
O líder indígena Raoni Metyktire, símbolo da luta pela preservação da Amazônia e dos direitos dos povos originários, lança a biografia “Memórias do cacique” (Companhia das Letras), uma coletânea de relatos feitos entre 2020 e 2023 com a ajuda dos netos.
Gravadas em sua língua nativa, as entrevistas foram traduzidas ao português para cumprir o desejo do cacique de registrar em livro sua história, ensinamentos e visão de mundo. Aos cerca de 90 anos, Raoni também revelou ao Globo que irá anunciar seu sucessor em agosto: “Esse sucessor tem que ter o compromisso de continuar o meu trabalho, a minha luta”, declarou em videochamada.
Tradição oral e cosmovisão indígena guiam a narrativa
A obra segue a tradição dos Mebêngôkre (Kayapó), povo ao qual Raoni pertence, valorizando a oralidade e os ensinamentos espirituais. Ao longo das páginas, o cacique revisita sua infância, seu primeiro cocar com penas de japu e a relação com sua companheira Bekwyjkà, com quem viveu por quase 70 anos.

A narrativa mescla memórias de vida, visões míticas e episódios históricos, como sua atuação na Constituinte de 1988 ao lado de Mario Juruna e Paulinho Paiakan, sua amizade com Sting e seu papel na demarcação de terras indígenas. A mágoa com Lula por não ter impedido Belo Monte também é registrada.
Visões, críticas aos “brancos” e alerta sobre o futuro da Terra
Além de encontros com papas, presidentes e reis, Raoni revela episódios curiosos, como quando foi convocado para ajudar na busca por Che Guevara, e relata sonhos com Jair Bolsonaro.
Ele critica fortemente a destruição ambiental causada pelos “brancos” e compartilha alertas recebidos em sonhos: “A Terra pode ter problemas sérios, a Terra pode não ser mais normal. Os espíritos já mostraram isso para mim”. Para Raoni, preservar a floresta é uma obrigação sagrada, transmitida pelos criadores do mundo, e não apenas uma causa política.
Produção da obra envolveu netos e antropólogos
A edição da biografia foi organizada pelo antropólogo Fernando Niemeyer, com apoio de especialistas como Vanessa Lea e Gustaaf Verswijver. O livro conta com glossário, cronologia e mapas para contextualizar os relatos. Segundo Raoni, o objetivo da obra é também inspirar as novas gerações indígenas: “Eu penso que os jovens vão continuar lutando pela floresta, pela vida, pela comunidade indígena. Nós vamos continuar resistindo e existindo”, concluiu.