Quem tem medo de Carmen Silva Ferreira? Por Maria Amélia Rocha Lopes

Atualizado em 27 de julho de 2019 às 12:13
Foto de Caco de Paula

PUBLICADO NO JORNALISTAS LIVRES

POR MARIA AMÉLIA ROCHA LOPES

Por que o poder público teme tanto a baiana Carmen Silva Ferreira, que lidera o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC)? Será, talvez, por ela ter soluções para a gestão pública, tanto na área de moradia quanto de emprego, educação e saúde? Nesta terra movida a dinheiro há, provavelmente, quem desconfie de suas melhores intenções, mesmo jamais tendo sido vista pleiteando algo a seu próprio favor.

Deve ser difícil para o gestor eleito conhecer essa mulher que trabalha para os sem-teto dentro dos rigores da lei. E a lei diz que os edifícios abandonados, cheios de dívidas com a Prefeitura de São Paulo, deixam de cumprir sua função social. Como leiga, posso concluir que a sua ocupação, portanto, não fere nenhum dispositivo de lei.

O Brasil é signatário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU. E lá está escrito: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. E isso tem força de lei, embora grande parte dos brasileiros viva muito distante desses padrões.

Pude conhecer melhor dona Carmen quando a entrevistei no programa Bom para Todos, da TVT. Firme, séria, determinada, objetiva, foram os primeiros adjetivos que me vieram à mente. Suas respostas para as questões de moradia são muito simples e claras. Ela sabe como resolver o déficit habitacional numa cidade como São Paulo, ela sabe como tirar as pessoas das ruas, devolver-lhes a dignidade. É intuitiva e prática.

No entanto, os gestores das políticas públicas da cidade preferem ignorar a sua sabedoria. Preferem vê-la encarcerada. Assim, talvez seja mais fácil conter a disseminação de ideias que podem mudar a história da população miserável. Uma escravidão jamais resolvida paira sobre as nossas cabeças. Não há empatia para com os pretos, pobres e periféricos. A eles devem ser destinados os confins, as beiradas da cidade, sem transporte, trabalho, educação e saúde. Assenzalas do século XXI.

Carmen Silva Ferreira ousou desafiar essa lógica. Ela e seus filhos estão sofrendo na carne por isso. Se nos resta um pouco de humanidade, solidariedade e empatia, não podemos nos conformar.