“Quero ver Bia Doria parir em abrigo e ainda achar atrativo”, diz moradora de rua

Atualizado em 9 de julho de 2020 às 16:26

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Eureni segura a filha durante manifestação em frente à Prefeitura de SP | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

Por Arthur Stabile

Eureni Aparecida de Oliveira, 39 anos, tentava tranquilizar a filha mais velha em frente à Prefeitura de São Paulo, no centro da capital paulista, no fim da manhã desta quarta-feira (8/7). Ali acontecia um protesto da população de rua com objetivo de cobrar ações do poder público em meio à pandemia de coronavírus.

“Onde está a assistência social num momento desses? Sua função é auxiliar, não humilhar”, afirma Eureni, quando provocada sobre as falas da primeira dama paulista e presidente do Fundo Social São Paulo, Bia Doria. “Achei um absurdo”, diz Eureni. “Para quem tem condição é fácil julgar os outros. Ela abriria mão da conta bancária gorda e de uma vida de luxo para sair e trabalhar? Precisa colocar a mão na consciência antes de falar”, dispara.

No dia 3 de julho, a esposa do governador João Doria e a socialite Val Marchiori criticaram assistência social a quem vive na rua, sejam políticas públicas ou ações da sociedade civil. “Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar de que ela tem que sair da rua. A rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua”, declarou Bia Doria.

Mãe de duas filhas, Eureni está na rua desde o nascimento da menor, que tem um ano e está dentro do carrinho, enquanto a mais velha, corre no espaço amplo em frente ao prédio da prefeitura. Eureni conta não ter chegado ao extremo de dormir na calçada com as duas crianças.

“Por sorte tenho uma amiga que nos deixa dormir no apartamento dela que está à venda”, conta. Ela chegou a usar o auxílio emergencial do governo, no valor de R$ 1,2 mil, para pagar um quarto de hotel onde dorme com as duas. “Vim para a rua por desunião da família e pelo desemprego”, explica.

Segundo ela, o pai das crianças não ajuda. Nem sequer paga a pensão, em torno de R$ 700. “Disse que pagaria só com exame de DNA, mesmo sabendo que são filhas dele. É só para atrasar o lado”, desabafa a mulher, nascida no Bresser, zona leste da capital paulista.

Eram cerca de dez barracas postas na frente do prédio do governo de Bruno Covas, também do PSDB. O grupo dormiu ali na frente, enfrentando ventos fortes na madrugada. A principal reivindicação é conseguir vaga em hotéis pagos pela Prefeitura. Havia uma reunião marcada às 11h com representantes do governo municipal, mas até as 16h ninguém havia os recebido.

Não bastasse o perrengue, alguns caíram no que chamaram de conto de uma cama. Durante a noite, explicam ter sido abordados por funcionários da Prefeitura com a promessa de serem encaminhados a um abrigo para poderem dormir em paz. Alguns aceitaram. Ao chegarem, o lugar estava lotado.

“Distribuíram encaminhamentos falsos. Eu caí. Estava com o papel e me bloquearam”, denuncia Álvaro Rodrigues, 35 anos, na rua desde a morte do avô, em 2014. “Morava com ele. Até mantive a casa quando faleceu, mas perdi o emprego e estou nessa vida”. Duas semanas antes, conta ter perdido a barraca para o rapa (ação de funcionários da Prefeitura quando recolhem as coisas da população de rua, como cobertas e itens pessoais). “Levaram documento, me deram borrachada. Agora nem em albergue eu entro. Não aceitam o boletim de ocorrência para eu entrar”, diz.