Relatoria da reclamação de Lula contra Fachin no STF nasce sob o manto da suspeita. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 29 de junho de 2018 às 11:46
Alexandre de Moraes

A escolha de Alexandre de Moraes para relatar a reclamação da defesa de Lula contra decisão do ministro Edson Fachin foi feita sob o manto da suspeita.

Segundo o site Jota, especializado na cobertura de assuntos jurídicos, a reclamação foi protocolada às 20 horas, 46 minutos e sete segundos da noite de ontem. Recebeu o número 31012.

Quase duas horas depois, foi protocolada outra reclamação, que nada tem a ver com Lula. Recebeu o número 31013. Como é praxe, o sistema imediatamente sorteou um relator desta ação que não tem nenhuma relação com Lula.

Mas, no caso do ex-presidente, só hoje cedo é que foi sorteado um ministro. Segundo o Jota, o STF não explicou porque a reclamação de Lula ficou esperando na fila. Hoje cedo, depois do sorteio, apareceu o nome de Moraes.

E quem é Alexandre de Moraes? Um antigo membro do PSDB, que, meses antes de ser nomeado, apareceu em um vídeo na internet anunciando, durante ato de campanha do candidato tucano a prefeito de Ribeirão Preto, que todos teriam surpresa na semana seguinte e se lembrariam do nome dele.

Na época, ele era ministro da Justiça e tinha sob sua autoridade a Polícia Federal. Batata. Na semana seguinte, a PF, numa nova etapa da Lava Jato, prendeu o ex-ministro Antonio Palocci, que foi prefeito de Ribeirão Preto. As pessoas que ouviram o anúncio de Moraes de que haveria surpresa na semana seguinte certamente se lembraram do nome dele.

Alexandre de Moraes, quando era filiado ao pSDB e fez campanha para Duarte Nogueira

Moraes chegou ao Supremo Tribunal Federal com a vacância gerada pela morte de Teori Zavascki, em acidente aéreo cuja investigação até hoje não foi concluída, 1 ao e meio depois.

Moraes foi secretário de Segurança de Geraldo Alckmin até Temer se sentar na cadeira de Dilma Rousseff. Ele já tinha servido a Alckmin em um governo anterior, como secretário da Justiça, cargo que exerceu em acúmulo com o de presidente da Febem, hoje Fundação Casa.

Por indicação de Alckmin, foi membro do Conselho Nacional de Justiça e depois serviu a Gilberto Kassab, como secretário em duas pastas. Na época, se filiou ao DEM. Depois foi para o PSDB, ao mesmo tempo em que assumia a Secretaria de Segurança.

Antes de entrar na política, foi promotor de justiça em São Paulo e, nessa condição, conduziu o inquérito civil que expos Paulo Maluf, na época liderança política expressiva em São Paulo, num caso de compra irregular de frangos pela prefeitura de São Paulo.

O episódio foi bastante explorado pela campanha de Mário Covas, do PSDB, na eleição de 1998, quando ele disputou com Maluf, em segundo turno, o governo do Estado de São Paulo. Venceu, com a ajuda importante do inquérito de Mores, mais tarde transformado em ação e que gerou a condenação de Maluf.

Como ministro do Supremo, Moraes vai relatar a reclamação em que a defesa de Lula pede a anulação da decisão de Fachin que levou para o plenário da corte o julgamento da ação que pede o efeito suspensivo da prisão de Lula, determinada na sentença de Sergio Moro que o condenou por conta do triplex do Guarujá.

Para a defesa, Fachin desrespeitou o princípio constitucional do juiz natural, no caso o colegiado que forma a segunda turma do STF.

Por que fez isso? Só Fachin pode responder, mas é certo que, sendo julgado pela segunda turma do STF, a chance do recurso de Lula ser acatado seria muito maior, dada formação da maioria de seus integrantes, todos garantistas, isto é, que defendem as garantias constitucionais do cidadão, corrente jurídica em oposição aos chamados punitivistas.

No plenário do STF, a chance da decisão de Fachin ser mantida é muito maior, como demonstrado no julgamento do habeas corpus de Lula, em 4 de abril, quando, por 6 votos a 5, o ex-presidente teve rejeitado seu pedido, o que abriu caminho para a prisão de Lula, três dias depois.

Escolher o o foro para julgar uma pessoa é próprio de estados de exceção, não de um país sob regime constitucional do estado democrático de direito. Por isso, a decisão de Fachin de passar por cima da segunda turma é considerada uma manobra jurídica de muita gravidade. E não foi apenas este erro apontado pela defesa de Lula na reclamação.

Para justificar sua decisão de levar o caso para o plenário do STF, Fachin inventou um pedido da defesa de Lula. Ele escreveu que os advogados pediram a suspensão da inelegibilidade de Lula em razão da condenação em segunda instância. Na reclamação, a defesa do ex-presidente informa que pediu tão-somente o efeito suspensivo em relação à prisão.

E a razão disso é óbvia: mesmo condenado por um órgão colegiado, como o TRF-4, Lula tem direito de registrar a candidatura a presidente na justiça eleitoral. Esta pode indeferir o registro, com base na lei da ficha limpa, mas só a partir daí é que se inicia a batalha jurídica para, com base na mesma lei da ficha limpa, buscar uma medida no STF em razão da “plausibilidade” do recurso, isto é, um recurso cabível.

Com a decisão de Fachin, porém, se o STF julgar que Lula é inelegível, os institutos de pesquisa poderão tirar o nome dele nas pesquisas e dar mais um tiro para tentar matá-lo politicamente.

É contra a manobra de Fachin que a defesa de Lula se levantou. Agora está nas mãos do ex-tucano Alexandre de Moraes a decisão de dar o primeiro tiro, ops, o primeiro passo na análise da reclamação e abrir caminho para o pelotão de fuzilamento, ops, o julgamento em plenário.

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PS: Em nota assinada pelo advogdo Cristiano Zanin Martins, a defesa de Lula informou:

“A Reclamação deve ser julgada dentro do órgão que teve a sua competência usurpada, que no caso é a Segunda Turma. A lei não deixa qualquer dúvida sobre esse critério de distribuição (CPC, art. 988, parágrafo único). Já pedimos a correção ao ministro Alexandre de Moraes para que novo Relator seja sorteado dentro da Segunda Turma e possa apreciar o pedido de liminar com a brevidade que o caso requer”.