Relembre as conexões entre Valdemar Costa Neto, PL, Bolsonaro e a defesa do tráfico de ouro

Atualizado em 9 de fevereiro de 2024 às 20:57
Charge do que seria Jair Bolsonaro em uma escavadeira amarela
Reprodução/De Olho nos Ruralistas

Por Alceu Luís Castilho e Luís Indriunas

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, não carrega pepitas de ouro por acaso. Empresário na Amazônia, ele tem conexão societária com um líder garimpeiro no Amazonas, Jonivaldo Mota Campos. De Olho nos Ruralistas mostrou, em 2022, as relações entre o político e um grupo de holandeses cujos sócios já foram condenador por pirâmide financeira e tráfico internacional de drogas — representados no Brasil exatamente por Campos.

Preso ontem pela Polícia Federal por porte ilegal de armas, Costa Neto mantinha pepitas em sua casa. Ele é o presidente do Partido Liberal, o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e de boa parte de seus aliados no Congresso. Bolsonaro e alguns de seus ministros fizeram durante o governo defesa explícita do que se chama de garimpo, que também pode ser definido como tráfico de ouro. O próprio ex-presidente já contou que era garimpeiro.

A operação desta quinta-feira (08) da Polícia Federal contra articuladores de golpes contra o Estado Democrático de Direito e contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República tem várias ramificações, chegando cada vez mais a figuras públicas com amplo poder de decisão. Durante as eleições de 2022, este observatório divulgou o dossiê As Veias Abertas, que ajuda a entender a conexão entre essas políticas e as pepitas de Costa Neto.

No ano passado, um vídeo sobre A Bancada do Garimpo tornou-se o mais visto do canal do De Olho no YouTube, o que mostra uma curiosidade específica dos leitores com a relação entre política e garimpo, uma atividade com amplos impactos ambientais e protagonista de investidas homicidas — ou mesmo genocidas — contra povos indígenas, entre eles os Yanomami.

A história da família de Valdemar com o município de Itacoatiara (AM) se iniciou nos anos 70, quando Waldemar Costa Filho, o pai de Valdemar Costa Neto, se aventurou no ramo de mineração de caulim na floresta amazônica, em parceria como o empresário Fumio Horii, conterrâneo e amigo próximo da família de Mogi das Cruzes (SP), onde o político é conhecido pelo apelido de Boy. O pai dele foi prefeito de Mogi por quatro ocasiões, além de empresário dos ramos de transportes e mineração.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, tem ligações com o garimpo. Reprodução

Costa Neto seguiu os passos do pai Waldemar, com “W”, fundando a VCN Mineração em 1996, batizada com as iniciais de seu nome. Ele não faz parte hoje do quadro societário da VCN, mas foi condenado em segunda instância, em 2021, pela degradação de área equivalente a 28 campos de futebol por parte da empresa, às margens do Rio Tietê, em Biritiba-Mirim, interior de São Paulo. Um ano antes da morte de seu pai, no dia 07 de fevereiro de 2000, a propriedade de 49 hectares em Itacoatiara foi transferida para a VCN Mineração.

Pouco mais de duas semanas depois, em 25 de fevereiro de 2000, o deputado vendeu 75% da Agropecuária Patauá para a Reflorestadora Holanda, que atuava na região amazônica pelo menos desde 1998. Proprietário da Reflorestadora Holanda e representante brasileiro da Eco Brasil B.V., Francisco Jonivaldo Mota Campos ainda é bastante ativo nas redes sociais, onde publica mensagens de apoio a Jair Bolsonaro e mantém contato com seus amigos dos Países Baixos.

No contrato social da Reflorestadora Holanda, lê-se ente os sócios da empresa os nomes de R. G. van den Heuvel e T. Hoegee. Ambos foram investigados por tráfico internacional de drogas na Operação Niva da Polícia Federal, em 2011, quando foram presos membros do crime organizado da região dos Bálcãs, que atuavam no Brasil em parceria com o PCC. Segundo a PF, os envolvidos integravam “associação criminosa para a prática do narcotráfico a partir do Brasil para a Europa, incluindo a utilização da Região Amazônica como rota de saída da cocaína”. Nenhum dos holandeses investigados foi condenado no Brasil.

Os laços do Partido Liberal com o tráfico de ouro e o “Movimento Garimpo É Legal” se escancaram na figura do fundador do movimento, Rodrigo Cataratas, filiado ao PL Foi pelo partido de Costa Neto que ele se candidatou a deputado federal em 2022, por Roraima, sem sucesso. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), Cataratas é um dos principais financiadores do garimpo na TI Yanomami. Em agosto de 2021, a Polícia Federal apreendeu seis helicópteros utilizados por garimpeiros para invadir a terra indígena, todos pertencentes a ele.

Apesar de ser um defensor declarado do garimpo, e dos indícios de financiamento à atividade ilegal, a Justiça Federal negou pela sexta vez um pedido de prisão do empresário, no ano passado. Proprietário da empresa Cataratas Poços Artesianos, Rodrigo Cataratas se beneficiou de um contrato junto ao Ministério da Defesa, durante o governo de Jair Bolsonaro, para a construção de poços artesianos na área conhecida como Surucucu, dentro da TI Yanomami.

— Eu tenho vontade de garimpar. Eu já garimpei também. Eu tinha um jogo de peneira, tinha uma bateia, sempre estava no meu carro e não podia ver um córrego que caia de boca lá.

A frase foi dita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em abril de 2020 no seu famoso “cercadinho”, onde reunia seus apoiadores em frente da residência oficial.

O apoio incondicional de Bolsonaro ao garimpo foi o tema do relatório “As Veias Abertas”. Ele detalhou as políticas públicas de incentivo ao garimpo ilegal, que avançou durante seu governo na Amazônia, principalmente nos territórios indígenas.

O garimpo de ouro e estanho nas terras dos Munduruku, no Pará, aumentou 334% entre 2019 e 2022, por exemplo; na TI Yanomami, no Amazonas e Roraima, o aumento foi de 328,6%.

Ao longo de seu mandato, o presidente publicou pelo menos oito
decretos que beneficiaram pequenas e médias mineradoras e buscaram facilitar o garimpo ilegal — ou seja, o tráfico de ouro.

Em outubro de 2021, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente a visitar uma área de garimpo ilegal, localizada dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Perante dezenas de garimpeiros, ele defendeu a aprovação no Congresso do Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, que pretendia estabelecer condições específicas para a pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas.

Ele também manifestou várias vezes seu desejo de ressuscitar os tempos de Serra Pelada, no Pará, quando, nos últimos anos da ditadura iniciada em 1964, um verdadeiro formigueiro humano de mais de 100 mil garimpeiros se formou para extrair metais preciosos em condições degradantes.

Bolsonaro chegou a receber o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, em maio de 2020. Falecido em 2022, o militar chefiou o garimpo com mão de ferro e se tornou conhecido pelas práticas de tortura e assassinato durante a repressão à Guerrilha do Araguaia. Para o ex-presidente, o torturador é um “herói”.

O senador Hamilton Mourão, vice-presidente da República durante o governo Bolsonaro, se reuniu em pelo menos quatro ocasiões como José Altino Machado, conhecido como “rei do garimpo”: “Mourão recebia responsável por invasões na TI Yanomami em seu gabinete“. A atividade ilegal defendida por Altino Machado e por outros aliados de Mourão e Bolsonaro foi a principal causa da crise sanitária na Terra Indígena Yanomani.

Assim que saíram as primeiras notícias da ação da Polícia Federal, nos últimos dias, o senador chamou as Forças Armadas a não se omitirem contra a “condução arbitrária de processos ilegais”. Nesta sexta-feira, Mourão divulgou uma nota que afirma não incitar nem se referir a nenhum tipo de ruptura institucional ou golpe.

E não foi só Mourão: a atuação dos militares em prol dos garimpeiros e da mineração comercial no governo Bolsonaro foi intensa, como detalhamos no relatório “Veias Abertas” e em diversas notícias nos últimos anos.

O general Augusto Heleno, considerado pela Polícia Federal um integrante núcleo duro do golpe e que está proibido de deixar o país, autorizou, em 2021, sete projetos de pesquisa de ouro na Cabeça do Cachorro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, segundo a Folha. Ele também liberou a exploração de ouro numa área de 9,8 mil hectares vizinha da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em 14 de dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro. A beneficiada foi Creusa Buss Melotto, presa anteriormente por tráfico de drogas.

Garimpo em terra yanomami em 2018. Foto: Exército

Heleno também costumava se reunir com dois líderes do garimpo ilegal: o fundador da União Sindical dos Garimpeiros da Amazônia Legal (Usagal) e ex-presidente da Fundação Instituto de Meio Ambiente e Migração da Amazônia (Finama), José Altino Machado, e o presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro), Dirceu Frederico Sobrinho.

Altino Machado comandou vários garimpos abertos na Amazônia, segundo a Repórter Brasil, sendo responsável pelas três maiores invasões na TI, nos anos 70, 80 e 90. Frederico Sobrinho é acusado de lavagem de dinheiro e danos ambientais em Itaituba (PA), uma das principais fronteiras do garimpo no país.

Altino Machado foi recebido também pelo então vice-presidente Mourão. Foram pelo menos quatro vezes. A proximidade entre os dois, para além das agendas oficiais, foi noticiada por veículos como o Observatório da Mineração e o Diário do Rio Doce. “Foi um encontro muito proveitoso”, afirmou Zé Altino, como é conhecido, ao fim da primeira dessas reuniões, em 2019.

— Eu fiz uma proposta, que ele achou interessante. Nós ficamos com a responsabilidade de tomar conta do trabalho que nós temos na Amazônia, enquanto o governo assume a responsabilidade de administrar. Não tem cabimento um pedido de licença ambiental ficar pendente por mais três anos.

Entre janeiro de 2019 e maio de 2022, o Ministério das Minas e Energia se manteve sob o comando do almirante da Marinha Bento Albuquerque, que ganhou destaque pelos supersalários: em dois meses, ele chegou a receber R$ 1 milhão em rendimentos. O militar reformado foi exonerado para a entrada do economista Adolfo Sachsida, um assessor do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, preocupado com a necessidade eleitoral de diminuir o preço da gasolina.

Apesar de manter o poder histórico do MDB no ministério, Bento Albuquerque não deixou de indicar pessoas ligadas ao mercado privado. Nesse período, os militares fizeram lobby para que a canadense Belo Sun conseguisse avançar no licenciamento de uma grande mina de ouro a céu aberto na Amazônia.

De Olho nos Ruralistas identificou, há um ano, dezesseis parlamentares eleitos que, em Brasília ou em seus estados de origem, atuam a favor do garimpo. O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e cuja sede foi palco do planejamento do golpe, abriga oito deles. Alguns deles podem ser apontados diretamente como articuladores ou apoiadores da tentativa de golpe.

A bancada do garimpo era composta, na época, pelos deputados federais Antônio Doido (MDB-PA), José Medeiros (PL-MT), Joaquim Passarinho (PL-PA), Delegado Eder Mauro (PL-PA), Hugo Leal (PSD-RJ), Silas Câmara (Republicanos-AM), Nicoletti (União-RR), José Priante (MDB-PA), Euclydes Pettersen (PSC-MG) e Ricardo Salles (PL-SP), este último ministro do Meio Ambiente durante o governo Bolsonaro.

Silas Câmara teve o mandato cassado em janeiro pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM) do Amazonas, onde Valdemar Costa Neto tem seu sócio garimpeiro. No Senado, completam a lista Wilder Morais (PL-GO), Davi Alcolumbre (União-AP), Wellington Fagundes (PL-MT), Zequinha Marinho (PL-PA), Jaime Bagattoli (PL-RO), que possui fazenda em terra indígena, e o ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

Financiado por mineradoras e frigoríficos, o deputado Passarinho é um dos principais interlocutores dos garimpeiros no Congresso. O deputado assina o PL 6.432/2019, que autoriza empresas a comprar ouro diretamente do garimpo. “Nós temos um casamento com a mineração, não tem como fugir disso”, disse o deputado em uma das reuniões do Grupo de Trabalho sobre o Código de Mineração, em 2022.

No mesmo ano, em 23 de novembro, ele recebeu em seu gabinete na Câmara o terrorista paraense George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, que um mês depois tentaria explodir um caminhão com querosene perto do Aeroporto Internacional de Brasília.

Publicado originalmente em De Olho Nos Ruralistas

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