltadas principalmente para a área econômica, que tem como missão negociar uma dívida recorde com o Fundo Monetário Internacional.

Em 2018 o Fundo Monetário Internacional (FMI) emprestou para o país – sob a gestão de Macri – US$ 57 bilhões. O valor representa o maior volume concedido em toda a história da instituição e o acordo é de que a maior parte do pagamento seja realizada em 2021 e 2022.

Para encabeçar as negociações, o presidente escolheu o economista de 37 anos, Martín Guzmán. O novo ministro da Economia é pesquisador do programa de Reestruturação de Dívida Pública da Escola de Negócios da Universidade de Columbia e pupilo do Nobel, Joseph Stiglitz. Ele tem perfil acadêmico e pouca experiência em política. Mas é considerado um recado e uma resposta ao que foi feito durante o governo anterior.

Antes mesmo de tomar posse, Martín Guzmán se reuniu com a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Gueorguieva. A nova gestão já sinalizou que vai trabalhar para reestruturar a dívida e aumentar prazos de pagamentos, em busca de tempo para ter chances de fortalecer a economia argentina.

“Nós não podemos pagar nas condições em que está a economia argentina”, alertou o novo presidente em entrevista no início de novembro.

À frente do Banco Central e encarando índices de inflação que derreteram o poder de compra da população, está o também economista Miguel Angel Pesce, de 57 anos. Especializado em política monetária ele esteve na vice-presidência do órgão entre 2004 e 2005, durante o governo de Néstor Kirchner, e é um notório conhecedor das estruturas e do funcionamento da instituição.

Sobre as políticas da gestão anterior para controlar a alta dos preços, Pesce afirmou: “Macri teve uma visão ingênua e foi mal assessorado”. O novo presidente do BC atacou também o afastamento entre Fazenda e Banco Central e afirmou ser necessário um pacto social para conter a inflação.

“A inflação é um fenômeno complexo. Você precisa se sentar com as empresas de formação de preços, com o setor público, os sindicatos e resolver o problema tentando não afetar a lucratividade. Se você acha que com quantidade de dinheiro e taxa de juros vai resolver, você está errado.”

O professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Argemiro Procópio Filho alerta que, além do pacto social e de possibilidades positivas na exportação agrícola e na exploração de combustível fóssil, o país precisa garantir segurança jurídica a investidores.

“No discurso de posse dele já tem alguns pontos básicos. Ele mostrou que tem que ter crescimento. Inclusive, mostrou que tem que ter crescimento para pagar a dívida. Não se paga a dívida sem crescimento, a dívida da Argentina é assustadora. Para poder ter emprego, para poder ter novas indústrias, para poder ter investimento, ele tem que ter investidor. O investidor tem que ter segurança jurídica, que não foi oferecida. Isso falta na Argentina.”

Se a agenda econômica vai concentrar a atenção do novo governo argentino neste início de gestão, o presidente Fernández precisará aliar esse compromisso à solução de problemas que passaram a fazer parte do cotidiano da população de maneira agressiva. Mais de 40% dos argentinos vivem hoje abaixo da linha da pobreza.

As questões sociais são foco principal no discurso da equipe econômica e se traduzem na restituição dos ministérios de Saúde, Cultura, Trabalho, Ciência e Tecnologia, e Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Fernández criou também os ministérios de Desenvolvimento Produtivo e Habitat e Moradia e das Mulheres, Gênero e Diversidade.

No comando desta última pasta, foi muito celebrada a presença da advogada Elizabeth Gómez Alcorta, militante feminista e defensora pela despenalização do aborto. No entanto, no anúncio do grupo ministerial, o mandatário foi criticado por não colocar em prática a diversidade que tanto cita. O gabinete é composto por 17 homens e quatro mulheres.

Ainda na área social, Fernández escolheu Sabina Frederic para o ministério da Segurança, com uma defesa de abordagens que respeitem os direitos humanos. Ao falar sobre o cineasta Tristan Bauer, novo ministro da Cultura e que já trabalhou no governo de Cristina Kirchner, o presidente eleito confirmou as expectativas de que a intenção é unir áreas para o trabalho de reconstrução do país.

“Os povos precisam acabar com a fome, mas também alimentar o espírito.”

Mas, para além da diversidade e dos novos nomes, o ministério anunciado por Fernández também traz velhos políticos da Argentina. Talvez o mais emblemático deles, o novo ministro de Relações Exteriores, Felipe Solá, já foi governador de Buenos Aires, deputado, e ocupou cargos em diversos governos e blocos políticos.

O presidente eleito o classifica como “amigo de quase toda uma vida”, mas a presença de Solá no governo é polêmica. Ele estava a frente da administração de Buenos Aires em 2002 quando policiais mataram dois homens durante um protesto.

O crime ficou conhecido como Massacre de Avellaneda e as famílias das vítimas, Darío Santillán e Maxiliamo Kosteki, exigem até hoje a responsabilização do atual chanceler.

Independentemente das polêmicas e desafios, a formação do governo de Fernández coloca a Argentina em uma posição diferencial e isolada do movimento conservador que vem tomando a América Latina, como explica o economista Emiliano López, docente e pesquisador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet).

“Veremos quais são as potencialidades posteriores desse gabinete e as políticas possíveis no marco da conjuntura latino-americana, que deixa a Argentina bastante isolada e sozinha.”

Ainda assim, na análise de Lopez a diversidade é uma grande virtude do grupo, que ele chama de frente anti-neoliberal.

“Temos vários ministros e ministras que provêm de organizações políticas e sociais, tanto na área de gênero, mulher e diversidade (…) isso é muito positivo. Há também um retorno da hierarquização do ministério da Ciência e Tecnologia que tinha sido reduzido à secretaria no governo anterior e agora volta a ser prioridade. Em terceiro lugar, o ministério vinculado ao Desenvolvimento Social, à economia social e popular, nas instâncias altas deste gabinete participarão dirigentes de movimentos sociais que estiveram na luta contra o governo anterior e que representam a organização popular com mais peso nos últimos anos. E há outras mudanças importantes na saúde, na educação, que voltaram a ser ministérios e onde há dirigentes importantes. Em geral, acredito que há uma expressão bastante heterogênea da Frente de Todos, mas em relação ao que se esperava, é um gabinete progressista.”

Reconciliação

Um dos principais desafios de Alberto Fernández das principais delas é superar as diferenças que existem dentro do próprio governo.

Para garantir unidade no enfrentamento do desgaste econômico e do crescimento da pobreza, a equipe precisará deixar de lado antigos embates e alinhar pensamentos divergentes.

O professor Argemiro Procópio Filho, lembra os conflitos entre o presidente Fernández e a vice, Cristina Kirchner. Ele foi chefe de gabinete do governo dela, mas se tornou crítico da gestão de Cristina após um rompimento traumático em 2008.

“Tem duas correntes peronistas no poder. Os dois já foram grandes inimigos no passado. Como vão superar essas diferenças? Esse é o problema. Até quando vai durar essa lua de mel? É um peronismo torre de babel.”

Augusto Oliveira, professor da Escola de Humanidades da PUC do Rio Grande do Sul, ressalta que o objetivo em comum de reverter a gravíssima situação econômica, deve garantir unidade da equipe, pelo menos nos primeiros meses de governo.

“A curto prazo a tendência é que essa diversidade não gere maiores inconvenientes. O governo, na sua montagem ministerial, reflete a busca de fortalecer essa coalização dentro de um campo muito diversificado, mas preocupado em manter essa união. Claro que, na medida em que o governo avançar, tensões podem surgir, mas eu não diria que é uma receita comprometida.”