Quem vão culpar agora? Surgem novas queimadas em área de proteção de Alter do Chão. Por Fábio Zuker

Atualizado em 30 de novembro de 2019 às 20:23
Alter do Chão. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no Amazônia Real:

POR FÁBIO ZUKER

A reportagem da Amazônia Real flagrou na tarde deste sábado (30) duas nuvens de fumaça de queimada na região da Área de Proteção Ambiental (APA) de Alter do Chão, no oeste do Pará. Desde o mês de setembro a Polícia Federal investiga crimes ambientais na unidade de conservação. A agência comunicou o caso ao Corpo de Bombeiros da Polícia Militar (CBPM), com sede em Belém. A assessoria de imprensa dos Bombeiros respondeu à Amazônia Realque iria averiguar. Até a publicação desta matéria, a corporação não havia retornado

O primeiro foco de queimada na APA de Alter do Chão neste sábado foi avistado pela reportagem às 15h34 (horário de Brasília) na região do Lago Verde, atrás da praia conhecida por locais como Ponta da Valéria. A fumaça escura típica da queima de vegetação permaneceu por cerca de vinte minutos. O fogo parecia distante cerca de 4 quilômetros do lado habitado do Lago Verde, onde banhistas aproveitavam a tarde de sábado para lazer.

Às 17h10, surgiu no céu uma segunda fumaça vinda da unidade de conservação, ficando visível por cerca de dez minutos. A fumaça apareceu ainda mais próxima da região conhecida por locais como Capadócia, onde em setembro começou um grande incêndio florestal que devastou cerca de 1.175 hectares da APA Alter do Chão, o equivalente a pouco mais de 1.600 campos de futebol.

Desde o início das investigações, a Polícia Federal suspeita que os envolvidos nos crimes ambientais na unidade de conservação sejam grileiros, madeireiros e fazendeiros interessados na especulação imobiliária no balneário Alter do Chão. Banhado pelo rio Tapajós, a Vila de Alter do chão tem cerca de 6.000 habitantes e é o maior destino turístico do oeste paraense.

Já a Polícia Civil do Pará acusa brigadistas voluntários e organizações não-governamentais como suspeitos de atear fogo na APA Alter do Chão. Segundo a Polícia Civil, o esquema dos brigadistas envolveria ONGs como o Instituto Aquífero Alter do Chão e o Projeto Saúde e Alegria por suspeitas de

Na última terça-feira (26), a Polícia Civil realizou a operação “Fogo Sairé”, que recebeu grande aparato institucional, cobertura da imprensa e publicidade no site do governo de Hélder Barbalho (MDB), apoiador do presidente Jair Bolsonaro, que continua acusando ONGs nacionais e internacionais de serem responsáveis pelos incêndios florestais na Amazônia.

Durante a operação foram presos os brigadistas voluntários João Victor Pereira Romano, 27 anos, que é produtor de audiovisual e presidente do Instituto Aquífero Alter do Chão; o fotógrafo Daniel Gutierrez Govino, 36 anos, que é vice-presidente do instituto; Gustavo de Almeida Fernandes, 36 anos, que é turismólogo, tesoureiro do instituto e funcionário da organização não governamental Projeto Saúde e Alegria (PSA); e o economista Marcelo Aron Cwerver, 36 anos, que é proprietário da agência de turismo fluvial Marupiara Expedições. Eles e as ONGs alegam inocência.

Na quinta-feira (28), o juiz Alexandre Rizzi, da 1ª Vara Criminal de Santarém, que havia decretado as preventivas dos brigadistas e os mandou para o presídio (todos tiveram as cabeças raspadas) reanalisou sua própria decisão, e concedeu a liberdade provisória dos brigadistas. O magistrado foi informado pelo delegado que presidia o inquérito, Fábio Amaral Barbosa, de que a análise dos documentos apreendidos – entre eles, aparelhos de celulares e mídias eletrônicas – demandaria mais tempo do que o prazo determinado para conclusão do inquérito, o que provocaria um constrangimento legal aos presos – o que seria inconstitucional e uma violação de direitos humanos..

O delegado Amaral Barbosa foi afastado das investigações pelo governador Hélder Barbalho. Antes, o Ministério Público Federal pediu vistas ao inquérito, no dia 27, sob a alegação de que apura a responsabilidade dos incêndios na APA Alter do Chão e, no procedimento, não há indícios do envolvimento dos brigadistas.

Assumiu as investigações da Polícia Civil o atual diretor da Especializada em Meio Ambiente do Pará, o delegado Waldir Freire Cardoso. Foi ele que presidiu as investigações do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada por pistoleiros e a mando de fazendeiros no município de Anapu, em 2005.

Em nota, o MPF disse que “na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil”. A Promotoria pode pedir a federalização do caso.

As prisões dos brigadistas de Alter do Chão chamaram atenção da Anistia Internacional e Conselho Nacional dos Direitos Humanos CNDH, que criou a Missão Alter do Chão para apurar denúncia de uma provável ação abusiva do Estado do Pará no sentido de violar o direito de livre atuação da sociedade civil e criminalização dos movimentos sociais na divulgação da prisão dos quatro jovens da Brigada Alter do Chão.

Acusação tem até DiCaprio

O delegado José Humberto Melo Jr., coordenador da operação “Fogo Sairé”, afirmou na ocasião da prisão, que investigou a movimentação financeira do Instituto Aquífero Alter do Chão e do Projeto Saúde Alegria. Ele  encontrou supostos indícios de que os brigadistas estariam ateando fogo na floresta em troca de doações. “A Saúde e Alegria tem o CNPJ, só que o instituto Aquífero não tinha CNPJ. Então eles recebiam pela Saúde e Alegria”, disse o delegado.

Em outro ponto da investigação, Melo Jr. afirma que “percebemos que a pessoa jurídica deles (das ONG’s) conseguiu um contrato com a WWF, venderam 40 imagens para o WWF para uso exclusivo por R$ 70 mil, e a WWF conseguiu doações com o ator Leonardo DiCaprio no valor de US$ 500 mil”.

Em nota, o WWF-Brasil afirmou que não adquiriu nenhuma foto ou imagem da Brigada de Alter do Chão e não recebeu doação do ator norte-americano Leonardo DiCaprio, que possui uma fundação de apoio à preservação ambiental.

A organização disse que firmou um contrato de Parceria Técnico-Financeira com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a viabilização da compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão, no valor de R$ 70.654,36.

Como prova do crime ambiental contra os brigadistas, o delegado Melo Jr. apresentou um vídeo, divulgado pela Brigada de Alter do Chão na rede social o YouTube, em que os rapazes mostram um exercício de apagar fogo. Para o policial “ali não teria como começar um incêndio se não fosse por eles. Começou dali toda nossa investigação”, afirma.

Segundo o delegado José Humberto Jr., as imagens do fogo no vídeo é suspeita, pois teriam sido assim que os brigadistas fizeram fotos para conseguir dinheiro das ONGs internacionais. “Com base nestas imagens, a polícia pediu a quebra de sigilo telefônico de quatro voluntários”, diz o policial

Provas frágeis

Um dos advogados dos ambientalistas, Michell Mendes Durans da Silva diz que os vídeos utilizados como prova contra os brigadistas são de treinamento. “Dentro do inquérito policial, possuem alguns vídeos. Esses vídeos dão conta de um treinamento, que é feito pela brigada”, afirmou Durans.

O advogado Durans ressaltou que o “treinamento, inclusive, é feito pelos bombeiros. Para que eles pudessem ganhar a certificação de brigada de incêndio”.

Durans salientou que em um dos vídeos é utilizada uma técnica denominada fogo contrafogo: “utilizada para apagar incêndios, e ela só pode ser feita com a presença de bombeiros. Se observado no vídeo, os bombeiros estão presentes.”

Diante da fragilidade das investigações da Polícia do Pará, Guilherme Fernandes, irmão de um dos brigadistas presos, não descarta uma perseguição política para as acusações contra os brigadistas de Alter do Chão.

“Seria leviano eu acusar qualquer tipo de perseguição, mas fica evidente que é preciso investigar, pois me parece mais um episódio de perseguição do Governo Bolsonaro contra ONGs que defendem os direitos humanos, de indígenas, meio ambiente e que vão de encontro aos objetivos do governo que são destruição, higienização e alienação da população para uma causa maior”.

Nesta sexta-feira (29), o presidente Jair Bolsonaro, durante conversa com alguns eleitores em frente ao Palácio do Alvorada, acusou Leonardo DiCaprio de “dar dinheiro para tacar fogo na floresta”, em referência aos brigadistas presos. A declaração teve repercussão mundial.

Em agosto passado, a fundação Earth Alliance, criada pelo ator junto com os filantropos Laurene Powell Jobs (viúva de Steve Jobs) e Brian Sheth, anunciou um fundo no valor de 5 milhões de dólares (20,5 milhões de reais) para ações de combates às queimadas e incêndios florestais na Amazônia.

Neste sábado, Leonardo DiCaprio divulgou nota em sua página no Instragram dizendo que sua fundação não financia as organizações “que estão atualmente sob ataque”, referindo-se ao WWF e às organizações de brigadistas de Alter do Chão. No entanto, ele falou que elas “certamente são dignas de apoio”.

DiCaprio também fez elogios ao povo do Brasil “que trabalha para salvar seu patrimônio natural e cultural”.

Um dos trechos da nota diz: “Continuo comprometido em apoiar as comunidades indígenas brasileiras, governos locais, cientistas, educadores e público em geral que estão trabalhando incansavelmente para garantir a Amazônia”.

Coletiva dos brigadistas

Neste domingo (1º), os brigadistas voluntários João Victor Pereira Romano, Daniel Gutierrez Govino e Gustavo de Almeida Fernandes irão conceder a primeira entrevista coletiva à imprensa em Alter do Chão, no distrito de Santarém.