Raquel Dodge e o MPF defendiam obediência às determinações da ONU. Por Marcelo Auler

Atualizado em 18 de agosto de 2018 às 20:40
Raquel Dodge (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Publicado no blog do Marcelo Auler

A determinação (“request”) do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o Brasil respeite o direito político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de participar das próximas eleições criou uma saia justa para o Ministério Público Federal (MPF). Em especial para a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Ela, já na função atual, em novembro do ano passado esteve na 120ª Sessão Ordinária da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada na Costa Rica. Ali, após defender que “o Brasil cumpra, em suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos” e afirmar que o país deve apoiar a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos,  foi clara e taxativa com relação aos tratados e acordos internacionais.

Na ocasião, tal como noticiou a página do MPF, Raquel Dodge expôs: “a celebração de tratados e o reconhecimento da jurisdição de tribunais internacionais, pelo Brasil, impõem ao país o desafio de buscar sempre uma sociedade livre, justa e solidária e o combate efetivo à pobreza e à desigualdade”.

Após esta defesa do respeito aos tratados e acordos internacionais na reunião de Costa Rica, o que fará Raquel Dodge diante da determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU no sentido de garantir a participação de Lula na eleição? Logo ela, que precipitadamente, 48 minutos depois de registrada a chapa do Partido dos Trabalhadores, correu a pedir a impugnação da mesma junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Encontra-se em uma saia justa. Desrespeitará uma determinação de um colegiado internacional, cobrando respeito a acordos e tratados firmados pelo país, ou vai abrir mão da posição de tentar a todo custo impedir a candidatura de Lula?

Talvez queiram apontar alguma diferença entre a Corte Interamericana de Direitos Humanos – um tribunal criado pela Organização dos Estados Americanos – e o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Apesar do nome, trata-se de um órgão de caráter judicial, composto por peritos independentes.. Ambos – Corte e Comitê – têm o mesmo papel de apreciar violações dos Direitos Humanos nos países membros. Os dois fazem parte do chamado Sistema Internacional de Direitos Humanos. E desde 2009 o Brasil reconhece a jurisdição obrigatória do Comitê.

O Ministério Público Federal brasileiro é um defensor desse Sistema Internacional de Direitos Humanos. Ele também já recorreu a este mesmo Comitê da ONU para se queixar do governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Foi em setembro do ano passado, como divulgou o correspondente de O Estado de S. Paulo, Jamil Chade: MPF e entidades brasileiras cobram governo Alckmin na ONU por não combater tortura. A reportagem diz textualmente:

Como noticiou o Estadão, o MPF já recorreu ao mesmo Comitê de Direitos Humanos da ONU que agora determinou respeito aos direitos políticos de Lula

GENEBRA – O Ministério Público Federal, defensorias do Estado, organizações não governamentais como Conectas e outras instituições brasileiras cobram na ONU o governo de Geraldo Alckmin por não implementar mecanismos de prevenção de tortura no Estado de São Paulo. Em uma declaração lida no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas nesta segunda-feira, 18, o grupo alertou que o Brasil ratificou o tratado que exige a criação dos mecanismos em 2007. Mas, uma década depois, apenas nove dos 27 Estados da federação estabeleceram algum instrumento de prevenção“.

Ou seja, se o próprio Ministério Público Federal já recorreu ao Comitê de Direitos Humanos da ONU para se queixar do desrespeito aos Direitos Humanos no Brasil, como poderá agora fazer ouvidos moucos ao que o mesmo Comitê determinou?

Muito provavelmente haverá quem recorra à Lei da Ficha Limpa aprovada pelo Congresso Nacional. Mas ela não está acima dos acordos e tratados internacionais que, ao serem ratificados pelo Brasil, também passaram pela aprovação do mesmo Congresso Nacional.

Com toda a sua experiência profissional, dificilmente a procuradora-geral terá tamanha dúvida. Mas, caso ela surja, basta que converse com o seu Secretário de Direitos Humanos e Defesa da Cidadania, André de Carvalho Ramos, doutor em Direito Internacional pela USP, onde ministra aulas sobre Direito Internacional e Direitos Humanos. Também foi pesquisador visitante no Centro de Direito Internacional de Lauterpacht (Cambridge). (…)