Reforma política ameaça ser inócua ou promover enorme desperdício de votos. Por Luis F. Miguel

Atualizado em 5 de agosto de 2021 às 10:01
Congresso Nacional. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

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Por Luis Felipe Miguel

As ameaças da “reforma política” são muitas.

Começa com o famigerado “distritão”, que aponta para a destruição dos partidos. Agora, a relatora incluiu uma bizarra cláusula de barreira vinculada ao distritão, de 25% do quociente eleitoral.

Não vi ainda nenhuma simulação, mas ela provavelmente será inócua. E, se não for inócua, é pior ainda. Promoverá um enorme desperdício de votos.

Em paralelo, há a proibição de divulgação de pesquisas de intenção de voto. Há problemas nas pesquisas e por vezes elas se prestam a manipulação, por isso é necessário que os institutos sejam auditáveis e os casos de fraude, uma vez constatados, severamente punidos.

Mas simplesmente proibir é abrir a porteira para as fake news. Se com pesquisas reais, identificáveis, elas já campeiam, imagina sem.

O pior de tudo, porém, é a bomba que Renata Abreu inventou agora: fim do segundo turno, substituído por voto múltiplo transferível.

Na teoria, é como um segundo turno ocorrendo junto com o primeiro. Cada eleitor escolhe até cinco candidatos, em ordem de preferência.

Tipo: meu candidato é X. Se não for X, prefiro Y. Se não for X nem Y, prefiro Z. E assim por diante.

Muito bonito. Mas exige um grau de informação e mesmo de sofisticação política que está longe da maior parte do eleitorado.

O segundo turno é fundamental também por concentrar a disputa e permitir que os finalistas, destacados da massa de candidatos do primeiro turno, se tornem mais visíveis, mais expostos, obrigados a maior debate.

A ideia é péssima. Pior ainda é o fato de que a relatora simplesmente tira uma ideia de algum lugar, na última hora, e a enfia no parecer.

É um retrato da “reforma política” em discussão no Congresso: um monte de regras que não receberam reflexão adequada, empilhadas ao sabor de palpites e interesses de momento, carentes de debate aprofundado.

E, claro, a reforma política é, como sempre, reduzida a uma reforma do sistema eleitoral. Como se os nossos principais problemas estivessem nas regras do cálculo que transforma votos em posições de poder. E não na influência do dinheiro, dos meios de comunicação, das milícias, dos pastores etc.