Repórter da Globo diz que hoje “quem apita na política é o Judiciário” e que seus patrões são parciais

Atualizado em 8 de outubro de 2017 às 16:59
Marcos Losekann

Marcos Losekann, repórter especial da Globo em Brasília, onde costuma cobrir assuntos do Judiciário, cometeu um artigo que poderia ter sido escrito pelo amigo esquisitão do seu filho de 16 anos.

Está no Conjur. Em sua primariedade e falta de noção, é revelador. Ajuda a entender também como funciona o noticiário da TV. 

Já houve um tempo em que os inimigos estavam em trincheiras opostas. Eram uns contra outros ou eles contra nós (não necessariamente nessa ordem) ou ainda, na forma mais arrogante, o bem contra o mal (nesse caso, ambos se considerando o ‘’bem’’ e apontando o dedo para o suposto ‘’mal’’).

Os tempos são outros. Agora as trincheiras estão divididas. O inimigo de hoje, até ontem, era aliado. De uma hora para outra, quem pregava a lei de Moro para enjaular os poderosos por conta de suas estripulias com dinheiro público se vê disposto a rasgar a toga e a biografia para criminalizar o mesmo Moro porque agora o alvo é amigo, correligionário ou, simplesmente, da ‘’thurma’’.

Corrupção é crime, sim, desde que os criminosos sejam os outros. Delação é arma legítima da polícia e do Ministério Público até que o delatado seja um ‘’parça’’. Gravação de conversa pouco ou nada republicana é válida se for para denunciar o senador falastrão que promete uma fuga mirabolante a Nestor Cerveró, mas é ilegal se o falastrão da vez for o ‘’nosso’’ presidente.

Prisão em segunda instância é constitucional somente quando o condenado não for um dos nossos ‘’companheiros’’. Denúncia é passível de aplauso desde que o Procurador-geral da República não denuncie ninguém dos ‘’camaradas’’ – aí já é ‘’obsessão’’.

Advogados que ganhavam milhões apenas protelando veredictos e prisões se veem incapazes de lidar nos novos tempos e apostam todas as suas fichas na lavagem cerebral, enviando textos e mais textos a amigos e colegas (incluindo jornalistas), na esperança de vencer (?) pelo cansaço. Há até os que, em nome do ‘’estado democrático de direito’’, apresentam ‘’provas’’ (?), inclusive com datas inexistentes no calendário… De fato, os tempos são outros e, como diria certo ministro do Supremo Tribunal Federal, ‘’estranhos’’.

O casuísmo reina absoluto no país do jeitinho que parece não ter jeito diante de tantas denúncias, evidências, indícios e confissões. Cada um pensa em si até quando age patrioticamente. E salve-se quem puder no mar de lamas e granas. Nem o Tio Patinhas, o pato milionário de Walt Disney, tem um apartamento abarrotado de dinheiro…

É nesse cenário de caos moral que o jornalismo tenta manter-se probo, isento, ético e preciso. Tenta, pois nem sempre consegue – a despeito do empenho da maioria de seus militantes. Afinal, não é fácil cobrir fatos e boatos sem perder o norte e a esperança. Sim, porque jornalista sem esperança em sua missão não escreve ou fala com convicção. E sem acreditar, sem perseverar, como querer fazer crer?

Muito se fala da parcialidade. Eu diria que em sua grande maioria o jornalismo brasileiro está contra o errado – o que quer que seja o ‘’errado’’. Mas ainda que haja pluralismo que denote controvérsia de ideias, não vejo problema algum. Democracia também é isso. É sempre bom lembrar que no Brasil o jornalismo nasceu parcial. Havia quem defendesse a Monarquia e quem pregasse a proclamação da República; havia os abolicionistas e os partidários do regime escravocrata; tinha gente que escrevia protegido pelo manto do anonimato graças a pseudônimos, mas tinha também quem desse a cara à tapa. Tinha de tudo. E até hoje é assim.

Hoje, no jogo da política, quem diria, o poder judiciário é quem apita. E a imprensa é como se fosse o público lotando as arquibancadas virtuais no estádio, digo, na Praça dos Três (ou seriam quatro?) Poderes.

Os movimentos contra e pró-governo se intensificaram nos últimos tempos. E em tempos de jornalismo instantâneo, a cobertura dos atos, fatos e boatos é feita em tempo real. Foi-se o tempo do monopólio da televisão, do rádio e do jornal impresso como únicos meios de comunicação a testemunhar e relatar momentos históricos. Agora existe um divisor das águas (e das enchentes): a internet. O acesso à informação é gigante. Mas que ninguém se engane: o papel dos jornalistas de verdade (os que vivem de notícia e informação e não de intrigas e fofocas) é primordial, eu diria vital.

É evidente que um acontecimento gera guerra de informação. E quando tal acontecimento se dá na esfera da política, a guerra tende a ser sangrenta. Jornalismo (com J maiúsculo) e jornalismo se confundem. Blogueiros, muitos escondidos atrás de pseudônimos e apelidos, apresentam-se como arautos da informação e, o pior, muita gente toma o que eles escrevem como verdade. Para complicar, cada um se apega à sua própria verdade, aquela que quer ver e em que se quer acreditar. O resultado não pode ser outro que não uma confusão de versões, fofocas, intrigas e boatos. Lamentável.

Mas não vamos fazer de conta que a imprensa formal é blindada a ataques de interesses econômicos e políticos. É evidente que não. O interesse das grandes e pequenas empresas de comunicação também é legítimo. Linhas editoriais claras e previsíveis são parte da mídia de qualquer país desenvolvido.

Há quem ache que no Brasil, um país ainda a ser descoberto, a imparcialidade devesse ser regra e não exceção, mas me parece impossível impor tal comportamento. Seria o mesmo que querer mudar a natureza humana. Afinal, opinião, vontade, interesse próprio, objetivos, projetos… tudo isso é inerente às pessoas. Jornalistas, sempre é bom lembrar, são pessoas. Patrões também.

Cobrir a política, por isso mesmo, é difícil porque há pessoas dos dois lados. A política permite ilações, versões, opiniões. Já o judiciário, via de regra, restringe-se ao veredicto, à sentença. Pode parecer chato quando, perambulando pelos corredores dos Tribunais Superiores, nada mais conseguimos do que um aceno, um abraço ou, com muita sorte, uma palavrinha de um ministro ou ministra.

Bastidor? Muito raramente, exceto de um ou outro com menos papas na língua. No geral, um juiz só fala (ou deveria falar) nos autos. Mas quem irá julga-los pelos eventuais excessos? Sendo assim, notícia fora do âmbito das turmas ou do plenário é raro, tanto que quando surge aqui ou acolá os editores e chefes ficam reticentes, em dúvida sobre publicar ou não, tamanha a capacidade que tais “offs” tem de serem incomuns.

Até bem pouco tempo, a chamada ‘’grande imprensa’’ não tinha mais do que meia dúzia de setoristas a postos no judiciário. Geralmente um produtor ou repórter iniciante por veículo de comunicação davam conta do recado. A judicialização da política brasileira, no entanto, mudou o quadro. Hoje não há Jornal, Rádio ou Televisão que se preze que não tenha em seus quadros de setoristas um repórter experiente escalado para cuidar do Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal.

Produtores – sobretudo eles – já não são meros assessores de luxo, babás de repórteres transeuntes. Agora o produtor, principalmente de televisão, é um especialista, um expert, um ‘’medalhão’’. Manja de leis, fala e entende jurisdiquês e escreve textos que tanto podem ser publicados em sites de notícia e jornais impressos, como podem ser lidos irretocavelmente por repórteres e âncoras de TV ou de rádio, ou ainda servir de base para reportagens mais elaboradas. Já não basta mais ser um generalista; é preciso se especializar.

Sob esse mantra, desde 2015, voltei a estudar direito, disposto a terminar a faculdade iniciada em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em 1984, quando o jornalismo me encantou e, no bom sentido, desviou. O objetivo não é me tornar um advogado jornalista nem um jornalista jurista, mas um jornalista tanto quanto possível mais antenado às regras do jogo que se joga na capital federal. Cada vez mais, jornalistas de economia buscam fazer uma graduação na área, assim como comentaristas de futebol que, geralmente, são ex-jogadores.

Hoje em dia já há jornalistas com curso na área da saúde, inclusive medicina, fazendo preferencialmente reportagens sobre saúde; formados em economia cobrem assuntos econômicos; professores de Educação Física comentam e dão dicas sobre a saúde corporal… E assim por diante. Por que, então, não agregar ao jornalismo um diploma de bacharel em direito? O leitor, o ouvinte e o espectador só tem a ganhar diante da especialização dos profissionais da imprensa. Tão criticados em tempos de opiniões diversas, o jornalista é, afinal, o olhar, a voz e os ouvidos de muitas pessoas que não tem acesso aos palácios, aos togados e aos eleitos.

O confronto de informação, sobretudo de versões (vulgo fofoca), encontra na mídia sem compromisso um ambiente propício à proliferação. Defendo a defesa do equilíbrio, da decência, do caráter e do conhecimento de causa dos jornalistas. Vejo, infelizmente, colegas errando e negando seus erros, como se admitir e se corrigir fossem pecados mortais. Por isso insisto: quanto mais preparo, melhor. Não se pode investir apenas na formação técnica.

É preciso investir no estofo humano. A cobertura jornalística de Brasília, não raramente, sofre de falta de humildade. Idem quanto à generosidade. O bom jornalista precisa reconhecer seu lugar, sobretudo suas eventuais deficiências: ler, estudar, investigar, ouvir… jamais esquecer que não existem apenas dois, mas muitos lados. E nunca perder o foco da razão e do bom-senso, tendo consciência de que os exércitos de cores que invadem nossas ruas e timelines muitas vezes nada mais querem além de confundir para, em um segundo momento, cooptar.

Obviamente, não se pode deixar exterminar-se a pluralidade de pensamentos, sem confundir informação com conhecimento – embora haja simbiose inexorável entre eles. A fórmula não é nova nem nenhum segredo: só há bom jornalismo com a imprensa respeitando a verdade, o público e a lei. Defendo a evolução tecnológica, mas não aceito que todos os caminhos abertos pela tecnologia sejam trilhados invariavelmente sem os devidos cuidados, sobretudo por jovens jornalistas – da geração que já nasceu plugada, com cabo USB no lugar do cordão umbilical.

Não! O olhar atento, a curiosidade, a desconfiança e a sagacidade devem repelir a ciberpreguiça. Entrevistas por web câmeras? Perguntas e respostas via e-mail? Reprodução de fofocas nas redes sociais? O.k. Mas que sejam exceções, jamais regra. Jornalista que é Jornalista gasta sola de sapato, sua a camisa, faz plantão diante de portas chaveadas… e não desiste, jamais. O bom soldado até morre, mas morre atirando.