Raquel Dodge e a farsa de que a corrupção na Petrobras foi maior nas gestões do PT. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de agosto de 2018 às 9:37
Raquel Dodge. (Foto: Lula Marques/AGPT/Fotos Públicas)

O parecer da procuradora Raquel Dodge sobre o pedido de liberdade de Lula dá a medida exata de como o Ministério Público Federal trabalha com a manipulação maliciosa dos fatos em suas peças de acusação ao ex-presidente.

Ao recomendar ao Supremo Tribunal Federal que mantenha Lula preso, ela diz:

“Luiz Inácio Lula da Silva, valendo-se do seu cargo assim como da sua posição no cenário político nacional, não apenas orquestrou todo o esquema de arrecadação de propinas oriundas da Petrobras por diversos partidos, como também atuou para que seus efeitos se perpetuassem, nomeando e mantendo em cargos de direção da mencionada empresa estatal pessoas comprometidas com atos de corrupção e que efetivamente se corromperam e se omitiram em seu dever de ofício de impedir o resultado criminoso”, argumentou Dodge.

Ela cita três diretores da Petrobras nomeados na gestão de Lula: Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor Cerveró. E, maliciosamente, diz que todos foram condenados por corrupção. Sim, foram. Mas depois que já tinham sido afastados dos cargos que ocuparam, e foram afastados por decisão de Dilma Rousseff, que fez um governo de continuidade da gestão de Lula.

À época em que foram nomeados, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque  eram considerados funcionário com prestígio na Petrobras, com um currículo adequado para os cargos que iriam ocupar.

A procuradora desconsidera o fato de que Paulo Roberto Costa foi indicação do PP e Nestor Cerveró, do PMDB, num acerto que guarda relação com o presidencialismo de coalizão que existe no Brasil — sem ele, não se governa — e que vigorou com força no governo que antecedeu o de Lula, o de Fernando Henrique Cardoso.

Em um trecho, ela escreveu:

 “Repise-se: Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Nestor Cerveró, todos já condenados por corrupção, foram nomeados Diretores durante o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva”.

Paulo Roberto Costa entrou na Petrobras em 1978 e teve sua primeira nomeação política no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, para o cargo de gerente geral do Departamento de Exploração e Produção do Sul. Foi a partir daí que começou a subir na empresa. Em 1997 e 2000, ainda na gestão de FHC, foi diretor da Gaspetro e, a partir de 2004, na gestão Lula, diretor de abastecimento da empresa, por indicação do PP.

Nestor Cerveró entrou na Petrobras em 1975, mas foi só no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1999, que ele assumiu cargo de confiança na empresa, por nomeação política. Em 1999, Cerveró passou a ser gerente de projetos em termelétricas. No ano seguinte, em 2000, foi promovido a gerente da unidade de geração de energia. Em 2001, assumiu como gerente executivo de energia.

Em um de seus depoimentos, contou que, nessa época, houve desvio de US$ 100 milhões em razão da compra, a preço superfaturado, da refinaria argentina Pérez Companc.

Também disse que, como gerente de projetos em termelétrica, recebeu ordem do então presidente da Petrobras, Philippe Reichstul, para fechar parceria com a empresa PRS Participações na construção de uma usina. Um dos diretores da PRS, segundo ele, era o filho do então presidente, Fernando Henrique Cardoso.

Renato Duque também era funcionário antigo da Petrobras quando foi nomeado diretor na gestão de Lula, por indicação do PT. Entre os funcionários que seriam envolvidos em escândalos de corrupção, era o único que não tinha ocupado cargos de confiança na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Raquel Dodge não cita outros acusados. Mas poderia ter mencionado o ex-gerente Pedro Barusco, que disse que começou a receber propina em 1997, quando foi nomeado para um cargo de confiança na gestão de Fernando Henrique.

O próprio Fernando Henrique conta, em um de seus livros de memória sobre a presidência, que em 1996 foi advertido por Benjamin Steinbruch, controlador da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de que a Petrobras “era um escândalo”.

O empresário Ricardo Semler, um dos fundadores do PSDB, publicou na Folha de S. Paulo, em 2014, artigo revelador em que dizia que nunca se tinha roubado tão pouco na Petrobras quanto nos governos do PT.

Semler era de uma empresa que forneceu equipamento pesado para a Petrobras nos anos 80 e depois se retirou em razão do cartel que pagava propina grossa para poder fornecer à estatal.

Segundo o que escreveu, a propina era de 10%. A partir de 2003, passou a ser de 3%.

É evidente que, seja de 10% ou de 3%, o pagamento de propina é inaceitável em qualquer empresa, pública ou privada.

Mas dizer que Lula “orquestrou todo o esquema de arrecadação de propinas oriundas da Petrobras”, como afirmou a procuradora Raquel Dodge, ofende quem ama a verdade, e faz suspeitar que a corrupção efetiva nunca foi a preocupação dos órgãos de investigação no Brasil.

Se esta fosse a preocupação, as denúncias que envolvem até o filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teriam sido investigadas a fundo. E não foram.

O que parece ser o compromisso de Raquel Dodge é com o esforço para manter na prisão o líder popular que lidera todas as pesquisas de intenção de voto para a presidência da república.