Quem vai responder pela morte de uma jovem executada pela PM numa perseguição de carro?

Atualizado em 12 de janeiro de 2015 às 10:32
Haíssa
Haíssaquem

 

No mês de agosto do ano pasado, a jovem Haíssa Motta estava acompanhada de amigos e voltava de uma festa em Nilópolis, Baixada Fluminense. O carro em que viajavam começou a ser perseguido e recebeu nove tiros. Haíssa, 22 anos, morreu.

Os disparos foram efetuados por policiais militares.

O caso ganhou repercussão no último final de semana graças a divulgação de um vídeo feito com imagens de dentro da viatura. As imagens mostram a perseguição em alta velocidade e o sargento Márcio Alves atirando ao mesmo tempo em que grita (pela janela) para que os perseguidos parem. Também passa ordens para que o PM que conduz o carro ligue a sirene.

Tão logo o veículo para, os PMs se dão conta do que fizeram. Amigos de Haíssa entram em desespero. Na tentativa de justificarem-se, os policiais perguntam: “por que não pararam?”

O vídeo pode suscitar alguma compreensão com a atitude dos guardas. Estavam em busca de um carro informado (na verdade um Sandero e não o HB20 em que estava a jovem) e ouve-se seu ordenamento para que parem o veículo. Mas e se o carro perseguido também dispusesse de câmeras? Não é nenhum devaneio supor que os jovens, com som alto, sem ouvir as ordens de parar e vendo-se perseguidos por um carro com farol alto (experimente olhar no retrovisor e veja se reconheçe quem está atrás de você numa situação desses), em plena Baixada Fluminense, tenham se assustado e optado pela fuga. Tiros começam a ser disparados em sua direção, o que você faz com o pé direito no acelerador?

A presidente Dilma já sancionou o projeto de lei de autoria de Marcelo Crivella que busca reduzir o número de vítimas em ações policiais.

De acordo com o texto, está proibido o uso de armas de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou contra veículo que desrespeite bloqueio policial (desde que a situação não represente risco de morte ou de lesão a policiais e a terceiros).

A lei exige ainda que os policiais tenham treinamento para usar instrumentos projetados que não causem mortes ou lesões permanentes, que disponham deles quando em ação e que têm o dever de prestar socorro e comunicar o fato, imediatamente, às famílias deles. A nova lei foi inspirada no Código de Conduta para Policiais proposto pela ONU.

Para Haíssa Motta e seus familiares tudo isso veio tarde demais.

Segundo Crivella, a nova lei determina que os policiais “observem sempre os princípios da legalidade, da necessidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, usando prioritariamente equipamentos de menor poder ofensivo durante sua atividade.” Dizendo-se surpreso, o senador afirma que a lei está sofrendo resistência após sua promulgação. Os tradicionais amigos da bala alegam que ela enfraquece a autoridade policial. Você leitor, se surpreende? Acredita que, com uma reação dessas, seja possível que a polícia algum dia alcance o nirvana da ‘legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade’?

A imposição da autoridade pela violência e pelo medo é um desvirtuamento de uma instituição que possui sim a legitimidade do uso da força, desde que sujeita a regras e limites. A nova lei é mais uma tentativa de estabelecer esses limites e impor as regras. Vai funcionar?

Quando comparados os dados de violência policial causadora de morte com outros países, nosso retrato é horrível. De um brutalismo atroz. Muito ainda se precisa fazer em termos de formação dos policiais pois leis servem muito mais para definir as penalidades pós ocorrido. Só uma boa formação, treinamento e preparo têm efeito preventivo.

No vídeo, ao reconhecer a insanidade que havia cometido, ouve-se o sargento dizer: “Não justifica ter dado tiro, tá bom?” Não, claro que não está bom. Não está nada bom. Dá para melhorar?