Reitor da UFC expõe no Facebook histórico de aluno indicado ao Conselho Universitário. Por Francisco Barbosa

Atualizado em 19 de maio de 2020 às 23:50
Cândido Albuquerque (dir.) ao lado do ministro Abraham Weintraub (esq.)-  Foto: Gabriel Jabur / Divulgação/MEC

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Francisco Barbosa

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Ceará (UFC) emitiu, nesta terça-feira (19), nota de repúdio à ação do reitor da instituição, Cândido Albuquerque, de expor dados privados de um aluno em rede social. No domingo (17), Albuquerque, que é advogado e professor da Faculdade de Direito da UFC, publicou no Facebook o histórico escolar de um estudante questionando a legitimidade do aluno para assumir a função de representante discente junto ao Conselho Universitário (Consuni) da instituição.

“Este é o representante”, escreveu o reitor acima da imagem em que constava o histórico escolar do representante discente. A postagem recebeu dezenas de comentários, escritos especialmente por estudantes da UFC. “Sim, esse é o representante. Eleito pelos estudantes e que teve mais votos que você”, rebateu uma aluna, em referência ao fato de Cândido Albuquerque ter ficado em terceiro e último lugar nas eleições para a Reitoria da UFC, em 2019, e mesmo assim ter assumido o cargo após ser escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Absurdo em qualquer perspectiva! Dados privilegiados pra constranger estudantes é baixo até pra especie de gente que temos hoje lamentavelmente no comando da UFC! Cândido é a vergonha que toleramos todo dia, mas usar dados privilegiados dessa forma é ASSÉDIO MORAL! [sic]”, diz outro comentário deixado na postagem do reitor.

Em resposta às críticas de que estaria expondo dados privados, o reitor rebateu por meio de comentários na própria postagem: “[…] são dados públicos! Precisam ser públicos! Estamos falando de dinheiro público”. Somente as coordenações de cursos e as instâncias superiores da Universidade podem acessar o histórico escolar dos estudantes, além do próprio aluno.

“Um reitor que utiliza seu cargo público para ter acesso a informações pessoais dos estudantes e usá-las para fins de constrangimento mostra que não está apto a ser um gestor público. Administração pública pressupõe moralidade. Esta foi violada totalmente com o ato do professor Cândido Albuquerque”, rebateu outro comentário.

Brasil de Fato entrou contato com a assessoria de comunicação da UFC, que informou que a entidade não se manifestará sobre o assunto.

“Distorção dos fatos”

Durante o “bate-boca” com Cândido Albuquerque no Facebook, estudantes afirmaram que o reitor estaria desvirtuando o ponto central da discussão, que seria o uso de dados privilegiados de estudantes para constrangimento público em rede social. Durante a discussão, o reitor insistia em argumentar que o representante discente possuía muitas reprovações e que não teria concluído nenhum dos cursos em que já havia se matriculado. Os comentários críticos ao reitor rebateram o argumento, informando que não há uma proibição para que uma mesma pessoa ingresse na Universidade quantas vezes queira, desde que passe por processo seletivo, a exemplo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

DCE repudia ação do reitor

Para o DCE da UFC, a postagem de Cândido Albuquerque é uma reação do reitor à denúncia de improbidade administrativa feita contra ele no Ministério Público Federal (MPF).

Juliana Roque, diretora de comunicação do DCE-UFC, considera que a atitude do reitor foi uma forma de constranger o representante discente, construindo uma “narrativa de que esse estudante não seria possivelmente qualificado para ocupar uma cadeira no Conselho por não ter a excelência acadêmica esperada pelo reitor, desconsiderando todas variáveis que impactam negativamente o rendimento acadêmico dos discentes, transformando o espaço de representação num espaço meritocrático”, afirma.

Em nota, o DCE informa que “utilizar de informações privilegiadas para constranger e intimidar um estudante nada mais é que uma forma de chantagem e perseguição ao movimento estudantil e suas representações”. A nota também explica que as provas foram encaminhadas para os advogados mediadores do processo contra o reitor no MPF.

Juliana diz que o Diretório se posicionou através de redes sociais cobrando o posicionamento da administração superior sobre o ocorrido, mas até o momento não obteve respostas da Reitoria. Segundo ela, o discente atacado se sente intimidado pelas ações de Albuquerque e pelas ameaças prestadas a ele e também contra eventuais estudantes que se oponham ao comportamento de excelência acadêmica típica.

“Além dos encaminhamentos de provas com os advogados, estamos estabelecendo um diálogo próximo com o todo o corpo discente e docente para que esse assunto não se caia somente sobre as representações superiores e que sejam expostas arbitrariedades que a Reitoria vem exercendo para toda a comunidade acadêmica”, finaliza.

Denúncia de improbidade administrativa no MPF

Na última quinta-feira (14), quatro entidades representativas de docentes, técnicos e estudantes da UFC divulgaram nota de repúdio e protocolaram representação junto ao MPF contra o reitor Cândido Albuquerque, que, de acordo com as entidades, vem dando recorrentes exemplos de autoritarismo e personalismo, atacando o princípio de gestão democrática na UFC.

Em um dos episódios mais recentes, Albuquerque deixou de proclamar o resultado de uma votação do Conselho Universitário (Consuni), anunciando, ainda, a publicação de um outro provimento com a mesma matéria para regulamentar o mesmo objeto: as reuniões virtuais do conselho.

As denúncias foram encaminhadas ao MPF na quinta-feira (14), via assessoria jurídica do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC). A entidade assina a representação juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Federais do Estado do Ceará (SINTUFCE), o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará (DCE/UFC) e a Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos da UFC (APG-UFC).

A peça jurídica solicita, entre outros pontos, a instauração de inquérito civil para apuração de eventual improbidade administrativa cometida pelo reitor. As entidades pediram também que o MPF recomende a Cândido Albuquerque a proclamação, em 48 horas, do resultado da votação virtual realizada pelo Conselho Universitário (Consuni) no último dia 12. Na ocasião, o Conselho deliberou pela rejeição do Provimento n° 03 de 2020, mas a decisão legítima não foi respeitada pelo interventor.

Provimento n° 03 de 2020

Sob o argumento de necessidade da adoção de medidas indispensáveis ao enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus, o que certamente se enquadraria na definição de “imperativo de urgência”, o reitor da UFC baixou o Provimento n° 03 de 2020, que dispõe sobre a realização de reuniões virtuais do Plenário do Consuni. No entanto, o referido ato normativo não se limitou a tratar apenas do período de duração da crise sanitária.

Sobre o caso

As reuniões virtuais devem ser consideradas mecanismo de exceção, adequado para a situação da pandemia. “Mas que o reitor da UFC intenta tornar permanente e com regras que dificultam a divergência, o amplo debate e o confronto de proposições, certamente para facilitar a sua gestão autoritária”, argumenta o texto da representação.

A utilização do Provimento como tentativa de aprovação dessa matéria sem o debate necessário com a comunidade acadêmica foi o primeiro subterfúgio utilizado por Albuquerque. O segundo foi a convocação diferenciada dos conselheiros para a reunião que referendaria o Provimento baixado unilateralmente. “Inexplicavelmente, foi feita a convocatória primeiramente de apenas parte dos conselheiros, enquanto a outra parte foi convocada apenas 12 horas depois”, completa o texto.

Rejeitado o provimento no Consuni, Cândido Albuquerque suspendeu a deliberação virtual e retirou o Provimento n° 03 de 2020 de pauta. Anunciou, ainda, a edição um novo provimento para tratar da mesma matéria. “Claramente, a intenção do reitor é impor a sua vontade por todos os meios que estiverem à sua disposição”, segue a denúncia encaminhada ao MPF.

Segundo as entidades que apresentaram a representação, no lugar de aceitar a derrota, o reitor suspendeu a deliberação de maneira irregular, “certamente para tentar formar maioria para sua próxima proposta, a qual tratará da mesma matéria, através de negociações distantes do debate público”. Após a manobra autoritária, a Reitoria anunciou no site da Universidade, que realizaria nova votação, marcada para a manhã de sexta-feira (15).

Fonte: BdF Ceará

Edição: Vivian Fernandes e Monyse Ravena