Racismo é crime, não piada: Porchat, Leo Lins e o famigerado “limite do humor”. Por Nathalí

Atualizado em 17 de maio de 2023 às 19:39
Fábio Porchat e Leo Lins. Foto: Reprodução

Qual o limite do humor? Todo humorista que se preze certamente já respondeu a essa pergunta.

Pra Gregório Duvivier, o humor precisa bater pra cima, e não em quem já é oprimido por todo o resto da conjuntura. Para seu colega do Porta dos Fundos Fábio Porchat, entretanto, não parece haver limites.

Ele escreveu no Twitter: “Tem piada de todos os tipos, de pum e de trocadilho, ácida e bobinha. Tem piada de mau gosto? Tem também. Tem piada agressiva? Opa. Mas aí é só não assistir.”

Como diria Caetano, Porchat, “eu não consigo entender sua lógica”. Permitir que em uma sociedade escravocrata existam piadas racistas sobre escravidão é cuspir na cara do movimento antirracista no país.

Não é como fazer piada de gago ou de argentino: é fazer piada racista em um país extremamente racista. É endossar um comportamento que existe e mata. É caçoar de descendentes de escravos ainda favelizados e sem acesso à educação e cultura. E é ilegal.

Aliás, século XXI: relativizar piada racista é até demodê, o que talvez denuncie que Porchat está finalmente se tornando o tio do pavê. Afora, é claro, o fato de racismo ser um crime inafiançável.

O post se referia a Leo Lins, outro comediante de piadas duvidosas, cujo show de stand up “Perturbador” foi retirado do ar pela justiça por conter piadas sobre escravidão, idosos e pessoas com deficiência – piadas que não vale repetir.

Uma delas: “No Rio de Janeiro, tem uma igreja que até Jesus se esconde atrás da crus. Já estou preso mesmo. Mais dois furos, viro Marielle.”, bostejou o dito comediante.

Fazer piada com uma mulher que foi executada em um Estado então dominado pelas milícias com toda certeza ultrapassa todos os limites do humor. Para Leo Lins, que tem a pachorra de se defender com deboche, “Faltam 180 minutos para ser criado um precedente perigoso para a comédia, ou melhor, a arte em geral”, escreveu.

Se o precedente for de não se poder cometer crimes em nome do “humor”, está mais do que na hora de ser criado. Mas o humorista se refere – como gente tosca como Danilo Gentilli e Rafinha Bastos – à famigerada “liberdade de expressão.”

Para um humor pouco refinado, que compreende pouco ou nada da política nacional e dos reais problemas e questões do público, fazer piada de idoso e de preto é a saída mais fácil, porque as pessoas sempre riram disso.

Fazer uma comédia crítica, inteligente e que mantenha de fato consonância com a realidade é para poucos, e certamente não para Leo Lins.

Não existe liberdade de expressão para crime. Eis, portanto, o limite do humor. Bater em quem sempre apanhou não é engraçado – e este talvez seja um dos grandes problemas do humor sem graça de Leo Lins.

Me surpreende que Porchat surfe nessa onda de “liberdade de expressão pra fazer piada com escravidão.” Logo ele, o desconstruidão do Porta dos Fundos.

Eu até entendo que um humorista regular como Leo Lins fale merda pra c*ralho. Mas Fábio Porchat precisa de uma assessoria de comunicação mais ligada às questões identitárias – e ao bom senso, é claro.

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