‘Ração humana” da prefeitura de São Paulo é “inaceitável”, afirma pesquisadora da USP

Atualizado em 14 de outubro de 2017 às 20:53
A “farinata” de Doria

Publicado na Rede Brasil Atual

O programa Alimento para Todos, lançado no último dia 8 de outubro pela prefeitura de São Paulo, continua recebendo críticas de especialistas em Nutrição. De acordo com a nutricionista e pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Renata Levy, a proposta do prefeito João Doria é um retrocesso.

“Acho uma coisa inaceitável. A cidade mais rica do país, onde tem o guia alimentar da população reconhecido pelo mundo inteiro e que preconiza o consumo de alimentos, alimentos mesmo, in natura, lançar um programa onde pretende disponibilizar para a população mais pobre do país um alimento que não tem a menor qualidade, ultraprocessado, ou seja, a população vai tá consumindo uma coisa que ela não tem ideia do que contém. Eu acho assustador”, afirma, em entrevista à Radioagência Nacional.

Renata Levy integrou a equipe que elaborou o Guia Alimentar para a população brasileira, documento de referência do Ministério da Saúde sobre alimentação. Conforme a publicação, a alimentação saudável é justamente a que prioriza o consumo de alimentos in natura e evita os ultraprocessados, como é o caso dos alimentos liofolizados (que passam por processo de desidratação) do programa proposto pela prefeitura paulistana.

O Conselho Regional de Nutricionistas de São Paulo também se posicionou de forma contrária ao Alimento para Todos, “pois contraria os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), bem como do Guia alimentar para a população brasileira, em total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da segurança alimentar e no que tange as políticas públicas sobre as ações de combate à fome e desnutrição”.

No Twitter, a chef e jurada do MasterChef Brasil Paola Carosella comentou, na segunda-feira (9), em alusão ao programa municipal, que se tratava de “violência em forma de ração pra ‘humanos'”. No dia seguinte, a chef Rita Lobo também comentou a respeito no microblog. “Isso é lamentável. E existem soluções melhores, como o Bom Prato. Mas alguém deve lucrar mais com o ultraprocessamento da ração. Deprimente”.

De Milão, na Itália, João Dória afirmou que as críticas são feitas por “falta de conhecimento”. “Primeiro, essas coisas que o Brasil tem de colocar ideologia, partidarismo nas coisas. Aquilo foi desenvolvido por cientistas, um trabalho de anos, elaborado com enorme cuidado, e foi submetido à prefeitura de São Paulo com todo os respaldos, de universidades de cientistas, com uma elaboração correta, o alimento é liofilizado dura anos, alimento liofilizado é o mesmo que os astronautas consomem.”

A Plataforma Sinergia, responsável pela elaboração do “granulado nutritivo”, informa em seu site ter desenvolvido “um sistema de beneficiamento de alimentos que não são comercializados pelas indústrias, supermercados e varejo em geral. São alimentos que estão em datas críticas de seu vencimento ou fora do padrão de comercialização, razões que não interferem em sua qualidade nutricional ou segurança”.

A professora de Nutrição Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Ana Carolina Feldenheimer, em reportagem da RBA, destacou que a prefeitura poderia ter ouvido parceiros que atuam na capital paulista para formular o programa.

“E não ouvir só a indústria que tem um interesse claro em se livrar de parte do que sobra da produção. Produtos que seriam lixo, que a indústria teria de pagar para se livrar, porque hoje no Brasil quem gera lixo acima de determinada quantidade tem de pagar para recolher. Vai baratear esse custo ao mandar para a população esse complemento que a gente não sabe nem de onde veio, nem quais os produtos que vão nele”, apontou.