De Amaury Silva, juiz de Direito e professor de Direitos Humanos, especial para o DCM.
Fora da Constituição Federal não há solução que interesse. Violar seu texto é ruptura por insatisfação antidemocrática. Por isso, o processo de alteração de um conteúdo constitucional é complexo.
Em última análise, a democracia representativa garante o mínimo de prestígio ao povo. Preserva os parâmetros originais da organização social, do Estado e os direitos fundamentais.
É certo que a dinâmica da vida é combustível da vontade popular. Se uma Constituição é fruto de uma experiência democrática, natural que haja sua adequação.
Modificação não pode ser confundida com adulteração ou supressão.
Alguns padrões constitucionais são inflexíveis. Não há como adaptá-los ou modificá-los, pois frutos da consolidação da luta em prol dos direitos humanos.
Essas conquistas internalizadas na Constituição de um Estado são chamadas de direitos e garantias fundamentais.
O art. 228, Constituição Federal é exemplo desse modelo. Estabeleceu-se o direito da infância e juventude brasileira se sujeitar a legislação especial (sistema sócio-educativo) em caso de conflito com a lei penal.
Garantiu-se que o menor de 18 anos não fosse considerado penalmente imputável. Sua responsabilização é singular e, especificamente construída em razão da sua condição de pessoa em desenvolvimento. Esse tratamento não equivale à impunidade.
Mesmo não sendo enquadrado no rol expresso do art. 5º, CF, tal norma é de caráter fundamental, pois visa tornar impermeável a afetação da condição da criança e do adolescente para fins de persecução penal.
A desconsideração dessa garantia fundamental não pode ser produzida por intermédio de uma emenda constitucional. O art. 60, § 4º, IV, CF proíbe de maneira taxativa uma iniciativa com tal objetivo.
A redução da maioridade penal no Brasil tem esse óbice.
Se for proclamada por via de uma emenda constitucional ferirá de morte a proibição de retrocesso em torno dos direitos humanos e fundamentais.
A premissa de tutela à infância e juventude no Brasil, não permitindo sua equiparação com os adultos penalmente responsáveis se encontra como objeto de entrincheiramento. Há de ser preservada, impedindo-se retrocesso.
O entrincheiramento de um postulado de direitos humanos é sua acomodação e proteção contra investidas que visem sua revogação ou esvaziamento.
A única hipótese para a redução de proteção normativa de um direito ou garantia fundamental seria a ocorrência concomitante de uma justificativa também baseada em direito fundamental, superação da proporcionalidade e preservação do núcleo essencial do direito envolvido (RAMOS, André de Carvalho, Curso de Direitos Humanos, Saraiva, 2ª edição, 2015, p.97).
A emenda constitucional para redução da maioridade penal não preserva o núcleo essencial do direito em discussão. Reduzir de 18 para 16 anos a responsabilidade penal comum é esvaziar o âmbito de proteção à adolescência brasileira.
Quando o constituinte e, logo, o povo quis proclamar que a idade plausível para a responsabilidade penal comum fosse 18 anos, chancelou uma outorga, que somente outra assembleia constituinte pode desconsiderar.
Essa mesma estratégia e lógica de massacrar a proibição de retrocesso pode ser aplicada em relação à adoção da pena de morte. Se, permitida pelo Parlamento e Poder Judiciário a redução da maioridade penal, abre-se um grave precedente para que a pena de morte seja adotada no Brasil.
Pouco valerá o disposto no art. 5º, XLVII, “a”, CF, que permite a pena capital apenas para os casos de guerra declarada, pois não será considerado como núcleo essencial do direito, a própria imposição da pena, mas as hipóteses de exceção em que ela seja permitida.
Bastará estender a exceção. E exceção contra os direitos humanos é sempre arbítrio.