Reforma tributária: para que e a favor de quem? Por Emir Sader

Atualizado em 19 de julho de 2020 às 16:19

Volta à agenda o tema da reforma tributária. Os grandes empresários esfregam as mãos, com sua cantilena: há muitos impostos, e o sistema é muito complicado, é preciso diminuir os impostos, pagar menos. A “sociedade civil” não aceitaria mais impostos, segundo a versão dos liberais.

Ninguém analisa a natureza do sistema tributário brasileiro. Sempre se parte da ideia de que se paga muito imposto no Brasil, que é preciso pagar menos. O sistema tributário brasileiro é profundamente injusto. A maior parte dos impostos e de impostos diretos, aqueles que todos pagam o mesmo, como quando se paga o imposto de uma bebida, a mesma para pobres e ricos. Enquanto os impostos indiretos, aqueles que têm a ver com o nível de renda das pessoas, têm menos peso.

A tributação, assim, ao invés de diminuir as desigualdades, as aumenta. Ainda mais se levarmos em conta as cifras imensas de sonegação, feita basicamente pelos mais ricos. Ademais da fuga de capitais e dos paraísos ficais, prática característica dos mais ricos e, em particular, pelos bancos.

O Estado arrecada com os impostos e taxas e repassa através de políticas sociais e de créditos. Poderia ter um papel de redistribuição de renda, mas funciona, ao contrário, como um mecanismo mais de concentração de renda.

Uma reforma tributaria justa seria aquela em que quem ganha mais, paga mais. Em que a grande maioria não pague imposto de renda ou pague menos e se tribute as grandes fortunas, as heranças e os movimentos financeiros, tributando-se a renda.

Quando se tentou reformas tributárias com esse caráter, elas foram derrotadas, como nos governos da Luiza Erundina e do Fernando Haddad, na prefeitura de Sao Paulo, e do Olívio Dutra no governo do Rio Grande do Sul. Mas, assim que foram lançados os projetos, desatou-se uma forte e sistemática campanha contra, alegando que se trataria de ter mais impostos e mais altos. Quando se tratava do contrário, mas os meios de comunicação geraram uma forte reação contra, que levou ao seu fracasso.

No caso da primeira tentativa em Sao Paulo, a Hebe Camargo comandou a campanha contra, em condições em que ela passaria a pagar mais, mas o seu público, ao contrário, deixaria de pagar ou pagaria muito menos. Mas o mecanismo fez com que houvesse uma solidariedade generalizada com os mais ricos, como se os mais pobres fossem prejudicados e não beneficiados.

Qualquer tentativa de uma reforma tributária de desconcentração de renda, de tributação maior dos mais ricos, precisa ser precedida de uma longa e intensa campanha de esclarecimento do que é o sistema tributário hoje no Brasil, quem paga mais, quem paga menos. É preciso desmistificar a ideia de que se paga muito imposto, comparando com países como os Estados Unidos, a Alemanha, a Suécia. Temos um limite máximo de 27,5% para o imposto de renda, fazendo com que paguem a mesma alíquota de quem ganha acima de um certo montante, sem taxar mais quem ganha fortunas.

É um objetivo fundamental uma reforma tributária, porque as finanças publicas estão muito debilitadas, não darão conta dos grandes recursos necessários para a reconstrução do país. A direita já tem seu diagnostico, Paulo Guedes prega uma retomada do ajuste fiscal, alegando que o mercado deveria comandar a reconstrução da economia.

Quando, na verdade, quem deve dirigir essa reconstrução é o Estado, promovendo uma reforma tributária, que o dote dos recursos necessários para isso. Os impostos devem se pagos na medida da riqueza de cada um. A grande maioria dos brasileiros não deve pagar imposto de renda, até porque seus salários não podem ser considerados renda. Hoje, então, a grande maioria nem renda garantida tem. Quem ganha mais, deve pagar mais. Esta é uma reforma tributária justa. Que deve, além disso, combater sistematicamente a sonegação e taxar as grandes fortunas, as heranças e a circulação especulativa de capitais.