“Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?”, questiona professor de Harvard

Atualizado em 22 de agosto de 2019 às 18:31
Queimadas na Amazônia

Em artigo publicado na revista Foreign Policy, Stephen M. Walt, professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, levanta a possibilidade de uma intervenção internacional para salvar a Amazônia.

POR STEPHEN M. WALT

5 de agosto de 2025: em um discurso em rede aberta para a nação, o presidente dos EUA, Gavin Newsom, anunciou que havia dado ao Brasil um ultimato de uma semana para cessar as atividades destrutivas de desmatamento na floresta amazônica. Se o Brasil não cumprisse, avisou o presidente, ele ordenaria um bloqueio naval dos portos e ataques aéreos contra infraestruturas brasileiras. A decisão do presidente veio no rescaldo de um novo relatório das Nações Unidas catalogando os efeitos globais catastróficos da contínua destruição das florestas tropicais, que alertavam para um “ponto crítico” que, se atingido, provocaria uma rápida aceleração do aquecimento global.

Embora a China tenha declarado que iria vetar qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU autorizando o uso da força contra o Brasil, o presidente disse que uma grande “coalizão de estados preocupados” estava preparada para apoiar a ação dos EUA. Ao mesmo tempo, Newsom disse que os Estados Unidos e outros países estão dispostos a negociar um pacote de compensação para mitigar os custos para proteger a floresta tropical, mas somente se o Brasil cessar seus esforços atuais para acelerar o desenvolvimento.

O cenário acima é obviamente exagerado – pelo menos eu acho que é – mas até onde você iria para evitar danos ambientais irreversíveis? Em particular, os estados têm o direito – ou mesmo a obrigação – de intervir em um país estrangeiro a fim de evitar que este cause danos irreversíveis e possivelmente catastróficos ao meio ambiente?

Levanto essa questão à luz das notícias de que o presidente Jair Bolsonaro está acelerando o desenvolvimento da floresta amazônica (60% das quais estão nas mãos dos brasileiros), pondo assim em perigo um recurso global crucial. Como aqueles de vocês com mais respeito pela ciência do que Bolsonaro sabem, a floresta tropical é tanto um sumidouro de carbono importante quanto um regulador de temperatura, bem como uma fonte essencial de água doce.

O desmatamento já prejudicou sua capacidade de desempenhar esses papéis cruciais, e cientistas brasileiros estimam que condições cada vez mais quentes e secas poderiam converter boa parte da floresta para a savana seca, com efeitos potencialmente catastróficos.

Na semana passada, a matéria de capa da revista Economist, pró-empresa e orientada para o livre mercado, foi “Deathwatch for the Amazon”, que enquadra a questão muito bem. Para reafirmar minha pergunta inicial: o que a comunidade internacional pode (ou deve) fazer para evitar que um presidente brasileiro equivocado (ou líderes políticos em outros países) adote ações que possam prejudicar a todos nós?

Aí é que fica complicado. A soberania do Estado é um elemento crucial do atual sistema internacional; com certas exceções, os governos nacionais são livres para fazer o que quiserem dentro de suas próprias fronteiras. Mesmo assim, a casca dura da soberania nunca foi absoluta, e várias forças foram se desdobrando por muito tempo.

Os Estados podem ser sancionados por violar o direito internacional (por exemplo, desafiando resoluções do Conselho de Segurança da ONU), e o direito internacional autoriza os países a entrar em guerra por autodefesa ou quando o Conselho de Segurança autorizar ações militares. É até legal atacar o território de outro país preventivamente, desde que haja uma base bem fundamentada para acreditar que ele estava prestes a atacá-lo primeiro.

Mais em controvérsia, a doutrina da “responsabilidade de proteger” procurou legitimar a intervenção humanitária em potências estrangeiras quando o governo local era incapaz ou não estava disposto a proteger seu próprio povo. E, na prática, os Estados aceitam rotineiramente as infrações à sua própria soberania, a fim de facilitar formas benéficas de cooperação internacional.

Quando a pressão chega, no entanto, a maioria dos estados se ressente e resiste aos esforços externos para levá-los a mudar o que estão fazendo dentro de suas próprias fronteiras. E mesmo que a destruição da floresta amazônica represente uma clara e óbvia ameaça para muitos outros países, dizer ao Brasil para parar e ameaçar tomar medidas para deter, punir ou prevenir seria um jogo inteiramente novo. E eu não quero destacar o Brasil: seria um passo igualmente radical ameaçar os Estados Unidos ou a China se eles se recusassem a emitir tantos gases do efeito estufa.

Não é como se os líderes mundiais não tivessem reconhecido a gravidade do problema. As Nações Unidas consideraram a degradação ambiental como uma “ameaça à paz e segurança internacional”, e o ex-representante de política externa da União Européia, Javier Solana, argumentou em 2008 que a mudança climática “deve estar no centro das políticas externas e de segurança da UE”. já identificaram várias maneiras pelas quais o Conselho de Segurança poderia agir para evitá-la.

Como os pesquisadores Bruce Gilley e David Kinsella escreveram há alguns anos, “é pelo menos legalmente viável que o Conselho de Segurança invoque sua autoridade sob o Artigo 42, e use força militar contra os Estados que considera ameaças à paz e segurança internacionais em virtude de sua falta de vontade ou incapacidade de refrear as atividades destrutivas que emanam de seus territórios”.

A questão, portanto, é até que ponto a comunidade internacional estaria disposta a ir para prevenir, suspender ou reverter ações que possam causar danos imensos e irreparáveis ​​ao meio ambiente do qual todos os seres humanos dependem? Pode parecer improvável imaginar estados ameaçando uma ação militar para evitar isso hoje, mas torna-se mais provável que as estimativas mais pessimistas de nosso futuro climático se mostrem corretas.

Mas aqui está um paradoxo cruel: os países que são os maiores responsáveis ​​pelas mudanças climáticas também são os menos suscetíveis à coerção, enquanto a maioria dos estados que podem ser pressionados a tomar medidas não são fontes significativas do problema subjacente. Os cinco principais emissores de gases do efeito estufa são a China, os Estados Unidos, a Índia, a Rússia e o Japão – quatro deles são estados de armas nucleares e o Japão é uma potência militar formidável por si só.

Não é provável que ameaçar qualquer um deles com sanções funcione, e ameaçar uma séria ação militar contra eles é completamente irrealista. Além disso, é improvável que o Conselho de Segurança autorize o uso da força contra estados muito mais fracos, porque os membros permanentes não gostariam de estabelecer esse precedente e quase certamente vetariam a proposta.

É isso que torna o caso brasileiro mais interessante. O Brasil está de posse de um recurso global crucial – por razões puramente históricas – e sua destruição prejudicaria muitos estados, se não o planeta inteiro. Ao contrário de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto. Mas o Brasil não é um verdadeiro grande poder, e ameaçá-lo com sanções econômicas ou mesmo com o uso da força se ele se recusar a proteger a floresta tropical pode ser viável. Para deixar claro: não estou recomendando esse curso de ação agora ou no futuro. Estou apenas apontando que o Brasil pode ser um pouco mais vulnerável à pressão do que alguns outros estados.

Pode-se também imaginar outros remédios para esse problema. Os Estados certamente poderiam ameaçar ou impor sanções comerciais unilaterais contra Estados ambientalmente irresponsáveis, e os cidadãos poderiam sempre tentar organizar boicotes voluntários por razões semelhantes. Alguns estados deram passos nesse sentido, e é fácil imaginar tais medidas se tornando mais difundidas enquanto os problemas ambientais se multiplicam. Alternativamente, os estados que governam o território ambientalmente sensível poderiam ser pagos para preservá-lo, no interesse de toda a humanidade. Com efeito, a comunidade internacional estaria subsidiando a proteção ambiental por parte daqueles que possuem os meios de fazer algo a respeito.

Essa abordagem tem o mérito de não desencadear o tipo de reação nacionalista que uma campanha coercitiva pode provocar, mas também pode incentivar alguns países a adotar políticas ambientalmente irresponsáveis, na esperança de obter retornos econômicos de uma comunidade internacional preocupada.

Isso tudo é muito especulativo, e eu comecei a pensar em algumas das implicações desses dilemas. No entanto, acho que sei o seguinte: em um mundo de estados soberanos, cada um fará o que deve para proteger seus interesses. Se as ações de alguns estados estão pondo em perigo o futuro de todo o resto, a possibilidade de confrontos sérios e possivelmente de sérios conflitos vai aumentar. Isso não torna o uso da força inevitável, mas esforços mais sustentados, enérgicos e imaginativos serão necessários para evitá-lo.