Relatórios da Abin: as provas que a DPF Christiane busca. Por Marcelo Auler

Atualizado em 11 de dezembro de 2020 às 20:06
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) fala ao celular no plenário do Senado
Imagem: Pedro França/Agência Senado

Publicado originalmente no Blog do autor:

Por Marcelo Auler

Aos poucos as evidências surgem. Ou já não serão provas? Os relatórios produzidos pelo delegado federal Alexandre Ramagem à frente da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), orientando o senador Flávio Bolsonaro – assim como a seu pai, Jair Bolsonaro – de como tentar enterrar o Caso Queiroz, simplesmente confirmam que a família Bolsonaro usa a Presidência da República e as instituições da República para esconder os crimes denunciados contra seu filho 01 e garantir a impunidade do mesmo.

É justamente esta interferência indevida do presidente da República, através de órgãos que não deveriam se pautar por interesses pessoais do mandatário, que a delegada federal Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, investiga desde abril passado. Ela preside o Inquérito 4.831/DF, aberto para confirmar o suposto uso das instituições em favor da família Bolsonaro.

Agora, basta mudar o foco da investigação. Se antes ela buscava provar uma hipotética interferência de Bolsonaro nas investigações contra seu(s) filho(s) através do Departamento de Polícia Federal (DPF), agora surgem as evidências – ou já não serão provas? – de que ele o faz por meio da Abin.

Ramagem, vale recordar, foi o suposto pivô da saída de Sérgio Moro do ministério da Justiça. Ou o pretexto encontrado pelo ex-juiz para tentar pular fora do barco no qual ingressou com muitos planos políticos, ao perceber que já lhe tinham puxado o tapete fazia tempo. Tentou usar a denúncia da interferência de Bolsonaro nas investigações contra seus filhos como uma espécie de boia salva vida ao perceber que já tinham lhe levado à prancha da nau bolsonarista, de onde estava prestes a ser atirado ao mar. Uma tentativa frustrada de salvar-se politicamente, pois hoje o ex-juiz já não é nada no jogo político nacional.

Já existe investigação, basta mudar o foco

Foi pelo barulho feito por Moro na sua saída do governo que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se viu obrigado a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de uma investigação contra o presidente. O fez até meio constrangido. Tanto que entre os crimes para os quais pediu investigação, relacionou uma possível denunciação caluniosa do ex-juiz.

Desta forma surgiu o Inquérito 4.831, inicialmente sob a relatoria do ministro Celso de Mello e hoje sob o comando do ministro Alexandre de Moraes. A mesma investigação na qual Bolsonaro abriu mão de ser ouvido, fugindo de um interrogatório.

O objetivo da investigação é claro: a possível tentativa de interferência de Bolsonaro, como presidente da República, nas investigações contra os supostos crimes cometidos por seus filhos Em especial o 01, Flávio, e o 02, Carlos. Ambos envolvidos com possíveis desvios de dinheiro público, por meio do confisco de parte dos salários de servidores fantasmas, o que se denominou “rachadinhas”. Mas que no Código Penal é capitulado no artigo 312 como Peculato

Crime esse que o próprio pai também é suspeito de ter cometido, durante seus 28 anos como parlamentar, na Câmara dos Deputados, quando empregou, por exemplo, a amiga Wal do Açaí, que ele fez questão de visitar na tarde desta sexta-feira ao passar por Angra dos Reis (RJ). Tudo com a ajuda do inesquecível amigo/braço direito Fabrício Queiroz.

O mesmo que ajudou Flavio no período em que o atual senador ocupou um gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. Tanto que os dois foram denunciados juntos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa, entre outras coisitas. Já Carluxo continua sendo investigado por ter possivelmente adotada a mesma prática na Câmara dos Vereadores do Rio.

O que se descobre a partir do furo de reportagem de Guilherme Amado na revista Época que chega às bancas neste final de semana – A Abin e a operação para “defender FB” e enterrar o Caso Queiroz” (leitura para assinantes) – é que o delegado Ramagem, que Bolsonaro foi impedido pelo ministro Moraes do STF de nomear diretor-geral do DPF, não precisou mudar de prédio e de gabinete para permanecer à disposição do presidente na tentativa de abafar as acusações contra o filho 01.

Como demonstram os dois relatórios que preparou e que Amado revelou após confirmar a veracidade com a própria defesa do senador, Ramagem não quis provar a inocência do filho do presidente da República. Até porque, diante de tudo o que o Ministério Público do Rio de Janeiro levantou, isso parece impossível.

As instituições se acovardarão?

O diretor da Abin simplesmente tenta inviabilizar provas que levaram procuradores de Justiça a apresentarem a denúncia contra 15 pessoas, entre elas Flávio Para tal, Ramagem cria histórias de armações, montagens e perseguições dentro da Receita Federal. Sugere ainda demissões e indica linhas de defesa, transformando-se em um rábula. Por sinal, de qualidades duvidosas.

Confirmando-se as digitais de Ramagem em tais relatórios – e aqui não se está a duvidar da reportagem de Amado – desnecessário se faz pedir novas investigações a quem quer que seja. Elas já existem. Estão a cargo da delegada Christiane no bojo do Inquérito 4.831.

Basta apenas modificar o foco da investigação, jogando seus holofotes para o gabinete do diretor da Abin. Ao que tudo indica, buscando atender interesses familiares do presidente da República, Ramagem e seus homens transformaram uma Agência de Inteligência que deveria atender interesses republicanos em agência de arapongagem para casos privados. De qualidade duvidosa, também.

O impressionante – ou nem tanto – é que tudo é feito por ordem, ou ao menos, com o consentimento e aprovação do presidente. O que apenas reforça a tese de que. desde sua posse, utiliza-se do cargo – tal como fez ao longo de sua carreira no legislativo – em busca de atender interesses pessoais e familiares.

O que é um evidente crime de responsabilidade, à vista de todos, inclusive ministros do Supremo, que se omitem diante desses casos, e do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que tem na sua gaveta dezenas de pedidos da interdição do presidente.

Crime que deveria provocar um imediato pedido de impeachment, caso as instituições republicanas e seus ocupantes não se omitissem, acovardados. O que tem sido uma praxe, permitindo que a família continue ameaçando a nossa democracia ao mesmo tempo em que incentiva o genocídio, ao menosprezar o combate ao vírus que já matou 180 mil brasileiros. Até quando se omitirão?