Rebelião na Rússia: grupo Wagner entra na cidade de Rostov e ameaça ir para Moscou

Atualizado em 24 de junho de 2023 às 6:09
Tanque do Grupo Wagner na cidade de Rostov

O grupo mercenário Wagner entrou em território russo durante a madrugada de sábado, horas depois de o seu líder, Yevgeny Prigozhin, ter pedido a derrubada da cúpula militar russa. No início da manhã, e de acordo com vídeos divulgados na rede Telegram, o comandante da organização paramilitar entrou no quartel-general do Distrito Militar Sul das Forças Armadas russas, na cidade estratégica de Rostov-do-Don, e apresentou as suas exigências ao vice-ministro russo da Defesa, Yunus-bek Yevkurov, e a Vladimir Alekseiev, vice-comandante dos serviços de inteligência militar, o GRU.

Prigozhin pede a cabeça do ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e do general Valeri Gerasimov. Caso contrário, ameaça rumar com os seus homens para Moscou.

A situação era tensa em Rostov, onde, pelas 4h da madrugada locais, o governador Vasili Golubev aconselhou a população a “não sair de casa sem necessidade” e a “evitar o centro” diante das movimentações militares em curso. Prigozhin diz que os seus mercenários controlam as instalações militares e o aeroporto da cidade.

Há também relatos de atividade militar na região de Voronezh, mais a norte, ao longo da auto-estrada M4, via estratégica que liga o Sul da Rússia a Moscou, que foi cortada ao tráfego civil.

A surpreendente e rápida incursão do grupo mercenário em território russo ocorre após uma dramática escalada de tensão, na sexta-feira, entre o líder do Wagner e o Ministério da Defesa. Prigozhin anunciou uma rebelião contra a cúpula militar russa, a que os Serviços Federais de Segurança (FSB) responderam com a abertura de uma investigação criminal contra o líder, apelando publicamente aos elementos da organização paramilitar para deter o seu comandante.

“Apelamos [aos elementos do grupo] para que não cometam erros irremediáveis, que travem qualquer uso da força contra o povo russo, que não sigam as ordens criminosas e de traição de Prigozhin, e que procedam à sua detenção”, lê-se em declarações oficialmente atribuídas ao FSB e veiculadas pela RIA Novosti no seu site.

“Com as suas declarações e ações, Prigozhin apelou ao início de um conflito armado civil em território russo”, acrescentam os serviços federais. Mais tarde, a procuradoria-geral russa confirmou que Prigozhin é formalmente investigado por suspeita de “organização de rebelião armada” e que arrisca uma pena de 20 anos de cadeia.

Prigozhin afirma ter “25 mil” homens “prontos para morrer pelo povo russo”.

Moscou reforça segurança

A capital russa reforçou a segurança. O presidente da Câmara de Moscou, Sergei Sobianin, anunciou a imposição de “medidas anti-terroristas”, incluindo blitze e cancelamento de eventos públicos.

Durante a noite, e num sintoma do nervosismo reinante em Moscou, dois elementos da cúpula militar russa pronunciaram-se publicamente contra a rebelião. O general Sergei Surovikin, vice-comandante das forças russas em território ucraniano, pediu aos mercenários para “obedecer ao Presidente”. Vladimir Alekseiev, que horas depois encararia Prigozhin em Rostov, qualificou as declarações do líder do grupo Wagner como uma “facada nas costas do país e do Presidente”. Mais tarde, e frente ao líder do grupo Wagner, disse-lhe que “em Kiev estão festejando com champanhe” a ação do mercenário.

Bakhmut agudizou conflito com Shoigu

Os últimos desenvolvimentos seguem-se a uma dramática escalada do conflito interno entre o líder do grupo de mercenários russos e o Ministério da Defesa de Serguei Shoigu, que se agudizou com a retirada dos Wagner de Bakhmut no final de Maio, batalha sangrenta durante a qual Prigozhin acusou repetidas vezes a cúpula das Forças Armadas de falta de apoio e mesmo de traição.

A escalada verbal desta sexta-feira iniciou-se com Prigozhin. Ele postou um vídeo no Telegram em que acusou a oligarquia russa e o Ministério da Defesa de “enganar o público” e de “enganar o Presidente” Vladimir Putin sobre a situação na Ucrânia, arrastando a Rússia para uma invasão, em 2022, sobre falsos pretextos.

“[Volodymyr Zelensky] não tinha a intenção de atacar a Rússia com a NATO, estão enganando as pessoas”, declarou Prigozhin, acusando o Ministério da Defesa russo de ter fabricado uma hipotética ameaça ucraniana.

“A Ucrânia não bombardeou o Donbass durante estes últimos oito anos”, afirmou, contrariando a narrativa oficial do Kremlin sobre o conflito, e declarando que “a guerra era necessária para que um punhado de pessoas” pudessem promover-se, nomeadamente Sergei Shoigu, para “instalar” Viktor Medvedchuk como Presidente da Ucrânia, e para perpetuar o saque do Leste russófono do país por elites próximas de Putin.

Já de noite, Prigozhin voltou ao Telegram para dizer que “o mal representado pela liderança militar russa tem de ser travado”, prometendo uma “marcha pela justiça”, mas negando promover um “golpe militar”.

“Aqueles que mataram os nossos rapazes, e dezenas de milhares de soldados russos [na invasão da Ucrânia] vão ser punidos”, declarou.

“Não resistam. Quem o fizer será considerado uma ameaça e será destruído. Quem quiser, que se junte a nós. Temos de acabar com isto”.

O líder do grupo Wagner acusou as forças regulares russas de lançarem um ataque que vitimou “dois mil” membros da organização paramilitar, algo que Moscou negou de imediato.

Soldados do grupo Wagner na cidade de Rostov, na Rússia