Ratinho e família promovem despejos há pelo menos 18 anos

Atualizado em 20 de julho de 2021 às 21:30

Publicado originalmente no De Olho dos Ruralistas

Por Mariana Franco Ramos

Ratinho. Foto: Reprodução

O apresentador Carlos Roberto Massa, mais conhecido como Ratinho, que já tomou conta do noticiário por defender intervenção militar no país, “fuzilamento de denunciados” e “limpar mendigos” das cidades, promove despejos há mais de dezoito anos. Aliado do presidente Jair Bolsonaro e pai do governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD), ele montou um verdadeiro império do agronegócio. Além de empresas em setores diversificados — de emissoras de rádio e TV a marcas de tintas, ração, café e cerveja  —, possui hoje ao menos quinze fazendas.

Duas dessas propriedades rurais ficam no Acre, mais precisamente em Tarauacá (AC), numa área de notória tensão indígena e de disputas com posseiros, cujo histórico é controverso. O comunicador comprou as glebas, parte delas fruto de grilagem, em 2002, por aproximadamente R$ 330 mil, da Companhia Paranaense de Colonização Agropecuária e Industrial do Acre (Paranacre). Pertencente a um grupo de empresários de Londrina (PR), donos do Café Cacique, da Viação Garcia e do Bamerindus, a empresa foi extinta no ano seguinte.

As glebas, denominadas de Paranacre A e Paranacre B, estão até hoje registradas em nome da Radan Administração e Participação Ltda, com sede em Curitiba. Elas possuem, somadas, 175,3 mil hectares e ficam próximas de quatro florestas públicas estaduais: Antimary, Mogno, Liberdade e Gregório. A BR-364, que liga Rio Branco a Cruzeiro do Sul, passa no meio do terreno. Em março de 2012, um oficial de Justiça avaliou apenas a parte B em R$ 225 milhões.

Em entrevista a Amaury Júnior, da Band, em 2018, Ratinho contou que só não começou ainda a explorar madeira no local por não ter encontrado um parceiro para o projeto. “Lá eu não estou cultivando nada, porque é floresta, mas se eu quiser tirar madeira, eu posso tirar”, disse. “Tenho autorização para tirar dentro da lei”.

O fazendeiro comentou que a área tem, na verdade, 200 mil hectares e que a visitou somente uma vez. Quem costuma aparecer por ali, segundo fontes ouvidas por De Olho nos Ruralistas, é um de seus sócios, Dante Luiz Franceschi. Criador de bovinos para corte em Coxim (MS), o pecuarista constava como administrador da madeireira Timber Acre, de Rio Branco, até 2015. Ele atua ainda nos ramos de distribuição de bebidas e do transporte, com a Auto Viação São José dos Pinhais.

Embora já tenha até oferecido o imóvel para penhora, Ratinho não aparece no quadro societário da Radan, formado por Franceschi (sócio-administrador), Antonio Honorato Cioni, Luiz Gustavo de Mattos Sabino e por dois dos filhos do apresentador: Gabriel Martinez Massa, atual presidente do Grupo Massa, e Rafael Martinez Massa. A atividade principal da empresa, cujo capital social é de R$ 2,2 milhões, é a incorporação de empreendimentos imobiliários. Ela está localizada num prédio residencial do bairro Água Verde, na capital paranaense, a mais de 4 mil quilômetros de distância da Paranacre.

JUÍZA CONCEDEU REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM JANEIRO NO ACRE

A diferença quanto ao tamanho das glebas se dá justamente por conta de conflitos com populações originárias e tradicionais. Em junho de 2015, policiais militares foram acionados para retirar trinta famílias camponesas das terras de Ratinho. Conforme noticiado pelo jornal A Gazeta do Acre, elas tinham montado barracas no local e ficaram com uma pequena área próxima, reconhecida pela Justiça. No entanto, acabaram crescendo e, aos poucos, chegando a terrenos vizinhos.

Antes, em 2010, indígenas e ribeirinhos de sete aldeias da etnia Yawanawá ameaçaram fechar a estrada, depois que a Radan obteve dos governos federal e estadual licenciamento para exploração madeireira em 150 mil hectares na Floresta Estadual do Mogno, na margem esquerda da rodovia. Eles argumentavam ter o direito inalienável como primeiros habitantes das terras banhadas pelo Rio Gregório e se diziam desrespeitados pelo projeto de exploração de Ratinho.

Pequenos conflitos continuaram acontecendo em Tarauacá. No dia 18 de janeiro de 2021, a juíza Joelma Ribeiro Nogueira concedeu outra liminar de reintegração de posse a favor do apresentador. Desta vez, atendendo a um pedido de Franceschi, representante da Radan.

No texto, a magistrada determina que 22 pessoas citadas se abstenham “de ocupar ou de realizar quaisquer atos que possam molestar, ocasionar dano ou receio de danos à posse da requerente, devendo ainda manter a distância mínima de cinquenta metros do imóvel”. Ela fixou multa diária no valor individual de R$ 100 até o limite máximo de trinta dias e autorizou o oficial de justiça a requerer auxílio de força policial.

Os ocupantes justificaram que habitam o território há anos e rebateram a acusação de que promovem desmate de forma ilegal, para construção de casas com estrutura de barracos de lona, como acusa Franceschi. Oficiais de justiça que visitaram o terreno não detectaram irregularidades e o processo continua correndo.

O histórico de aquisições no território, que remonta à ditadura, e os embates com os povos do campo serão tema da segunda reportagem da série.

EMPRESÁRIO ACHA “DESINTERESSANTE” PREOCUPAR-SE COM ANIMAIS EM EXTINÇÃO

Dublê de empresário e jornalista, Carlos Massa é conhecido pelos posicionamentos contrários à proteção do ambiente. No ano passado, por exemplo, ele falou que não entendia qual a importância do hipopótamo para a sociedade. Na visão de Ratinho, a preocupação com esses e outros animais em extinção seria “desinteressante”. “O mico-leão-dourado, se todos morressem, o que iria mudar pra nós?”, disparou. “Nada”.

Em meio às ações de despejo, a área de exploração vem crescendo. Oficialmente, o apresentador é dono também da Agropastoril Rgm Ltda, com sede em Apucarana (PR), base do grupo Massa, e que possui a Gleba Paranacre Parte B. Em junho de 2015, ele solicitou do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) a licença de operação do plano de manejo florestal sustentável de 1.000 hectares da fazenda.

Depois, em 2016, de supressão de vegetação em 590 hectares da Paranacre Parte A, sem determinação de estudos de impacto ambiental. E, em 2018, de mais 590 hectares, com validade de quatro anos. O pedido é para atividade de limpeza (reforma de pastagem) e para o desmate de capoeira. Contempla, ainda, projeto agropecuário para uso alternativo do solo.

PRIMEIRO EMBATE COM CAMPONESES ACONTECEU EM 2003

Um dos primeiros casos noticiados de conflitos do fazendeiro com povos do campo aconteceu em novembro de 2003. Trabalhadores sem-terra ocuparam a fazenda Monte Azul, em Icaraíma (PR), pertencente à Agropecuária Café no Bule, que tem como parceira uma das cafeeiras mais importantes do país, o Grupo 2 Irmãos. A empresa é parte do império de propriedade da família Massa — que conta com cinco emissoras de televisão afiliadas ao SBT e trinta rádios, além de atuar na agropecuária, na administração e no licenciamento de marcas.

O grupo de duzentas pessoas, denominado Ribeirinhos, cobrava do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), desde 1998, a desapropriação do território de 750 alqueires, que engloba uma área pertencente à União.

Ratinho adquiriu o terreno em 2001. Na época da ocupação, ele afirmou que a fazenda tinha todos os documentos em dia, era produtiva e tomada pela agricultura.

Após um ano, em 2004, o juiz Peterson Cantagiane Santos, da Vara Cível de Icaraíma, no noroeste do Paraná, autorizou os trabalhadores a permanecerem nas terras.

FAZENDEIRO FOI CONDENADO POR DESRESPEITAR NORMAS TRABALHISTAS

Em 2016, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou Ratinho a pagar uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 200 mil pela inobservância de normas trabalhistas relativas à saúde e à segurança do trabalho em uma fazenda de Limeira do Oeste (MG).

Entre as irregularidades apontadas estavam a não concessão de intervalo para repouso e alimentação, a ausência de equipamentos de segurança (EPIs), local para refeições e sanitários adequados e a contratação irregular da mão de obra.

Questionado, ele justificou que foi réu de ação pública, mas que, embora tenha havido condenação na referida ação em indenização por dano moral coletivo em primeira instância, foi totalmente excluída da condenação em segunda instância. Também alegou não ser mais dono das terras desde abril de 2010.

Ratinho já havia sido condenado na mesma ação pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais, ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos, após o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Uberlândia ter ajuizado uma Ação Civil Pública (ACP) contra ele. O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, porém, afastou a condenação, por entender que as condições precárias de trabalho não seriam suficientes para configurar dano à coletividade.

COMUNICADOR E FILHOS DEVIAM R$ 80 MILHÕES EM IMPOSTOS À UNIÃO

O calote na União tem origem em três empresas: Agropastoril Café no Bule Ltda (R$ 77,9 milhões); Agropecuária ACB Ltda (R$ 706,6 mil), com sede em Apucarana, no Paraná; e Massa & Massa Comunicação e Marcas Ltda (R$ 663 mil), do Rio Grande do Sul. Os dados são da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), vinculada ao Ministério da Economia, e foram publicados pelo jornal Brasil de Fato.

Nas duas primeiras, ele divide a sociedade com os filhos Gabriel , Rafael e Carlos Roberto Massa Junior, o Ratinho Jr. Quem também compõe o quadro societário na Massa & Massa é Solange Martinez Massa, esposa do apresentador.

O perdão das dívidas bilionárias dos ruralistas é pauta constante da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) no Congresso, como mostrou o De Olho nos Ruralistas em julho de 2019: “Com empresas vinculadas a políticos ruralistas, setor de grãos deve R$ 23,6 bilhões à União“.

RATINHO JÚNIOR DESPEJOU MAIS DE 500 FAMÍLIAS NO PARANÁ

De maio a dezembro de 2019, em seu primeiro mandato, Ratinho Jr. promoveu nove despejos, em diversas regiões do Paraná. Alinhado, como o pai, com o governo Bolsonaro, ele utilizou drones, helicóptero, balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta para expulsar mais de 500 famílias de terras onde viviam e produziam.

“Do ponto de vista jurídico, todas as áreas ocupadas no Paraná têm algum procedimento: ou o proprietário ofertou, ou a área foi classificada como improdutiva, ou é da União ou tem dívidas públicas, crime ambiental e trabalho escravo”, conta José Damasceno, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “Não existe despejo pacífico. Existe mais ou menos violento, mas todos são violentos”.

A situação mais recente ocorreu na Fazenda São Francisco, em Querência do Norte, no Noroeste. No local, cinquenta famílias ocupavam uma área de 850 hectares. Segundo o MST, a fazenda é devedora da União e há dúvidas sobre o seu legítimo proprietário. “Essa área foi cercada por um contingente policial no mínimo dez vezes maior que o número de famílias”, relatou Damasceno.

Os pequenos agricultores do assentamento estão entre os que já participaram de doações de alimentos e outras ações de solidariedade durante a pandemia de Covid-19. De março a dezembro de 2020, o movimento doou 501 toneladas de comida e produziu 38 mil refeições no Paraná.

RATINHO DEFENDEU EXPULSAR MORADORES DE RUA E FUZILAR INIMIGOS POLÍTICOS

Além de atacar a Constituição Federal, Carlos Massa defende a intervenção militar e a repressão aos moradores de rua. Em fevereiro de 2021, ele usou seu programa Turma do Ratinho, na Rádio Massa, para elogiar a repressão aos moradores de rua de Nova York durante a administração do trumpista Rudolph Giuliani.

— Ele pesquisou do que o povo tinha medo e era dos mendigos batendo nas portas. Ele limpou os mendigos da cidade. Do que as pessoas tinham medo? Morador de rua. Ele tirou todos os moradores de rua e deu um lugar para os caras se virarem. Ele limpou tudo e a imprensa ficou a favor dele. Aqui, se mexer com morador de rua, a imprensa cai em cima do político.

Na mesma ocasião, Ratinho defendeu um intervenção militar com extradição e ameaça de fuzilamento de inimigos políticos, como o que foi “feito em Singapura”, segundo ele, na época de Lee Kuan Yew:

— Está na hora de fazer igual foi feito em Singapura. Entrou um general em Singapura que consertou o país. Depois, um ano depois fez as eleições, mas primeiro consertou. Chamou todo mundo que estava denunciado e falou: vocês têm 24 horas para sair do país. Se não sair, será fuzilado. 

Primeiro-ministro de 1959 a 1990, Yew é criticado por ter praticado uma série de violações aos direitos humanos e pelo férreo controle à liberdade dos cidadãos. No país, homossexualidade é crime, punida com dois anos de prisão.

Quem se envolve com tráfico de drogas e homicídio pode ser condenado à pena de morte. As chibatadas são uma forma de punição para mais de quarenta delitos e utilizadas como medida disciplinar em prisões, reformatórios e escolas.

Em 2019, o apresentador foi contratado pelo governo federal para defender a Reforma da Previdência. Luciana Gimenez, Rodrigo Faro, Milton Neves, Ana Hickmann e José Luiz Datena também fizeram propaganda do projeto. No mesmo “Turma do Ratinho” onde se mostrou favorável à ditadura, o empresário recebeu Bolsonaro para uma entrevista. E, desde o início da gestão, defende o amigo — um homem público que os jornalistas devem fiscalizar — e seus ministros.

Procurada, a assessoria de Ratinho informou que, “por conta de vários fatores”, está com a agenda de imprensa “no vermelho” e ele “prefere não se manifestar sobre esse tema”.

Este observatório também contatou a assessoria de imprensa do Grupo Massa, na manhã de terça-feira (13), mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.