Reconhecer que foi golpe é a chave da virada de posição. Por Emir Sader

Atualizado em 22 de maio de 2020 às 12:04
Felipe Neto e Emir Sader. Foto: Reprodução/Wikimedia Commons/Twitter

Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor

POR EMIR SADER, sociólogo

RECCONHECER QUE FOI GOLPE É A CHAVE DA VIRADA DE POSICAO

Uma das maiores dificuldades dos “arrependidos” da direita é reconhecer a profundidade da reversão de posições que eles tem que assumir, se forem consequentes. Reconhecem que erraram em ter escolhido o Bolosonaro como candidato, mas nao se perguntam se nao sabiam de quem se tratava, que tipo de governo ele faria, com que tipo de gente. Porque teriam que confessar que prefeririam qualquer um, mesmo alguém que eles fingiam nao conhecer – mas que conheciam a trajetória e as declarações brutais -, porque recaíram na armadilha do “medo do PT”.

Costumam incorporar, sem se perguntar das provas, que o PT é um partido corrupto, que seus governos gastaram muito dinheiro, que fizeram alianças equivocadas, que o Lula foi preso e condenado por ter se envolvido em casos de corrupção. As vezes dizem que o Brasil teve governos errados durante muito tempo, até mesmo chegam a dizer que nunca se combateram as desigualdades no Brasil, como se tivéssemos sido um pais condenado à miséria, às desigualdades e aos maus governos.

O reconhecimento de Felipe Neto de que foi um golpe o impeachment da Dilma é chave, para rever tudo o que aconteceu em uma outra ótica. Reconhecer que foi golpe é reconhecer que a direita, que tinha perdido quatro eleições democráticas sucessivas, se valeu de uma artimanha para realizar seu sonho – tirar o PT do governo e restabelecer o modelo neoliberal. Nao foi simplesmente um caso de interpretação jurídica se as pedaladas eram suficientes para o impeachment. Foi um caso politico, de golpe, de ruptura da democracia e instauração de um Estado de exceção.

Abre as portas para compreender que foi um processo de guerra hibrida, que teve continuidade com a prisão, condenação e impedimento do Lula ser candidato, sem nenhuma prova para isso. E a operação monstruosa que impediu Haddad de ser eleito presidente e colocou na presidencia a Bolsonaro.

Um operação dessa ordem so pode er colocada em pratica por quem considera os governos do PT como seus inimigos fundamentais e se vale de instrumentos antidemocráticos, depois de perder democraticamente quatro eleições. Dai a consciência de que os governos do PT foram exatamente o oposto do que foram e sao os governos de Temer e de Bolsonaro.

A chave para toda essa compreensão é a aceitação de que foi um golpe que derrubou a Dilma. De que o objetivo de tirar o PT do governo e restabelecer o modelo neoliberal. E que o enfrentamento entre o PT e a direita é a confrontação entre o modelo neoliberal e o dos governos petistas, de desenvolvimento economico com distribuição de renda.

Compreender a natureza mais profunda dos tempos atuais é compreender que se trata de um enfrentamento frontal entre o neoliberalismo e o antineoliberalismo. Que a direita, no governo de 1990 a 2002 e desde 2016, coloca em pratica o neoliberalismo, com o aumento da desigualdade e da exclusão social, com estagnação economica, com elevado desemprego e precariedade nas condições de vida da massa da população.

Nao quer dizer que quem assuma que se tratou de um golpe contra a Dilma, que percorra todo esse caminho ou que o faca agora. Mas quem assume essa posição se distingue da direita tradicional que, mesmo quando setorews dela assume o arrependimento de ter eleito o Bolsonaro, nao assume suas próprias responsabilidades e nao se dispõe a trabalhar intensamente para diminuir os danos que seu grave erro provoca ainda no pais.

Quem atacou o Felipe Neto – ao reconhecer que se tratou de um golpe contra a Dilma – buscando no seu passado recente suas posições totalmente equivocadas, que teve um papel importante na derrubada da ex-presidenta, uma forma de invalidar essa reconversão dele. Uma posição nao apenas sectária, mas isolacionista. Pertence àqueles que dizem que nao conversam com que teve esteve a favor do impeachment da Dilma.

Naquele momento a direita conseguiu isolar às forcas democráticas e à esquerda, criando o clima que favoreceu o impeachment. Se tratou, desde então, de ganhar gente do outro lado, para enfraquecer a direita. Sem o que, a esquerda seguiria isolada.

O reconhecimento de Felipe Neto é nao apenas um ato de coragem, mas abre, nao apenas para ele, mas para muitos dos seus seguidores, uma porta para uma visado democrática de tudo o que o Brasil vive nestes anos.